Justiça e desonestidade acadêmica: um estudo com estudantes do curso de ciências contábeis

AutorDébora Santos - Bruna Camargos Avelino - Jacqueline Veneroso Alves da Cunha - Romualdo Douglas Colauto
CargoMestre em Controladoria e Contabilidade (UFMG), Belo Horizonte/MG, Brasil - Doutora em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (USP) - Doutora em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração, - Doutor em Engenharia de Produção (UFSC)
Páginas71-86
71
Artigo
Original
Artigo
Original
Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 17, n. 44, p. 71-86, jul./set., 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DOI : https://doi.org/10.5007/2175-8069.2020v17n44p71
Justiça e desonestidade acadêmica: um estudo com
estudantes do curso de ciências contábeis
Academic justice and dishonesty: a study with students of the accounting sciences course
Justicia y deshonestidad académica: un estudio con estudiantes de ciencias contables
Débora Santos
Mestre em Controladoria e Contabilidade (UFMG),
Belo Horizonte/MG, Brasil
deborabkp@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9491-1507
Jacqueline Veneroso Alves da Cunha
Doutora em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade
de Economia, Administração,
Contabilidade e Atuária (USP)
Professora Associada do Departamento de Ciências
Contábeis (UFMG), Belo Horizonte/MG, Brasil
jvac@face.ufmg.br
https://orcid.org/0000-0003-2522-3035
Bruna Camargos Avelino*
Doutora em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de
Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (USP)
Professora Adjunta do Departamento de Ciências Contábeis (UFMG),
Belo Horizonte/MG, Brasil
bcavelino@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-8958-8725
Romualdo Douglas Colauto
Doutor em Engenharia de Produção (UFSC)
Professor Associado do Departamento de Ciências Contábeis (UFPR),
Curitiba/PR, Brasil
rdcolauto.ufpr@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-3589-9389
Endereço do contato principal para correspondência*
Av. Pres. Antônio Carlos, 6627, Pampulha, CEP: 31270-901 - Belo Horizonte/MG, Brasil
RESUMO
O propósito deste estudo foi analisar a relação entre a percepção de justiça no ambiente acadêmico e a
desonestidade acadêmica de estudantes de graduação em Ciências Contábeis. A classroom justice, ou justiça
acadêmica, refere-se à avaliação justa dos resultados e processos no ambiente acadêmico. É comumente
segregada em três dimensões: distributiva, processual e interacional. A amostra da pesquisa foi composta
por 451 graduandos de Ciências Contábeis e os achados mostram que as três dimensões de justiça
acadêmica possuem significância estatística, exercendo influência sobre a desonestidade acadêmica.
Quando os discentes percebem injustiça distributiva, processual e interacional, tendem, em média, a praticar
atitudes desonestas. Os resultados sugerem que a desonestidade acadêmica pode ser uma maneira de os
discentes compensarem a injustiça percebida no ambiente educacional. Dessa forma, na presença de
injustiça, a desonestidade tende a ser manifestada, podendo ser uma forma de o aluno atenuar a injustiça
distributiva, processual e interacional.
Palavras-chave: Desonestidade Acadêmica; Justiça Acadêmica; Ciências Contábeis
ABSTRACT
The main purpose of this study was to analyze the relation between the perception of justice in the academic
environment and aspects related to the academic dishonesty of Accounting undergraduate students. The study
sample consisted of 451 respondents by the survey method. The research findings show that the three
dimensions of academic justice presented statistically significance, influencing academic dishonesty. When
students perceive distributive, procedural, and interactional injustice, they tend, in average, to practice
dishonest attitudes. The results suggest that the practice of academic dishonesty may be a way that students
use to compensate the injustice perceived in the educational environment. Therefore, in the presence of
injustice, dishonesty tends to be manifested. In other words, dishonesty can be the "student's justice" to
alleviate distributional, procedural, and interactional injustice.
Keywords: Academic Dishonesty; Academic Justice; Accounting
Justiça e desonestidade acadêmica: um estudo com estudantes do curso de ciências contábeis
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Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 17, n. 44, p. 71-86, jul./set., 2020.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DOI : https://doi.org/10.5007/2175-8069.2020v17n44p71
RESUMEN
El propósito de este estudio fue analizar la relación entre la percepción de justicia en el entorno académico y
la falta de honradez académica de los estudiantes de Contabilidad. La justicia académica se refiere a la
evaluación justa de los resultados y procesos en el entorno académico. Comúnmente se segrega en tres
dimensiones: distributiva, procesal e interactiva. La muestra de esta investigación consistió en 451 estudiantes
de Contabilidad y los resultados muestran que las tres dimensiones de la justicia académica tienen
significación estadística y ejercen influencia en la deshonestidad académica. Cuando los estudiantes perciben
una injusticia distributiva, procesal e interactiva, tienden a practicar actitudes deshonestas en promedio. Los
resultados sugieren que la deshonestidad académica puede ser una forma de que los estudiantes compensen
la injusticia percibida en el entorno educativo. Por lo tanto, en presencia de injusticia, la deshonestidad tiende
a manifestarse y puede ser una forma para que el estudiante mitigue la injusticia distributiva, procesal e
interactiva.
