Law between appropriation and alienation in the Grundrisse of Karl Marx/O direito entre a apropriacao e a alienacao nos Grundrisse de Karl Marx.

AutorSoares, Moises Alves
CargoResena de libro

O fertil labirinto do laboratorio teorico de Marx

A celebracao dos 200 anos do nascimento de Karl Marx nao importa na exaltacao da obra de um pensador classico, que, ao ser fossilizado, e submetido a uma arqueologia (juridica) a fim de determinar os principais tracos de uma epoca. Isso seria sua marcha funebre. Como o imperativo do pensamento marxiano e afinar as armas da critica ao mundo do capital, revisitar suas obras torna-se um exercicio de por a prova a vivacidade de sua teorizacao enquanto aporte analitico em nosso tempo e projetar traducoes de caminhos insurgentes aos diferentes contextos nacionais.

Alem disso, dentre o amplo itinerario de Marx, ter os Grundrisse der Kritik der Politischen Okonomie (Rohentwurf) como objeto de estudo ja consiste em um grande desafio em si--pelo seu inacabamento e por sua redacao orientar-se com base em uma logica de investigacao. Ainda mais quando se realiza o esforco de pesquisa em uma tematica praticamente inexplorada na obra, o direito, tendo como traco fundamental um dos maiores e controversos debates do pensamento marxista, a teoria da alienacao. Mas se debrucar sobre os Grundrisse ou Manuscritos de 1857-58, situados no meio da trajetoria intelectual e politica de Marx--dez anos antes, havia publicado A Miseria da Filosofia e, dez anos depois, publicara o primeiro tomo de O Capital--, e tarefa fundamental na medida em que e no laboratorio de Marx que podemos apreender o surgimento da teoria do mais-valor e como a alienacao juridica se articula nesse processo criativo.

Apesar de a publicacao dos Manuscritos Economico-Filosoficos (1932) incendiar a discussao sobre a teoria da alienacao em Marx, causando ate mesmo cisoes no interior da tradicao marxista, e somente com os Grundrisse (1939-41), em que pese a dificuldade de sua circulacao e a aridez de sua leitura, enquanto expressao "madura" de sua critica da economia politica, que o fenomeno da alienacao apresenta de forma decisiva as determinacoes da tensao entre objetividade e subjetividade na atividade produtiva. Nao e a toa, portanto, a intensa batalha pela legitimidade dos elementos contidos nos Grundrisse, uma vez que, no fim das contas, sua validade resulta na necessaria atencao a um amplo espectro de consideracoes sobre o estranhamento do trabalho no nascedouro da teoria da mais-valia, colocando o debate a respeito da teoria da alienacao (1) em outros termos.

A delimitacao nos Grundrisse, deste modo, nao surge como um fim em si, numa abordagem marxologica Cult. Na verdade, centrar as baterias nos Manuscritos de 1857-58 significa abordar os escritos em que Marx, mesmo de forma criptica, realiza uma exposicao estrutural da relacao entre a apropriacao do tempo de trabalho excedente e a extensao gradativa do fenomeno da alienacao a todos os poros da sociabilidade. Nunca e demais ressaltar que e nos Grundrisse onde Marx desloca o momento essencial de suas investigacoes do intercambio de mercadorias para o mundo da producao. Ele percebe que a forca de trabalho e uma mercadoria sui generis, cujo valor de uso possui a especificidade de conduzir, durante sua utilizacao real, a criacao de valor. A apropriacao desse tempo de trabalho excedente cristalizado em valor torna-se a chave explicativa para o processo de acumulacao do capital, elevando, assim, a teoria do maisvalor, de modo explicito e irreversivel, a um papel central no projeto marxiano.

Ao converter a teoria do valor em teoria do mais-valor, Marx lanca as bases de uma teoria antagonica ao capital que conjuga a analise objetiva da producao com outra subjetiva a respeito da exploracao do trabalho e da luta de classes. No entanto, tal desdobramento do pensamento marxiano nao significa a saida de cena da teoria da alienacao--para os partidarios da tese da ruptura epistemologica: devaneio antropologico de um jovem-hegeliano ou mesmo uma serie de obstaculos hegelianos--, muito pelo contrario, a preocupacao com a questao da alienacao persiste no desenvolvimento posterior de Marx e esta subjacente em sua critica da economica politica. Na verdade, e apenas nesta dita obra de "maturidade" que Marx constroi plenamente em todas as suas determinacoes uma teoria pluridimensional da alienacao. Todas as dimensoes da atividade humana alienadas na sociabilidade capitalista encontram, finalmente, seu eixo genetico na alienacao do trabalho no processo de producao da mais-valor. Portanto, nos Grundrisse, a descoberta do mais-valor, ao mesmo tempo em que faz o pensamento marxiano centrar-se nos mecanismos economicos de extracao de trabalho excedente, revela que a amplitude do processo de alienacao para ser eficaz se estende e se realiza necessariamente imbricado com praticamente todos os campos de atividade humana.

