Laudos psiquiátricos, exame criminológico e progressão de regime carcerário: uma análise crítica

AutorMarina Lima Ferreira - João Bosco Caetano da Silva - Cristina Garcia Senlle - Mauricio Stegemann Dieter - Thomas Matos Cerrini - Ana Claudia Cassanti
CargoAcadêmica de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Acadêmico de Direito da Universidade de São Paulo - Professor Doutor de Criminologia na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo - Acadêmica de Direito da Universidade de São Paulo - Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade ...
Páginas92-121
P A N Ó P T I C A
CASSANTI, Ana Claudia; CERRINI, Thomas Matos; DIETER, Mauricio Stegmann; FERREIRA, Marina
Lima; SNELLE, Cristina Garcia; SILVA, João Bosco Caetano da. Lau dos psiquiátricos, exame criminológico e
progressão de regime carcerário: uma análise crítica. Panóptica, vol. 10, n. 2, 2015 (jul./dez.), pp. 92-121.
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Laudos psiquiátricos, exame criminológico e progressão de regime
carcerário: uma análise crítica.
Ana Claudia Cassanti1; Thomas Matos Cerrini2; Mauricio Stegemann Dieter3; Marina Lima
Ferreira4; Cristina Garcia Senlle5; João Bosco Caetano da Silva6
Recebido em 15.11.2015
Aprovado em 08.12.2015
I. Primeira parte: análise jurídica
1. A inconstitucionalidade dos requerimentos de exame criminológico para
progressão de regime penitenciário.
A Constituição da República, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, prescreve
no seu art. 5, inciso LV, que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes. Ampla defesa e contraditório, como é sabido, são dimensões de um direito
mais amplo, qual seja, o devido processo legal que, por sua vez, encontra-se também
positivado no texto constitucional (art. 5º, LIV).
No Estado Democrático de Direito, o processo penal é informado pelo princípio
dispositivo, que define o modelo acusatório, que orienta tanto os procedimentos de acusação
(dada, no Brasil, privativamente ao Ministério Público, consoante o artigo 129, inciso I, da
CR) quanto os de gestão da prova, sendo esta última o princípio unificador do sistema7.
1 Ana Claudia Cassanti. Acadêmica de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
2 Thomas Matos Cerrini. Acadêmico de Direito da Universidade de São Paulo.
3 Prof. Dr. Mauricio Stegemann Dieter. Professor Doutor de Criminologia na Faculdade de Direito do Largo de
São Francisco da Universidade de São Paulo.
4 Marina Lima Ferreira. Acadêmica de Direito da Universidade de São Paulo.
5 Cristina Garcia Senlle. Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
6 João Bosco Caetano da Silva. Advogado graduado pela Universidade de Londrina e Pós-graduado em Direito
Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
7 CASARA, Rubens R.R.; MELCHIOR, Antonio Pedro . Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. v.1. p. 69 e ss.
P A N Ó P T I C A
CASSANTI, Ana Claudia; CERRINI, Thomas Matos; DIETER, Mauricio Stegmann; FERREIRA, Marina
Lima; SNELLE, Cristina Garcia; SILVA, João Bosco Caetano da. Lau dos psiquiátricos, exame criminológico e
progressão de regime carcerário: uma análise crítica. Panóptica, vol. 10, n. 2, 2015 (jul./dez.), pp. 92-121.
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Conquanto não haja um preceito legal que expressamente o enuncie, constata-se o
modelo acusatório da análise de alguns dos dispositivos constitucionais, que preveem, por
exemplo, o contraditório e a ampla defesa já mencionados, o processo legal devido, a
titularidade da ação penal a cargo do Ministério Público, a presunção de inocência, a
publicidade processual, a exigência de fundamentação e motivação das decisões judiciais,
entre outros8.
Demais disso, importa lembrar que a chamada Execução Penal, além de ser o
momento de concretização da competência punitiva estatal é, também, uma fase do processo
criminal. Logo, não há dúvida de que os preceitos constitucionais inclusive os relativos ao
devido processo legal lhe são plenamente aplicáveis.
À luz dessas considerações, o material submetido à análise permite concluir que a
sistemática adotada pela Vara de Execuções Criminais da Comarca de São Vicente não vem
observando uma série de preceitos constitucionais.
No sistema acusatório, o julgador não tem gestão probatória: o direito de produzir
provas é facultado apenas às partes. Mais do que isso, a carga probatória é exclusivamente da
Acusação. O réu tem o direito (não o dever) de produzir provas, embora possa, caso queira,
guardar silêncio e não produzir prova contra si mesmo, sem que tal postura seja tida por
prejudicial a seus interesses, muito menos resulte em confissão de culpa.
De nada vale argumentar que o magistrado, ao adotar postura ativa no processo, não
sabe a que parte (se ao acusado ou ao acusador) irá beneficiar com sua conduta. Para bem se
observar a imparcialidade do juiz, é fundamental que este se abstenha de atuar em busca da
prova, deixando que estas funções sejam reservadas exclusivamente às partes, vez que estas
pretendem demonstrar a validade e a veracidade das suas alegações9.
Diante deste quadro, todo dispositivo que faculte ao juiz a gestão probatória deve ser
reconhecido como incompatível com a normativa constitucional vigente.
Os laudos psiquiátricos, como é cediço, são espécie de provas que suprimem o
contraditório e a possibilidade de refutação das teses trazidas pela parte que produziu (ou
requisitou a produção) da prova. Isto é particularmente problemático nos casos analisados
8 Cf. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
9 Despacho juntado à fl. 48 dos Autos de Exec ução Penal nº 747.442, da Vara de Execuções Criminais da
Comarca de São Vicente-SP.

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