A justiça transicional na experiência da corte interamericana de direitos humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais

AutorMauro de Azevedo Menezes
Páginas460-463

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Ver nota 1

A solidez de atributos e virtudes intelectuais constitui a marca da nossa admirável homenageada, professora Gabriela Neves Delgado. Com obstinada dedicação, deu início em sua terra natal a uma precoce trajetória de êxitos acadêmicos, coroados pela obtenção de doutoramento em Filosofia do Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com subsequente admissão por concurso público para a docência naquela instituição, o que lhe permitiu ali atuar como professora da graduação e da pós-graduação. Transferindo-se para Brasília, em 2009 logrou aprovação em certame para ocupar cadeira de professora de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário na Faculdade de Direito da Universi-dade de Brasília (UnB). Daí em diante, tem lecionado com brilhantismo, aliando seu talento pedagógico a uma singular vocação de pesquisadora. No grupo de pesquisa "Trabalho, Constituição e Cidadania", sedimentou um dinâmico polo de produção de conhecimento e reflexão crítica, além de nutrir intenso diálogo com instituições jurídicas e da socie-dade civil. Tais razões, potencializadas por uma volumosa produção bibliográfica de alta qualidade, conferem à professora Gabriela Neves Delgado um significativo papel no cenário atual do juslaboralismo brasileiro.

A proposição temática traduzida no título do presente artigo exprime desafiadora confluência entre dois eixos irrecusáveis à estruturação de um autêntico sistema regional de proteção dos direitos humanos em nosso continente. De um lado, a justiça transicional, como complexo de providências orientadas à reconstituição da paz e da dignidade em sociedades traumatizadas por graves, massivas ou sistemáticas violações a direitos humanos. Em outro plano, o irresistível clamor pela implementação de direitos de índole econômica, social e cultural, em uma região vilipendiada por brutais índices de desigualdade.

A pertinente vinculação desses assuntos aos paradigmas do Direito Internacional dos Direitos Humanos deve ser examinada de acordo com a delimitação metodológica desta monografia, ou seja, sob o acervo de experiências acumuladas na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Embora o exame dos precedentes essenciais às duas vertentes não permita a estipulação de uma correlação direta entre justiça transicional e direitos econômicos, sociais e culturais, o estudo do processo de construção desses pilares da justiça interamericana em direitos humanos nos conduz a reflexões frutíferas e promissoras.

Iniciando nossas considerações pelo cenário da justiça transicional no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cumpre identificar o conceito segundo o qual seus elementos cruciais implicam nos seguintes objetivos: 1) levar a juízo os autores das violações a direitos humanos em causa; 2) revelar a verdade acerca dos crimes praticados; 3) estipular as bases para um compromisso de não repetição; 4) pro-mover a reforma das instituições responsáveis pelos abusos cometidos; 5) criar as condições necessárias à reconciliação; 6) assegurar que as vítimas venham a ser apropriadamente reparadas.

Com efeito, a restauração da dignidade das vítimas dos regimes de opressão e das circunstâncias de exceção institucional depende do resgate de uma certa crença de que a instituição estatal pode deixar de ser agente de injustiças e barbaridades e passar a recuperar a sua função de garantir direitos e zelar pela democracia e pela normalidade do Estado de Direito. Daí a essencialidade dos pedidos formais de desculpas e da revisão da historiografia oficial, mediante

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apurações idôneas e abertas à participação ativa da sociedade. Os primeiros passos, portanto, cuidam de restaurar a noção de que sucederam desvios, abusos e horrores que devem ser esclarecidos, reconhecidos e purgados. Assim, opera-se a fixação dos alicerces para a efetiva e sólida superação do ambiente político-institucional que deu amparo a tais severas transgressões de direitos fundamentais.

Nesse panorama, a jurisprudência da Corte IDH vem sendo orientada de maneira firme no sentido de rejeitar a impunidade em relação aos crimes perpetrados por agentes estatais em regimes de exceção ou governos tolerantes com graves violações de direitos humanos. As diversas leis de auto--anistia editadas na região, apreciadas em precedentes sucessivos, foram tidas como incompatíveis com o pleno direito à justiça que deve assistir às vítimas e à sociedade. A sentença do caso Barrios Altos vs. Peru, proferida em 2001, inaugurou essa tendência, ao considerar lesivas aos direitos humanos as leis dessa natureza editadas durante o governo do ex-presidente peruano Alberto Fujimori. Desde então, ficou patente que a Corte não aceita o perdão autoconcedido a agentes estatais que hajam violado gravemente os direitos humanos...

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