Para compreender essas transformacoes do fenomeno da alienacao juridica no laboratorio teorico de Marx, e importante, mesmo que de forma sucinta e em parte negligente, avaliar o caminho teorico da teoria da alienacao ate os Grundrisse. Posteriormente, avaliar como se desdobra a tematica da alienacao em torno da descoberta e desenvolvimento da teoria do mais-valor nos Manuscritos de 1857-1858 e, por fim, salientar a funcao constituinte do direito como mediador da temporalidade do capital a partir dos mecanismos de formacao de (nao)-equivalencia.

A genese e trajetoria de uma teoria pluridimensional da alienacao

A teoria da alienacao possui longa estrada no percurso teorico marxiano e se transmuta com o avanco do seu processo de investigacao das formas de dominacao na sociedade capitalista. Em obra classica sobre o tema, Leandro Konder alertara para a existencia de uma teoria pluridimensional da alienacao (2)--o seu "carater poliscopico" (3)--, tendo a exploracao do trabalho um papel predominante e subordinado a totalidade das outras formas de estranhamento, a depender do momento historico concreto. Nesse sentido, nao e possivel subsumir ou substituir a teoria da alienacao pela nocao posterior de fetichismo da mercadoria, pois o "primeiro termo tem maior extensao do que o segundo: existe uma alienacao religiosa, politica, ideologica, etc [juridica]., ao passo que o fetichismo da mercadoria corresponde apenas a uma forma de alienacao: a alienacao economica" (4).

Embora merecesse uma abordagem mais abrangente (5), podemos classificar, correndo os riscos que toda simplificacao traduz, o pensamento marxiano em quatro momentos ao tematizar a questao da alienacao especificamente: 1) critica a alienacao politica--Critica da Filosofia do Direito de Hegel, Sobre a Questao Judaica e Critica da Filosofia do Direito de Hegel--Introducao; 2) a teoria da alienacao em statu nascendi--Manuscritos Economico-Filosoficos; 3) critica a alienacao ideologica--A Sagrada Familia, As Teses sobre Feuerbach e A Ideologia Alema ; 4) a teoria da alienacao na critica da economia politica de Marx--dos Grundrisse ate seus ultimos textos.

Tal periodizacao nao significa que a ascensao de uma dimensao da critica a alienacao implique a revogacao total da anterior, pois ha, de fato, um rearranjo estrutural da teoria da alienacao em virtude do encontro de Marx com os interesses materiais da sociedade. Falamos, aqui, que cada aspecto assume em um determinado momento maior predominancia e que continuam presentes na critica social de Marx, enquanto fenomeno global da alienacao, em todos seus escritos: politicidade (Estado e direito), especulacao (filosofia, ideologia, etica, etc.) e economia politica.

Mesmo antes de 1843, quando manejara de forma representativa o conceito de alienacao, Marx ja utilizava o termo em seu projeto teorico com ares neo-hegelianos. Em sua tese de doutoramento, Diferenca entre a filosofia da natureza de Democrito e Epicuro (1841), Marx, ao analisar a filosofia epicurista, introduz o conceito de alienacao para compreender a natureza inerentemente contraditoria do atomo--uma existencia alienada de sua essencia. A contradicao entre existencia e essencia, entre a materia e a forma, presente no conceito de atomo, e posta em cada atomo individual, pois "o atomo e, certamente, segundo seu conceito, a forma absoluta, essencial da natureza. Esta forma absoluta e agora degradada em absoluta materia, no substrato informe do mundo fenomenico. [...] O mundo fenomenico pode surgir somente do atomo completo e alienado frente ao conceito" (6). Nao se trata absolutamente, como se pode observar, da acepcao marxista do conceito de alienacao, mas ainda encontra significado na tradicao hegeliana--a identidade entre alienacao e objetivacao.

Por sua vez, no periodo de A Gazeta Renana--jornal que aglutinou os hegelianos de esquerda e a burguesia liberal contra o Estado monarquico prussiano--, Marx deixa o ambiente academico e intervem com seus artigos na vida politica alema. A critica de Marx presente nestes escritos politicos parte da identificacao do Estado e do direito com a propria realizacao do humano e de sua racionalidade. Por isso, considera "o Estado como o grande organismo no qual a liberdade juridica, moral e politica devem encontrar a sua realizacao, e no qual cada cidadao obedecendo as leis do Estado, nao faca mais do que obedecer somente as leis de sua propria razao, da razao humana" (7). Nesta critica em oposicao a realidade prussiana--ainda que o termo alienacao nao seja usado com frequencia (8)--quer superar o estranhamento da objetividade por meio da acao critica sobre as irracionalidades da miseria provocadas pelas imperfeicoes do Estado.

Mas nao se trata apenas de uma filosofia critica: Marx se confronta com os interesses materiais da sociedade, em especial, com a propriedade privada. Nos artigos a respeito de Os debates acerca a lei sobre o furto de madeira, criticava que "se o Estado se rebaixar a um ponto tao profundo para atuar, em vez da sua propria maneira, a maneira da propriedade privada, disso decorre, necessariamente, que deve, na forma de seus meios, acomodar-se aos limites da propriedade privada" (9). A propriedade privada, entao, comeca a assumir um papel...

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