Justiça Desportiva e Justiça Desportiva Antidopagem

AutorMariana Rosignoli/Sérgio Santos Rodrigues
Ocupação do AutorAdvogada e sócia do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados / Advogado e sócio do Santos Rodrigues Santiago Tonello Advogados
Páginas30-58

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1. Introdução

Justiça Desportiva é o sistema administrativo que aplica as regras desportivas relativas à disciplina e às competições

A desportivas. Embora seja chamada de Justiça, não tem relação com o poder judiciário; está ligada sempre a um órgão de administração do desporto. Assim, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça de Desportiva de Futebol é vinculado e mantido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mantendo, contudo, sua autonomia. Tanto que cabe ao mesmo, se necessário for, julgar dirigentes da CBF.

Também não se confunde a Justiça Desportiva com os Tribunais Arbitrais, por várias razões. Uma delas é que, nestes, os árbitros — julgadores — são escolhidos pelas partes dentro de uma lista prévia; naquela os julgadores, chamados Auditores, têm mandato e são escolhidos na forma prevista na norma correspondente.

A doutrina jusdesportiva de Paulo Marcos Schmitt define a Justiça Desportiva como:

(...) o conjunto de instâncias desportivas autônomas e independentes, considerados órgãos judicantes, que funcionam junto a entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e julgamento de infrações disciplinares em rito sumário ou procedimentos especiais definidos em códigos desportivos.28

Está prevista no art. 217 da Constituição da República, no Capítulo VII da Lei Pelé e nos arts. 40 e seguintes do Decreto n. 7.984. O dispositivo constitucional assim preceitua:

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva e o Processo Desportivo29 são regulados pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Submetem-se ao CBJD as entidades nacionais e regionais de administração do desporto; as ligas nacionais e regionais; as entidades de prática desportiva (filiadas ou não às entidades de administração); os atletas, profissionais e não profissionais; os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem; as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em entidades (dirigentes, administradores, treinadores, médicos, membros de comissão técnica e outros); todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto e as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.

Quanto à competência, como já explicado, a Justiça Desportiva só admite ações referentes à competição (prova desportiva, concorrência) e de disciplina desportiva (processo e julgamento de infrações disciplinares definidas em códigos desportivos). Em relação ao tema, Heraldo Luis Panhoca leciona:

Sobre a abrangência e a competência da justiça desportiva, a legislação vigente restringe, por determinação constitucional, ao universo da competição desportiva e da disciplina, eliminado por completo qualquer

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outra ingerência, mesmo que relativa ao desporto. Assim, as relações de trabalho entre atletas e clubes, as relações societárias entre entidades, os litígios entre clubes e entidades de administração, etc., deixaram de ser apreciados pela justiça desportiva, passando de imediato à justiça comum.30

2. Princípios que norteiam a Justiça Desportiva

Como destacado, os princípios constituem norma fundamental e geral de um sistema e podem ser utilizados no caso de omissão do legislador. O CBJD especifica os princípios de referência desta justiça especializada, que já são conhecidos no Processo Civil, Direito Constitucional e Administrativo, cuja observação é essencial no âmbito desportivo.

2.1. Ampla defesa

A Constituição Federal consagrou no art. 5º, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Tal princípio garante a qualquer jurisdicionado o direito de defesa da forma mais ampla possível.

Em acordo com este princípio basilar insculpido na Carta Magna, o CBJD também o previu no âmbito desportivo — art. 2º, inciso I — garantindo às partes submetidas ao processo disciplinar o mesmo direito fundamental constitucional.

2.2. Celeridade

A celeridade é de extrema importância para a Justiça Desportiva, pois as competições são rápidas, em regra, e os julgamentos precisam terminar antes destas, sob pena de seus efeitos serem inócuos.

Esse princípio é refletido em alguns artigos do CBJD, tais como: o que prevê que o pedido de vista não impede que o julgamento seja feito na mesma sessão (art. 128, § 1º); prazos exíguos, em regra de 3 (três) dias (art. 138); produção de efeitos da decisão independentemente de publicação (art. 133), entre outros.

2.3. Contraditório

O art. 5º, LV, da Constituição Federal prevê o Princípio do Contraditório, presente também na Lei Pelé e considerado basilar para a garantia de um julgamento justo. Vicente Greco Filho assim sintetiza o princípio:

O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável.31

2.4. Economia processual

Serão colocados em prática o máximo de atos possíveis que simplifiquem e barateiem o processo, como por exemplo: convocação para os julgamentos por edital afixado no Tribunal e publicado na internet, sem necessidade de publicação impressa com circulação (art. 47 do CBJD).

Ainda, os votos proferidos em sessão de julgamento em regra são orais, só havendo necessidade de lavrar acórdão se as partes envolvidas assim requererem (art. 39 do CBJD).

2.5. Impessoalidade

Alexandre de Moraes32 explica que “o princípio da impessoalidade encontra-se, por vezes, no mesmo campo de incidência dos princípios da igualdade e da legalidade, e não raramente é chamado de princípio da finalidade administrativa”.

Adaptando estes ensinamentos à Justiça Desportiva, determina o CBJD que os atos só sejam praticados para o seu fim, independentemente dos envolvidos.

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2.6. Independência

Já dizia Rui Barbosa que “não há tribunais que bastem para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”.33 Esta assertiva, além de grande ensinamento, tem grande valia na Justiça Desportiva que inevitavelmente mexe com a paixão dos envolvidos pelo esporte.

É comum que procuradores e auditores estejam envolvidos em processos com clubes para os quais torcem ou são até conselheiros, valendo lembrar que, nos termos do § 5º do art. 18 do CBJD, não há impedimento para atuação de auditor caso esta situação se verifique: “O impedimento a que se refere este artigo não se aplica na hipótese de o auditor ser associado ou conselheiro de entidade de prática desportiva”.

2.7. Legalidade

Elencado no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, por esse princípio fica estabelecido que somente a lei pode criar obrigações ao indivíduo. Assim, o CBJD em consonância com os parâmetros constitucionais, dispôs no seu art. 2º, inciso VII, a orientação processual de que, para haver imposição de medida disciplinar a um denunciado, esta já deve estar prevista no CBJD quando do cometimento da infração disciplinar.

2.8. Moralidade

O...

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