A justiça enquanto decorrência da substituição: a ética emanada da responsabilidade na configuração da justiça resplandecente no amor ágape

AutorRafael Soares Duarte de Moura
Páginas165-282
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Muito se esboçou, até as presentes linhas, sobre a dimensão da
alteridade, por meio das construções do Eu, do outro, da impostação, do
relacionamento pautado pela intriga ética, pela substituição e
responsabilidade, tecidas por Emmanuel Lévinas. Cumprem-se, nestas
linhas vindouras, última parte destes escritos, desenvolver algumas
considerações referentes à configuração da justiça no relacionamento entre
os Eus presentes na sociedade. Tratar-se-ão de apontamentos
desenvolvidos ainda pela ótica do pensamento levinasiano, de forma que,
não obstante seja uma concepção sob seu prisma de pensamento
fenomenológico, reconhece-se que, em muito, pode ser enriquecida sua
visão de justiça pelas correntes filosóficas e jusfilosóficas que se dedicam a
esta tarefa.
Cabe, inicialmente, ressaltar que a dinâmica da configuração da justiça
se apresenta no pensamento levinasiano com a entrada do terceiro no
relacionamento entre o Eu e o outro.
Os terceiros não estão puramente ausentes do face-a-face, eles me olham no olhar de outrem, mas não
como outrem de fato, eles me olham sem me olhar, sem a retidão insustentável que é aquela do
rosto. [...] Com efeito, a multiplicidade dos homens, o além de dois, os terceiros, são logo obrigados a
pensar o que lhes é comum, o que faz sua comunidade, o que deles apela a uma justiça. (Bensussan,
2009, p. 75, grifo nosso).
Dessa forma, “a justiça figura como (a) uma exigência por parte da
outra pessoa que representa uma tradição ‘espiritual’ da lei; (b) um
julgamento que a responsabilidade permite ao eu fazer em um ‘surgimento’
ou ‘nascimento’ da consciência e (c) o julgamento de um terceiro sobre o
relacionamento face a face” (Hutchens, 2007, p. 139).
A presença do terceiro, de fato, suscita um posicionamento do Eu
configurado como uma resistência ao outro, quando este e suas atitudes
injustas alcançam o terceiro.[1]
O Outro não se opõe a mim como uma outra liberdade, mas semelhante à minha e, por
conseguinte, hostil à minha. Outrem não é outra liberdade tão arbitrária como a minha, sem o
que franquearia de imediato o infinito que me separa dela para entrar sob o mesmo conceito. A
sua alteridade manifesta-se num domínio que não conquista, mas ensina. O ensino não é uma espécie
de um género chamado dominação, uma hegemonia que se joga no seio de uma totalidade, mas
a presença do infinito que faz saltar o círculo fechado da totalidade. (Lévinas, 2008a, p. 165, grifo
nosso).
A dimensão do relacionamento estabelecido pela intriga ética proposta
é efetivamente social. Quando se fala em dimensão social,[2] tem-se que o
aspecto do relacionamento pautado pela ética[3] se faz necessário, quando se
pretende a materialização de relações configuradas pelo senso de justiça, na
equidade, “essa melhor das justiças, segundo Aristóteles, porque é a que
propicia a acomodação do fato com suas arestas e detalhes na adversidade e
na diversidade à base rígida da norma feita para durar no tempo, no espaço
e na contingência” (Lopes, 2012a, p. 5).
A justiça é, ao mesmo tempo, garantidora e fruto de relacionamentos
humanos pautados pelo senso da ética no agir. “É necessário assegurar que
homem, desinteressado e dedicado ao outro como e santidade, possa ver
viabilizada sua vida virtuosa em consonância com a universalidade da lei”
(Ribeiro Júnior, 2008, p. 91). A justiça apresenta, igualmente, acepções que
se enriquecem em uma complementaridade visível, pois “ao lado dessa
acepção originária em que a justiça é superação do ser e sinônimo de
generosidade, gratuidade e perdão também uma segunda que,
aparentemente, parece contradizer a primeira; a justiça como medida, peso,
equilíbrio, troca e igualdade; e como o conjunto das normas, das
instituições e das leis que determinam a equidade dessa troca e a
restabelecem quando é violada” (Di Sante, 2005a, p. 77-78).
