A justiça restaurativa e os conflitos oriundos da violência conjugal

AutorFabiana Kist
Ocupação do AutorAdvogada atuante. Professora em Direito Penal
Páginas137-159
O valor da vontade da vítima de violência conjugal para a punição do agressor 137
6 A justiça restaurativa e os conflitos
oriundos da violência conjugal
6.1 Questões de delimitação
Dedicaremos atenção nesta última etapa da investigação
à justiça restaurativa como possível mecanismo de solução dos
con itos nascidos da violência conjugal. Desde já, impõem-se
alguns esclarecimentos a título de delimitação temática.
A primeira questão a ser respondida é sobre a admissibilida de
ou não, em termos genéricos, de uso das práticas restaurativas
no âmbito do enfrentamento da violência conjugal. Essa pesqui-
sa tem por objeto  agrar alguma característica ou peculiaridade
nessa violência que determine uma de três possibilidades: a) a
total inadequação da justiça restaurativa para seu enfrentamento;
b) pelo contrário, torne este método de solução de litígios espe-
cialmente ajustado para o efeito; ou, c) é caso de permitir o uso
de programas restaurativos, mas de forma limitada e condicio-
nada. Até aí, trata-se de questionamento genérico e, portanto,
descolado da legislação vigente em determinado local; mas, para
concluir o tópico, faremos referência ao status legislativo sobre
a matéria que se faz vigente em Portugal e no Brasil.
Pressupondo admitir-se o uso de programas restaurativos
para casos de violência conjugal, põe-se uma segunda ordem de
problemas, ligada ao relacionamento entre a justiça restaurativa
e a justiça penal estatal. Como já esclarecido, aquela se conceitua
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como mecanismo de diversão processual211, com a pretensão
de solucionar conitos de origem criminal fora do âmbito es-
tatal. Mas, não pode fazê-lo de forma exclusiva (com o sentido
de monopólio) - nem assim pretendem seus defensores -, de
modo que sempre haverá a possibilidade de o mesmo conito
ser objeto da atuação estatal penal e de programa restaurativo;
para quando isso ocorrer, inevitável que se cogite de recíprocas
interferências - o resultado restaurativo no processo penal, e o
processo penal na prática restaurativa -, positivas ou negativas;
e nesse contexto tem relevo o momento em que a prática é
realizada. E, ligada a isso, mas em perspectiva ampliada, põe-se a
questão de um possível relacionamento formal da justiça restau-
rativa com o sistema legal criminal, ou seja, a prática restaurativa
como integrante do processo penal, realizada “dentro” dele.
Um terceiro bloco de questões refere-se aos potenciais
riscos que práticas restaurativas podem gerar para a vítima, en-
sejando uma possível revitimização; admitindo-o, indicaremos
algumas diretriz que entendemos devam ser observadas, em
especial para o efeito de excluir determinados casos da solução
restaurativa. É a abordagem que faremos na sequência, seguindo
a ordem de enunciação das questões.
6.2 (In)compatibilidade entre violência conjugal e justiça restaurativa
É de MYLÈNE JACOOUD a observação de que “um dos
debates mais vibrantes sobre vítimas e a justiça restaurativa diz
respeito à aplicação das práticas restauradoras nos casos de crimes
211 Sem adentrar nas especicidades do conceito, usamos o termo diversão com o
sentido que lhe dá José Faria da Costa: forma de solução de conito jurídico-penal
fora do processo normal desenvolvido pela justiça penal; identica-se, portanto,
com a “desjudiciarização”. (COSTA, José Faria, “Diversão (desjudiciarização)
Imediação: Que rumos?”. Coimbra, FDUC, (Separata do Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, vol. 61, 1986).
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