A Justiça Militar, as instituições militares, os militares e a promoção dos direitos humanos
Autor | Ronaldo João Roth |
Ocupação do Autor | Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de São Paulo, Especialista em Processo Penal na UniFIG, Coordenador do Curso de Pós-Graduação de Direito Militar na EPD e membro da Academia Mineira de Direito Militar |
Páginas | 279-314 |
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A Justiça Militar, as Instituições
Militares, os Militares e a Promoção
dos Direitos Humanos
ronAldo joão roTh
Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de São Paulo,
Especialista em Processo Penal na UniFIG, Coordenador
do Curso de Pós-Graduação de Direito Militar na EPD e membro
da Academia Mineira de Direito Militar.
O problema fundamental em relação aos
direitos do homem hoje não é tanto o de
justicá-los, mas o de protegê-los.
Norberto Bobbio, “A Era dos Direitos”
SUmáRIO: Introdução; 1. A Existência da Justiça Militar. 2. Inde-
pendência da Justiça Militar. 3. A Justiça Militar como Juízo dos
crimes militares. 4. Importância da Justiça Militar. 5 Dos jurisdi-
cionados da Justiça Militar. 5.1. Das Forças Armadas. 5.2. Das For-
ças estaduais militares; 5.3. Da Execução Penal; 5.4. Do Presídio
Militar “Romão Gomes” (PMRG); Conclusão; Referências.
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estudos e debates em direitos humanos
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Introdução
A Justiça Militar é um órgão especializado do Poder Judiciário no Brasil,
e já completou o bicentenário de existência, desde sua criação e ocialização
em nosso território, em 1808, quando da vinda da Família Real ao Brasil, pro-
tegida pelas forças de mar e de terra, ou seja, com a Marinha e o Exército.
A Justiça Militar no Brasil constituiu-se em marco histórico e impor-
tante no desenvolvimento de nossas instituições, pois esse foi o primeiro órgão
do Poder Judiciário em território brasileiro, evidenciando que suas raízes têm
signicativo marco para a política dos direitos humanos.
Nessa linha, importante a lição de CINTHIA ROBERT e ELIDA SÉ-
GUIN, ao dizer que: “O panorama encontrado no Brasil de 1500 a 1808 é bas-
tante diversicado, sendo certo que a chegada da Família Real ao Brasil é de
grande relevância para o início do processo de construção da base histórica
brasileira dos Direitos Humanos”478.
Esse registro histórico representa, portanto, a armação de que a Justiça
Militar no Brasil é o órgão do Poder Judiciário mais antigo que temos, cuja
existência está contemplada na história constitucional e política de nosso país.
Assim, falar da Justiça Militar é falar do Poder Judiciário, é dizer de um
dos poderes da República, ou seja, é dizer da garantia institucional dos direitos
humanos, que se consubstancia na separação dos poderes.
Inegável a importância da Justiça Militar como a primogênita instituição
do Poder Judiciário. Nesse sentido, nas palavras de FABIO KONDER COM-
PARATO: “Os revolucionários franceses de 1789 armaram, solenemente, que
as instituições da sociedade assim constituída tinham por nalidade precípua
garantir a livre fruição dos direitos humanos”479.
E a criação e ocialização da Justiça Militar em nosso país não teve na-
lidade distinta senão a de garantir a fruição dos direitos humanos!
Nesse sentido, de se notar que o documento símbolo para as democracias
do mundo contemporâneo e aprovado em 26 de agosto de 1789 pela Assembleia
Constituinte francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, deixa
478 ROBERT, Cinthia; SÉGUIN, Elida. “Direitos Humanos. Acesso à Justiça – Um olhar da De-
fensoria Pública”, Forense, Rio de Janeiro, 2000. p. 201.
479 COMPARATO, Fábio Konder. O papel do Juiz na efetivação dos direitos humanos. In Direitos
Humanos – visões contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia, 2001. p. 15-29.
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a justiça militar, as instituições militares, os militares e a promoção dos direitos humanos
clara e imprescindível a separação dos poderes, consignando: “Toda sociedade
na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes
determinada, não tem constituição” (art. XVI).
Dessa forma, contemplando a tripartição do poder, a nossa primeira
Constituição republicana de 24/02/1891, tal como concebido nos textos clássi-
cos de Locke e de Montesquieu, estabeleceu um Poder Judiciário independente,
expressando na Declaração de Direitos a Justiça Militar como foro especial
para os militares de mar e de terra, no que diz respeito aos delitos militares.
Verica-se, portanto, que a Justiça Militar tem sua existência marcada,
de longeva, pela sua independência como instituição secular em nosso país e
estampada na nossa história constitucional, valendo registrar as palavras de
FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH, de que a Justiça Militar “so-
breviveu ao Império e atravessou a República. Sua história é inseparável da
memória histórica, política e jurídica do Brasil. Sua importância corresponde,
em proporção idêntica, ao relevo da presença das Forças Armadas na forma-
ção histórica da Nação”480.
A importância da Justiça Militar em consonância com os pressupostos
dos direitos humanos é patente, pois ela integra o Poder Judiciário, de forma que,
no âmbito da União, lhe cabe, como competência constitucional, cuidar dos cri-
mes militares praticados pelos integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exér-
cito e Aeronáutica) e pelos civis, enquanto no âmbito dos Estados-Membros
a Justiça Militar cuida, por força da Lei Maior, dos crimes militares praticados
pelos militares estaduais.
No mundo, a Justiça Militar brasileira é exemplo, pois, como arma
MARCOS AUGUSTO LEAL DE AZEVEDO, “até alguns anos, o Brasil era o
único, dos 192 países da Organização das Nações Unidas, a ter justiça militar
dentro do Poder Judiciário. Os demais funcionam como Cortes Marciais”481.
Por outro lado, as instituições militares no Brasil têm papel fundamental
no nosso sistema político e jurídico, pois a Lei Maior contempla aos militares
480 BIERREMBACH, Flávio Flores da Cunha. A Justiça Militar e o Estado de Direito Democrá-
tico. In: Direito Militar – Doutrina e Aplicações. Coord. por Dirceo Torrecillas Ramos; Ronaldo
João Roth; Ilton Garcia da Costa. Rio de Janeiro: Elsevier 2011. pp. 357-361.
481 LEAL DE AZEVEDO, Marcos Augusto. A Cadeia de Comando e como ela interage com a
Justiça Militar do Brasil. In: Coletânea de Estudos Jurídicos, Superior Tribunal Militar – Bicente-
nário da Justiça Militar no Brasil. Coordenada por Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocah e
Zilah Maria Callado Fadul Petersen, Brasília, 2008. p. 83.
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