Laicidade ou ditadura do agnosticismo?

AutorLuiz Marcelo Cabral Tavares
CargoMestre em Direito Processual pela UERJ, Procurador do Estado de Minas Gerais, Advogado
Páginas463-496
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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LAICIDADE OU DITADURA DO AGNOSTICISMO?
Luiz Marcelo Cabral Tavares
Mestre em Direito Processual pela UERJ, Procurador do
Estado de Minas Gerais, Advogado.
RESUMO: O artigo tem por objetivo fomentar o debate acerca da observância das
garantias do processo, mormente em temas relevantemente controvertidos ora
representados por duas ações específicas. No contexto, o postulado do contraditório, como
manifestação do princípio político da participação democrática haveria de servir como
ferramenta de arrefecimento do desacordo moral em torno dos assuntos que foram objeto
de referidas ações e de legitimação, além de proporcionar adequada cognição pelo Estado-
Juiz. Enfim, reconhecendo-se a aridez do tema, o escopo é abrir um canal de diálogo, seja
no âmbito acadêmico, seja pelos operadores do Direito.
PALAVRAS-CHAVE: Laicidade razão pública devido processo contraditório.
ABSTRACT: This paper aims to improve the debate on compliance with the guarantees of
the lawsuit especially on controversial topics relevantly now represented by t wo specific
claims. In context, adversarial postulate as an expression of political principle of
democratic participation would serve as a tool cooling of moral disagreement around issues
that were the subject of such claims and legitimacy as well as a providing adequate
cognition by the Judge. Finally, recognizing the intricacy of the subject, the scope is to
open a gate of dialogue, whether in the academic, either by Law operators.
KEYWORDS: Secularism public reason due process adversarial principle.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
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1. INTRODUÇÃO
A ação civil pública 00119890-16.2012.4.03.6100
1
proposta pela Procuradoria
Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo e, pouco antes, nos idos de abril de 2012, a
arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 54
2
trataram de temas que
provocaram e ainda provocam questionamentos. Dentro da perspectiva acadêmica do
debate, é oportuno consignar que referidos questionamentos não vieram apenas de leigos,
tendo a perplexidade surgido, por exemplo, no próprio julgamento da ADPF mencionada,
com o voto divergente do Ministro Cezar Peluso, então Presidente do Supremo Tribunal
Federal:
“Uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao arrepio
da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico, abriria as portas
para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que sofrem ou viriam sofrer outras
doenças genéticas ou adquiridas que de algum modo levariam ao encurtamento de sua vida
intra ou extra-uterina”, disse.
Peluso comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou em
"extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o aborto de anencéfalo é
dar autorização judicial para se cometer um crime.
"Ao feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa
imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração ética
ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica que lhe vem da
incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma de discriminação em nada difere,
a meu ver, do racismo e do sexismo e do chamado especismo", disse Peluso.
"Todos esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade de
alguns, em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre outros, negros,
judeus, mulheres, e animais. No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação
avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte
1
Trata-se de demanda que ficou conhecida na mídia por tencionar retirar a expressão “Deus seja louvado
das notas de Real. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_direitos-
do-cidadao/12-11-12-2013-prdc-quer-excluir-expressao-201cdeus-seja-louvado201d-das-cedulas-de-reais.
Acesso em: 07 jan. 2013.
2
T rata-se da questão da interrupção da gravidez dos ch amados fetos anencéfalos. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954. Acesso em: 07 jan.
2013.
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a um incapaz de prescendir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa", completou o
presidente do STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o resultado do julgamento.
3
Ao longo do trabalho, ter-se-á oportunidade de exame mais detalhado acerca do
voto do Ministro Peluso, a intuir necessidade de maior reflexão sobre o tema. Imperioso
ressaltar que o substancial voto fora qualificado
4
de “muito bem elaborado” e “com
impressionante lógica”.
Quanto à ação civil pública citada, tinha ela por objeto
5
:
1. DO OBJETO DA AÇÃO
A presente ação tem por escopo a obtenção de condenação da UNIÃO e do
BACEN à obrigação de fazer consistente em promover a retirada da expressão “DEUS
SEJA LOUVADO” das cédulas de Real, a qual foi incluída em constrangimento à
liberdade religiosa e em violação aos princípios da laicidade do Estado brasileiro, da
legalidade, da igualdade e da não exclusão das minorias.
Ora, o Estado laico, sendo certo que a “laicidade do Estado é um processo”
6
, tem
como primeira consequência torná-lo:
imparcial em matéria de religião, seja nos conflitos ou nas alianças entre as organizações
religiosas, seja na atuação dos não crentes. O Estado laico respeita, então, todas as crenças
religiosas, desde que não atentem contra a ordem pública, assim como respeita a não
crença religiosa. Ele não apóia nem dificulta a difusão das idéias religiosas nem das idéias
contrárias à religião.
O segundo resultado da laicidade do Estado é que a moral coletiva, particularmente
a que é sancionada pelas leis, deixa de ter caráter sagrado, isto é, deixa de ser tutelada pela
religião, passando a ser definida no âmbito da soberania popular. Isso quer dizer que as
leis, inclusive as que têm implicações éticas ou morais, são elaboradas com a participação
3
A despeito dos perceptíveis erros de ortografia e gramática, o texto, por óbvio, foi reproduzido como
encontrado no original. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/supremo-decide-por-8-2-
que-aborto-de-feto-sem-cerebro-nao-e-crime.html. Acesso em: 08 jan. 2013.
4
As duas adjetivações que se seguir am foram veiculadas no conhecido periódico jurídico digital Migalhas.
Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI153536,21048-
STF+decide+que+nao+e+crime+interromper+a+gravidez+em+caso+de. Acesso em: 08 jan. 2013.
5
Disponível em: http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/sala-de-imprensa/pdfs-das-
noticias/ACP%20Deus%20seja%20louvado%2012-11-12.pdf. Acesso em: 12 jan. 2013.
6
Extraem-se noções de laicidade, por ora, do Observatório da Laicidade do Estado, que integra o Núcleo de
Estudos e Políticas Públicas em Direitos Humanos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.nepp-dh.ufrj.br/ole/conceituacao3.html.
Acesso em: 12 jan. 2013.

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