Latin American Human Rights lus constitutionale comune and the Inter-American Human Rights System: Perspectives and Challenges/Ius constitutional commune latino-americano em Direitos Humanos e o Sistema Interamericano: perspectivas e desafios.

AutorPiovesan, Flavia
  1. Introducao

    Objetiva este artigo enfocar o impacto do sistema interamericano de direitos humanos na composicao de um ius constitutionale commune latino-americano, com destaque as transformacoes fomentadas na regiao, com vistas ao fortalecimento do Estado de Direito, da democracia e dos direitos humanos na regiao.

    Considerando o desafiador contexto latino-americano, sob as marcas da acentuada desigualdade, violencia sistemica e centralismo do poder politico, sera estudado inicialmente o impacto transformador do sistema interamericano na regiao, a partir de uma tipologia de casos emblematicos da jurisprudencia da Corte Interamericana.

    A esta analise soma-se o exame do crescente empoderamento do sistema interamericano e sua forca catalizadora na regiao, fruto da efetividade do dialogo jurisdicional em um sistema multinivel. E sob esta perspectiva multinivel que emergem duas vertentes do dialogo jurisdicional, a compreender o dialogo com os sistemas nacionais (a abranger o controle da convencionalidade) e o dialogo com a sociedade civil (a emprestar ao sistema interamericano crescente legitimacao social).

    Por fim, pretende-se avaliar o impacto do sistema interamericano na pavimentacao de um ius constitutionale commune latino-americano em materia de direitos humanos, com enfase em seus riscos, potencialidades e desafios.

  2. Desenvolvimento

    2.1. Desafios do Contexto latino-americano: violencia, desigualdade e centralismo do poder politico

    A America Latina ostenta o maior grau de desigualdade do mundo. A pobreza na regiao diminuiu do patamar de 48,3% a 33,2%, no periodo de 1990 e 2008. Todavia, cinco dos dez paises mais desiguais do mundo estao na America Latina, dentre eles o Brasil (1). Na America Latina, 40,5% das criancas e adolescentes sao pobres.

    Sob o prisma etnico-racial, de acordo com o International Development Bank, a populacao afro-descendente corresponde a aproximadamente 25% da populacao latino-americana. No que se refere a populacao indigena, estima-se corresponder a 8% da populacao latino-americana. Indicadores sociais demonstram o sistematico padrao de discriminacao, exclusao e violencia a acometer as populacoes afro-descendentes e indigenas na regiao, sendo que mulheres e criancas sao alvo de formas multiplas de discriminacao (overlapping discrimination). Conclui-se, assim, que em media 33% da populacao latinoamericana enfrenta um grave padrao de violacao a direitos. Povos indigenas e afro-descendentes estao desproporcionalmente representados entre a populacao em situacao de pobreza e miseria, sendo que as mulheres sofrem ainda maior grau de vulnerabilidade, por meio da etnizacao e da feminizacao da pobreza.

    Nao bastando o acentuado grau de desigualdade, a regiao ainda se destaca por ser a mais violenta do mundo. Concentra 27% dos homicidios, tendo apenas 9% da populacao mundial. Dez dos vinte paises com maiores taxas de homicidio do mundo sao latino-americanos (2).

    Na pesquisa Latinobarometro 2013 sobre o apoio a democracia na America Latina, embora 56% dos entrevistados considerarem a democracia preferivel a qualquer outra forma de governo, a resposta afirmativa encontra no Brasil o endosso de apenas 49% e no Mexico 37%. De acordo com a pesquisa, 31% consideram que pode haver democracia sem partidos politicos e 27% consideram que a democracia pode funcionar sem Congresso Nacional.

    A regiao latino-americana marcada por sociedades pos-coloniais tem assim sido caracterizada por elevado grau de exclusao e violencia ao qual se somam democracias em fase de consolidacao. A regiao sofre com um centralismo autoritario de poder, o que vem a gerar o fenomeno do "hiperpresidencialismo" ou formas de "democracia delegativa". A democratizacao fortaleceu a protecao de direitos, sem, contudo, efetivar reformas institucionais profundas necessarias a consolidacao do Estado Democratico de Direito. A regiao ainda convive com as reminiscencias do legado dos regimes autoritarios ditatoriais, com uma cultura de violencia e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de Direitos e com a precaria tradicao de respeito aos direitos humanos no ambito domestico.

    E neste contexto politico, social e cultural, por compartilhar de problemas, desafios, dilemas e tensoes similares, que se justifica a defesa de um ius constitutionale commune latino-americano.

    2.2. Impacto transformador do Sistema Interamericano no contexto latinoamericano

    A criacao de um ius constitutionale commune latino-americano em materia de direitos humanos decorre da combinacao de 3 (tres) importantes fatores ao longo do processo de democratizacao na regiao:

    1) o crescente empoderamento do sistema interamericano de protecao dos direitos humanos e seu impacto transformador na regiao;

    2) a emergencia de Constituicoes latino-americanas que, na qualidade de marcos juridicos de transicoes democraticas e da institucionalizacao de direitos, apresentam clausulas de abertura constitucional, a propiciar maior dialogo e interacao entre o Direito interno e o Direito Internacional dos Diretos Humanos;

    3) o fortalecimento da sociedade civil na luta por direitos e por justica.

