Estado Laico não é Estado Ateu': algumas reflexões sobre Religião, Estado e Educação a partir da 'lei da bíblia' em Florianópolis/SC

AutorAmurabi Oliveira
CargoDoutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas449-473
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p449
449449 – 473
“Estado Laico não é Estado Ateu”:
algumas ref‌lexões sobre Religião,
Estado e Educação a partir da “lei
da Bíblia” em Florianópolis/SC
Amurabi Oliveira1
Resumo
O presente trabalho visa a discutir a relação entre Estado e Religião no Brasil tomando como
f‌io condutor a discussão em torno da aprovação da Lei nº 9.374, de 11 de março de 2015, que
instituiu a obrigatoriedade da presença da bíblia nas escolas em Florianópolis/SC, a lei foi ela-
borada pelo vereador Jerônimo Alves (PRB), também conhecido como Bispo Jerônimo Alves.
Interessa-me aqui compreender a disputa em torno do conceito de laicidade, por meio da qual
determinados grupos passam a almejar a inclusão de suas demandas na agenda política, de tal
modo que, na minha compreensão, eles não buscam com as ações que articulam, que perpassam
projetos de leis como esse, mas também a institucionalização de novas datas comemorativas e a
construção de monumentos de caráter religioso, mas sim uma ampliação semântica do conceito
de laicidade, o que se coloca em meio a um processo de expansão pentecostal que ultrapassa
as cifras numéricas referentes àqueles que se autodeclaram como evangélicos, especialmente
evangélicos pentecostais.
Palavras-chave: Laicidade. Sociologia da Religião. Religião e Política. Religião e Educação.
Introdução
O debate sobre religião e laicidade apesar de ter passado por um longo
tempo relativamente despercebido no Brasil tem ganhado uma signicati-
va visibilidade nas últimas décadas, especialmente no período posterior ao
processo de redemocratização política a partir do nal dos anos de 1980 e
1 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Professor da Universidade Federal de
Santa Catarina, atuante em seu Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Pesquisador do CNPq.
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Florianópolis/SC | Amurabi Oliveira
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início da década de 1990, tomando contornos ainda mais singulares com a
expansão quantitativa dos evangélicos e sua crescente participação na esfera
pública, tanto que, se Pierucci e Mariano (2010, p. 281) armam que: “Des-
de os anos 1960, a sociologia da religião praticada no Brasil tem sido uma
sociologia da mudança religiosa e, sobretudo, uma sociologia do catolicismo
em declínio”. Penso eu que nos últimos anos ela tem sido, sobretudo, uma so-
ciologia da ascensão evangélica, o que tem sido acompanhado crescentemente
por uma discussão sobre a atuação desse grupo na construção de uma agenda
política no Brasil.
É certo que a questão sobre a laicidade se coloca como um tema em
destaque para a intelectualidade nacional desde o processo de constituição da
República, ao menos enquanto temática de primeira ordem; porém, por um
bom tempo compreendeu-se que essa seria uma questão se não já resolvida,
dada a separação formal entre Igreja e Estado, estaria em vias de se resolver
considerando o (esperado) crescente processo de secularização da sociedade,
de tal modo que esse processo legitimaria e consolidaria o primeiro. Para uma
melhor compreensão do problema, parto inicialmente da seguinte denição
de laicidade elaborada por Mariano (2011, p. 244):
[…] regulação política, jurídica e institucional das relações entre religião e política, igreja e
Estado em contextos pluralistas. Refere-se, histórica e normativamente, à emancipação do
Estado e do ensino público dos poderes eclesiásticos e de toda referência e legitimação reli-
giosa, à neutralidade confessional das instituições políticas e estatais, à autonomia dos po-
deres político e religioso, à neutralidade do Estado em matéria religiosa (ou a concessão de
tratamento estatal isonômico às diferentes agremiações religiosas), à tolerância religiosa e
às liberdades de consciência, de religião (incluindo a de escolher não ter religião) e de culto.
Todavia, devido aos limites da consolidação de um projeto de socieda-
de secularizada, que não chega a se concretizar plenamente nem mesmo nos
países centrais, tampouco naqueles considerados periféricos, a laicidade apa-
rece crescentemente como uma preocupação constante dos cientistas sociais,
emergindo com isso também a necessidade de rever o próprio conceito, por
mais que perdure na literatura sociológica o princípio secularista de que a
exclusão da religião da esfera pública constitui condição necessária para a de-
mocracia (MARIANO, 2011).

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