Palabras clave: Deshonestidad Académica; Justicia Académica; Ciencias Contables
1 Introdução
A justiça tem suas raízes na filosofia, na ciência política e na religião (KONOVSKY, 2000). É
considerada um constructo que apresenta uma subjetividade por trás de seu conceito, em função de os
indivíduos apresentarem percepções divergentes acerca de seu significado (CROPANZANO; GREENBERG,
1997). Chory-Assad e Paulsel (2004b) mencionam que para determinar o que é justo, as pessoas utilizam
regras que podem variar entre elas e entre as situações vivenciadas. Apesar de seu caráter subjetivo, a noção
de justiça é importante tanto na vida social quanto na acadêmica (SABBAGH; SCHMITT, 2016).
A experiência do indivíduo de ser tratado de forma justa e respeitosa contribui para a percepção de
pertencer a um grupo e de ser valioso para ele, além de reforçar as obrigações pessoais de se comportar
conforme as regras estabelecidas pelo grupo no qual está inserido (BERTI; MOLINARI; SPELTINI, 2010). No
ambiente organizacional, essa experiência pode gerar benefícios quando a percepção do tratamento for
considerada justa e pode gerar problemas quando a percepção for injusta (CROPANZANO; GREENBERG,
1997). A justiça refere-se às avaliações individuais que os funcionários fazem sobre a adequação de um
determinado resultado ou processo (CROPANZANO; GREENBERG, 1997).
A investigação sobre justiça foi estendida para o contexto educacional, tendo como pilar a teoria da
justiça organizacional (CHORY-ASSAD, 2002; CHORY-ASSAD; PAULSEL, 2004b). Essa extensão ao
ambiente educacional tem a possibilidade de fornecer uma visão aprofundada da interação aluno-professor,
do aprendizado do discente e de outras variáveis, tais como: agressão ao professor, motivação, confiança no
corpo docente (SIMIL, 2016); desempenho acadêmico (COSTA, 2017) e desonestidade acadêmica (KURA;
SHAMSUDIN; CHAUHAN, 2014; RESH; SABBAGH, 2017), sendo este último aspecto o foco deste trabalho.
No ambiente escolar é que o indivíduo tem sua primeira experiência direta com uma autoridade
institucional. Essa autoridade é considerada justa e, subsequentemente, legítima, na medida que as pessoas
percebem que ela se comporta de igual forma com todos os indivíduos, usa procedimentos neutros e
imparciais na tomada de decisão, é honesta, demonstra preocupação com as necessidades e direitos das
pessoas e trata a todos com respeito e dignidade (SANCHES; GOUVEIA-PEREIRA; CARUGATI, 2012).
Diferentes fontes de justiça podem ser encontradas dentro das instituições de ensino (PRETSCH et
al., 2016). O professor é uma das fontes responsáveis pela alocação de recompensas e punições (RESH;
SABBAGH, 2014), que desempenha um papel importante nas atitudes dos alunos em cumprir ou não as
regras e no esclarecimento de comportamentos academicamente desonestos (DONAT; DALBERT; KAMBLE,
2014). Este mesmo professor pode se configurar como um agente de injustiça e o fato de o aluno se sentir
injustiçado pode levá-lo a apresentar atitudes desonestas em sala de aula, como:
a utilização de material não
autorizado (trapaça), a criação de informações ou resultados (fabricação), ajudar o colega na prática de atos
desviantes (facilitação) e copiar palavras e ideias de outra pessoa sem creditá-la (plágio) (PAVELA, 1978;
ERIKSSON; MCGEE, 2015). Para Smyth, Davis e Kroncke (2009), a desonestidade pode ser tão simples
como usar anotações durante as provas, copiar a tarefa de outra pessoa ou pode ser tão extrema como
contratar profissionais para escrever artigos e preparar relatórios de casos.
Ao observarem porque os estudantes trapaceiam, Williams e Hosek (2003) enfatizam que os alunos,
mesmo os desonestos, são racionais e que a decisão de trapacear não se deve a uma ação impulsiva, mas
a uma decisão consciente de que os benefícios da prática desonesta superam os riscos. Assim, ser desonesto
ou não é uma questão de escolha. Uma vez que inicia a prática de atos desonestos, o estudante pode se
sentir atraído a praticar a desonestidade com maior frequência (WILLIAMS; HOSEK, 2003). Nonis e Swift
(2001) chamam a atenção para o fato de que a desonestidade pode começar com uma infração relativamente
pequena e levar a erros éticos mais contundentes.
A universidade é uma importante aliada na restauração da integridade acadêmica e, desse modo, a
percepção de justiça nesse ambiente é fundamental para desencorajar comportamentos desonestos por parte
dos estudantes (QUAYE, 2010; DONAT et al., 2014), comportamentos estes que têm sido reconhecidos como
prevalentes e problemáticos no ambiente universitário. Um tratamento respeitoso, digno e justo desempenha

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