O laço social e o mal-estar face ao desamparo

AutorCristina Aparecida Tannure Cavalcanti - Maria Cristina Poli
CargoDoutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida - Doutora em Psicologia, Université de Paris XIII (Paris-Nord), Pós-Doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Páginas55-73
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n2p55
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
O LAÇO SOCIAL E O MAL-ESTAR FACE AO DESAMPARO
Cristina Aparecida Tannure Cavalcanti
1
Maria Cristina Poli
2
RESUMO
Neste artigo pretendeu-se abordar os discursos como laços sociais, indicados por
Lacan, relacionando-os às concepções freudianas do desamparo (Hilflosigkeit) e do
mal-estar da civilização. A teoria dos discursos inaugura uma nova forma de pensar
as estruturas clínicas e o vínculo social, por articular os campos da linguagem e do
gozo, o sujeito e o saber inconsciente. Essa teoria, ao mesmo tempo em que retoma
princípios freudianos, avança em impasses deixados pelo mestre vienense, em
particular na articulação entre os fundamentos metapsicológicos da constituição
subjetiva e as bases conceituais concernentes à cultura e aos laços sociais
propriamente ditos.
Palavras-chave: Psicanálise. Laços sociais. Desamparo. Discursos. Mal-estar.
INTRODUÇÃO
A proposta inicial é percorrer as concepções freudiana e lacaniana à respeito
do desamparo como uma figura contemporânea, que permeia constantemente as
relações entre os sujeitos, vinculado às mudanças sociais, históricas e políticas da
sociedade. Nossa história se faz a partir do outro, através de vários parceiros. Essa
dependência que temos do outro, que muitas vezes está fora do vínculo, do laço
social, promove uma reativação da oposição coletiva, que é nata, e coloca em foco
nosso desamparo, dando origem ao mal-estar. Como comenta Freud no texto de
1930, Mal-Estar na Civilização (ESB, v. XXI, p. 91):
A felicidade [...] constitui um problema da economia da libido do indivíduo.
Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de
1
Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida. Secretária
executiva na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
crisatcpsi@yahoo.com.br
2
Doutora em Psicologia, Université de Paris XIII (Paris-Nord), Pós-Doutorado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Mestrado Interdisciplinar em Psicanálise,
Saúde e Sociedade na Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisadora do
CNPq. E-mail: mccpoli@gmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.2, p.55-73, Jul-Dez. 2015
descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo (do
desamparo). Todos os tipos de diferentes fatores operarão a fim de dirigir
sua escolha. É uma questão de quanta satisfação real ele pode esperar
obter do mundo externo, de até onde é levado para tornar-se independente
dele, e, finalmente, de quanta força sente à sua disposição para alterar o
mundo, a fim de adaptá-lo a seus desejos.
O fato de o sujeito ser pulsional, ser animado por algo que não tem objeto nem
objetivo definido, o leva muitas vezes ao encontro do desamparo, que é estrutural.
Nossa biologia é o nosso desamparo. Atualmente, com o declínio da função paterna,
a perda do lugar simbólico da autoridade. A verticalidade foi sendo modificada
para a horizontalidade, comprometendo a figura que norteava a lei social, os limites.
As figuras que sustentavam o lugar da autoridade pai, padre, professor estão
sendo cada vez mais diluídas. Historicamente, a modalidade discursiva produziu um
impacto na questão da autoridade, deixando um vazio na tradicional bússola
orientadora que a mesma representava.
Neste artigo pretendemos abordar os discursos como laços sociais, elaborados
por Lacan (1969-1970), relacionando-os às concepções freudianas do desamparo
(Hilflosigkeit) e do mal-estar da civilização. A teoria dos discursos inaugura uma
nova forma de considerar a posição do sujeito no vínculo social, articulando os
campos da linguagem, do gozo e o saber inconsciente. Essa teoria, ao mesmo
tempo em que retoma princípios freudianos, avança em impasses deixados pelo
mestre vienense, em particular na articulação entre os fundamentos
metapsicológicos da constituição subjetiva e as bases conceituais concernentes à
cultura e aos laços sociais propriamente ditos.
Para a psicanálise após Lacan, os discursos como formas de tratamento do
mal-estar na cultura são uma noção fundamental. São eles que orientam o sujeito na
renúncia e possível recuperação do quantum de gozo que o habitar na cultura lhe
exige. A própria psicanálise é considerada neste contexto como um discurso, isto é,
como uma modalidade de laço social que opera com o significante e com a perda de
gozo, na relação do sujeito com o real.
Como observa Quinet (2009, p. 17) “O mal-estar na civilização é o mal-estar
dos laços sociais”, que se expressam através dos atos de governar e ser governado,
de educar e ser educado, analisar e ser analisado e no ato de fazer desejar e ser
desejado. Esses diferentes tempos do circuito pulsional, inscritos discursivamente
nas diversas modalidades de laço social, inscrevem em suas fórmulas igualmente o

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