A lei figura como elemento garantidor, possibilitador social, de que os
relacionamentos pautados pela virtude e pelo Bem possam existir e se
desenvolver sem serem obstruídos por comportamentos de violência para
com essas relações estabelecidas.
A lei não pode ser vista como um elemento acabado, confundida com a
justiça, mas deve ser reflexo e promotora primeira desta. Os órgãos que
implementam, por meio da estrutura de um Estado, a produção legislativa
e a sua aplicação, estão, de fato, em contínuo aprimoramento estrutural e
valorativo, ou, pelo menos, deveriam estar, justamente visando
proporcionar, mediante as competências que lhe são conferidas pela
Constituição, a criação de leis que norteiam as decisões judiciais e os atos
da vida civil, como um todo, do senso de justiça, sempre buscado pelo
humano em sua trajetória existencial.
3.1 O terceiro como espelho da sociedade: a vulnerabilidade exigente
da concretização da justiça pelas instituições sociais.
A conduta ética deve ser compreendida sob a ótica da configuração do
diferente presente no rosto do outro. O ser ético está imbricado no ato de
responder, que implica responsabilidade em relação ao que a demanda no
relacionamento face a face. Alguma resposta tem que ser dada
necessariamente, incluindo-se nesta o silêncio ou o ato injusto que se
configura como uma resposta desprovida da responsabilidade ética.
Não há tempo para se conjecturar hipóteses e consequências do
responder, fato esse que poderia desvirtuar a eticidade da resposta em
condicionamentos pautados pelo interesse egoístico que inobserve a
necessidade de um posicionamento premente e que exige uma imediata
réplica.
Antes mesmo de constituir uma filosofia da alteridade, a ética levinasiana implica, pois, um
pensamento da subjetividade em sua estrutura respondente. [...] A subjetividade, trazida pelo outro
que transpassa seu mesmo, é estruturada como tendo-que-responder. [...] O estar na obrigação
de responder, imemorial, vem de muito longe, bem antes das questões que eu possa me colocar
sobre as razões pelas quais eu respondi ou eu não respondi. E, frequentemente, enquanto estou a
pesar os prós e os contras, é já muito tarde, o tempo da resposta passou, o tempo do pensamento e da
pesagem veio aboli-lo. (Bensussan, 2009, p. 25, grifo nosso).
Se à ética se associa à necessidade da responsabilidade para com o
outro, a moral será a articuladora do relacionamento entre o Eu e o
terceiro, tendo em consideração a reciprocidade desse relacionamento.
No sentido em que Ricoeur utiliza a distinção entre a ética (bem-viver) e a moral (dever).
Analogamente, a ética diria respeito à necessidade da responsabilidade pelo rosto, e a moral
diria respeito à normatização dessa responsabilidade quando a relação com o próximo do meu
próximo institui a reciprocidade nas relações e, conseqüentemente, a necessidade de articular
ética e política. (Ribeiro Júnior, 2008, p. 91-92).
Tem-se que ter em destaque que a dinâmica interativa entre o Eu e o
outro não se apresenta da mesma forma e a necessidade da configuração da
justiça, por meio das instituições dispostas e construídas pela sociedade,
representa um clamor por resposta imediata.[4] Dessa forma, o alinhamento
entre a política, a atividade legislativa, a judicial e a executiva com a ética
proporcionará uma visível implementação da pacificação social, por meio da
regulamentação pragmática de leis que sejam “letras vivas” e se aproximem
do senso do justo. “A política tende ao reconhecimento recíproco, isto é, à
igualdade; assegura a felicidade. E a lei política completa e consagra a luta
pelo reconhecimento” (Lévinas, 2008a, p. 52).

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