    E neste cenario que o sistema interamericano gradativamente se legitima como importante e eficaz instrumento para a protecao dos direitos humanos. Com a atuacao da sociedade civil, a partir de articuladas e competentes estrategias de litigancia, o sistema interamericano tem tido a forca catalizadora de promover avancos no regime de direitos humanos.

    Permitiu a desestabilizacao dos regimes ditatoriais; exigiu justica e o fim da impunidade nas transicoes democraticas; e agora demanda o fortalecimento das instituicoes democraticas com o necessario combate as violacoes de direitos humanos e protecao aos grupos mais vulneraveis.

    Dois periodos demarcam o contexto latino-americano: o periodo dos regimes ditatoriais; e o periodo da transicao politica aos regimes democraticos, marcado pelo fim das ditaduras militares na decada de 80, na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil.

    Em 1978, quando a Convencao Americana de Direitos Humanos entrou em vigor, muitos dos Estados da America Central e do Sul eram governados por ditaduras. Dos 11 Estados-partes da Convencao a epoca, menos que a metade tinha governos eleitos democraticamente, ao passo que hoje quase a totalidade dos Estados latino-americanos na regiao tem governos eleitos democraticamente (3). Diversamente do sistema regional europeu que teve como fonte inspiradora a triade indissociavel Estado de Direito, Democracia e Direitos Humanos, o sistema regional interamericano tem em sua origem o paradoxo de nascer em um ambiente acentuadamente autoritario, que nao permitia qualquer associacao direta e imediata entre Democracia, Estado de Direito e Direitos Humanos. Ademais, neste contexto, os direitos humanos eram tradicionalmente concebidos como uma agenda contra o Estado. Diversamente do sistema europeu, que surge como fruto do processo de integracao europeia e tem servido como relevante instrumento para fortalecer este processo de integracao, no caso interamericano havia tao somente um movimento ainda embrionario de integracao regional.

    Considerando a atuacao da Corte Interamericana, e possivel criar uma tipologia de casos baseada em decisoes concernentes a 6 (seis) diferentes categorias de violacao a direitos humanos:

    1) Violacoes que refletem o legado do regime autoritario ditatorial

    Esta categoria compreende a maioria significativa das decisoes da Corte Interamericana, que tem por objetivo prevenir arbitrariedades e controlar o excessivo uso da forca, impondo limites ao poder punitivo do Estado.

    A titulo de exemplo, destaca-se o leading case--Velasquez Rodriguez versus Honduras concernente a desaparecimento forcado. Em 1989 a Corte condenou o Estado de Honduras a pagar uma compensacao aos familiares da vitima, bem como ao dever de prevenir, investigar, processar, punir e reparar as violacoes cometidas (4).

    Adicionem-se ainda decisoes da Corte que condenaram Estados em face de precarias e crueis condicoes de detencao e da violacao a integridade fisica, psiquica e moral de pessoas detidas; ou em face da pratica de execucao sumaria e extrajudicial; ou tortura. Estas decisoes enfatizaram o dever do Estado de investigar, processar e punir os responsaveis pelas violacoes, bem como de efetuar o pagamento de indenizacoes.

    No plano consultivo, merecem mencao as opinioes a respeito da impossibilidade de adocao da pena de morte pelo Estado da Guatemala (5) e da impossibilidade de suspensao da garantia judicial de habeas corpus inclusive em situacoes de emergencia, de acordo com o artigo 27 da Convencao Americana (6).

    2) Violacoes que refletem questoes da justica de transicao (transitional justice)

    Nesta categoria de casos estao as decisoes relativas ao combate a impunidade, as leis de anistia e ao direito a verdade.

    No caso Barrios Altos (massacre que envolveu a execucao de 15 pessoas por agentes policiais), em virtude da promulgacao e aplicacao de leis de anistia (uma que concede anistia geral aos militares, policiais e civis, e outra que dispoe sobre a interpretacao e alcance da anistia), o Peru foi condenado a reabrir investigacoes judiciais sobre os fatos em questao, relativos ao "massacre de Barrios Altos", de forma a derrogar ou a tornar sem efeito as leis de anistia mencionadas. O Peru foi condenado, ainda, a reparacao integral e adequada dos danos materiais e morais sofridos pelos familiares das vitimas (7).

    Esta decisao apresentou um elevado impacto na anulacao de leis de anistia e na consolidacao do direito a verdade, pelo qual os familiares das vitimas e a sociedade como um todo devem ser informados das violacoes, realcando o dever do Estado de investigar, processar, punir e reparar violacoes aos direitos humanos.

    Concluiu a Corte que as leis de "auto-anistia" perpetuam a impunidade, propiciam uma injustica continuada, impedem as vitimas e aos seus familiares o acesso a justica e o direito de conhecer a verdade e de receber a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT