Os labirintos da memória em Tristram Shandy e os procedimentos surrealistas

AutorAline Candido Trigo - Luciana Brito
CargoMestranda em Estudos Literários no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina - Diretora do Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Norte do Paraná e docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina
Páginas160-178
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n23p160
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 23, p. 160-178, 2015|
O LABIRINTO DAS MEMÓRIAS EM TRISTRAM SHANDY E
OS PROCEDIMENTOS SURREALISTAS
Aline Candido Trigo - UEL/CNPq
Luciana Brito - UENP/UEL/CNPq
RESUMO: A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne, é um romance de
ruptura que lançara artifícios narrativos a se firmarem como modernos, em diferentes artes. Diante
disso, o presente artigo propõe uma relação entre a escrita shandiana e os ideais do surrealismo, no
sentido do que demonstra André Breton acerca de serem artistas de períodos anteriores tão surrea-
listas quanto os fundadores do movimento. Seus ideais de totalidade do pensamento de modo a al-
cançar a escrita livre, a escrita automática, bem como o alcance de uma realidade absoluta, foram
difundidas por muitos países e ultrapassaram as barreiras da temporalidade, impondo-se até a con-
temporaneidade. Nesse sentido, analisa-se aqui, a partir de conceitos de Walter Benjamin, a resis-
tência dessa forma de utilizar-se da memória que caracteriza autores como Aragon e outros surrea-
listas, mas que teve forma inicial com o romance digressivo de Laurence Sterne.
PALAVRAS-CHAVE: Tristram Shandy. Surrealismo. Walter Benjamin.
THE LABYRINTH OF MEMORIES IN TRISTRAM SHANDY AND
THE SURREALIST PROCEDURES
ABSTRACT:
The life and opinions of Tristram Shandy, gentleman, by Laurence Sterne, is a rupture
novel that launched narrative devices that were to be consolidated as moderns, in distinct areas.
Therefore, the present work proposes a connection between shandyan writing and the ideals of surre-
alism, in ways shown by André Breton about artists of previous periods who were as much surrealists
as the movement founders. Their ideals of the totality of thought to achieve free writing, automatic
writing, as well as the reaching of an absolute reality, were spread to many countries and surpassed
barriers of temporality, projecting themselves into the contemporaneity. In this way, the present pa-
per, starting from concepts by Walter Benjamin, analyzes the resistance of this form of memory use
that characterizes authors such as Aragon and others surrealists, but that had its beginning with the
digressive novel by Laurence Sterne.
KEYWORDS: Tristram Shandy. Surrealism. Walter Benjamin.
Aline Candido Trigo é mestranda em Estudos Literários no Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Estadual de Londrina.
Luciana Brito é diretora do Centro de Letras, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Norte do
Paraná e docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina.
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n23p160
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 23, p. 160-178, 2015|
O LABIRINTO DAS MEMÓRIAS EM TRISTRAM SHANDY
E OS PROCEDIMENTOS SURREALISTAS
Aline Candido Trigo
Luciana Brito
True Shandeyism, think what you will against it, opens
the heart and lungs, and like all those affections which
partake of its nature, it forces the blood and other vital
fluids of the body to run freely through its channels,
makes the wheel of life run long and cheerfully round.
Laurence Sterne, Tristram Shandy
INTRODUÇÃO
Surgido no século XVIII em meio a transformações políticas e artísticas,
bem como religiosas, o romance A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram
Shandy1 (1760-1767), é abordado com frequência por estudiosos na con-
temporaneidade, ainda que, na maioria dos casos, através da crítica compa-
rada. Entretanto, as produções de seu criador, Laurence Sterne, ainda não
receberam o aprofundamento que permitem e, como apontado por Sontag:
“Sterne ainda figura como um gênio ultra-excêntrico e marginal (como
Blake), que se faz notar sobretudo por ter sido bizarra e prematuramente
'moderno'”.2 A partir dos estudos comparados, bem como através do ensaio
de Klein, é possível observar que com Tristram Shandy desencadeou-se uma
rede de intertextualidades, denominada de tradição shandiana.
Consonante a esse fenômeno das relações entre as prosas subsequentes a
Sterne, o crítico Sérgio Paulo Rouanet, em Riso e Melancolia,3 constrói a tese
de que as obras de Diderot, Xavier de Maistre, Almeida Garret e Machado de
1 STERNE, Laurence. A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy. Trad. José Paulo Paes.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Doravante referido como Tristram Shandy, o romance
foi originalmente publicado entre os anos 1760-1767, e no Brasil somente foi traduzido no
ano de 1984, por José Paulo Paes.
2 SONTAG, Susan. apud KLEIN, Kelvin Falcão. Performance e literatura mundial no Tristram
Shandy de Laurence Sterne. Letrônica, Porto Alegre, v. 6, n. 1, jan./jun., 2013, p. 341.
3 Cf. ROUAN ET, Sergio Paulo. Riso e melancolia. A forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier
de Maistre, Almeida Garret e Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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