Juros sobre capital próprio: não-incidência de PIS e COFINS

AutorPaulo Ayres Barreto
CargoMestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP
Páginas130-139

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1. Considerações iniciais

As vicissitudes do cenário econômico brasileiro na última década do século passado tiveram importante efeito na legislação tributária, notadamente no que concerne à apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda. Para corrigir significativas distorções decorrentes do forte processo inflacionário que assolou o país durante muitos anos, criou-se o mecanismo da correção monetária de balanço.

A consideração contábil dos efeitos da desvalorização da moeda nas demonstrações financeiras reduzia as inconsistências nos resultados apurados. Tínhamos, já naquela época, remédio atípico no cenário internacional, porém necessário em face das fragilidades da economia interna.

Posteriormente, com o advento do Plano Real, a inflação sofreu uma redução importante, de modo que a necessidade de corrigir monetariamente as demonstra-ções financeiras foi posta em xeque. Se a moeda se tornou estável e a inflação mensal reduzida, não havia mais razão para a manutenção do direito à consideração de efeitos inflacionários na apuração de resultados das pessoas jurídicas.

Ocorre que a extinção da correção monetária de balanço gerou um aumento da carga tributária para as empresas que apresentavam saldo devedor de correção monetária. Com efeito, era essa a realidade que se apresentava para a grande maioria das empresas brasileiras. Vale dizer: as pessoas jurídicas que tinham patrimônio líquido superior ao seu ativo permanente viram suprimido o direito de registrar contabilmente, e deduzir da base de cálculo do imposto sobre a renda, despesa de correção monetária. Já as que apresentavam situação inversa (ativo permanente maior que o patrimônio líquido) simplesmente deixaram de sofrer a tributação, pelo imposto sobre a renda, do chamado lucro inflacionário.

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Nesse contexto, viu-se a necessidade de criar um mecanismo que viesse a reduzir os efeitos da eliminação da correção monetária de balanço. Foi nesse cenário que foram criados os juros sobre capital próprio, uma figura nova e peculiar introduzida em nosso ordenamento jurídico.

Em 26.12.1995 foi editada a Lei 9.249, que, de um lado, revogou a correção monetária de balanço (art. 4o) e, de outro lado, criou os juros sobre capital próprio (art. 9o). Pode-se, assim, afirmar, preliminarmente, que os juros sobre capital próprio foram criados para compensar, de alguma forma, a extinção da correção monetária de balanço.

2. Natureza jurídica dos juros sobre capital próprio

Desvelar a natureza jurídica dos juros sobre capital próprio não é missão que se revela singela. Trata-se efetivamente de "juros"? Constituem despesa financeira da pessoa jurídica? Em que se distinguem da atribuição de dividendos aos acionistas ou sócios?

São indagações que surgem e que pretendemos enfrentar no presente estudo, tendo sempre presente a advertência de Paulo de Barros Carvalho, para quem: "Se, de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outro, sobressai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nesse momento como a única pessoa credenciada a construir o conteúdo, sentido e alcance da matéria legislada".1

O pagamento de juros sobre capital próprio não é mecanismo usualmente encontrado no Direito Comparado. Trata-se de mais uma figura sui generis do criativo legislador nacional. Cresce, assim, a dificuldade de se precisar sua natureza e seus efeitos.

Preceitua o art. 9o da Lei 9.249/1995:

"Art. 9o. A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados indivi-dualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.

"§ 1o. O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

"§ 2o. Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alí-quota de 15% (quinze por cento), na data do pagamento ou crédito ao beneficiário."

Vê-se, pois, que é permitido à pessoa jurídica contabilizar e pagar aos sócios ou acionistas juros sobre capital próprio, desde que, como afirmam e atestam suas condicionantes, existam lucros (do exercício ou acumulados) ou reservas de lucros no montante legalmente fixado. Trata-se de uma faculdade da empresa (o modal é o permitido), cujo efeito fiscal consiste na dedução de certo montante na apuração do lucro real das pessoas jurídicas.

Ressalte-se que o pagamento de juros sobre capital próprio qualifica-se como verdadeira opção fiscal. Cabe ao contribuinte perquirir sobre a conveniência de determinar, ou não, seu pagamento, de acordo com as vantagens e desvantagens que tal decisão venha a trazer para a empresa.

É bem verdade que a denominação desse instrumento legal, posto à disposição dos gestores, sugere, em primeira e singela análise, tratar-se de juros.

Ocorre que a denominação "juros sobre capital próprio" não é suficiente para lhes conferir a natureza jurídica de juros. Como ensina Roque Carrazza: "É que, como é sabido e consabido, a natureza de qualquer figura de Direito é revelada por

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seu regime jurídico, não pela designação recebida - muita vez imprópria".2

Nesse processo investigativo, um primeiro passo consiste na verificação do conteúdo semântico dos termos que compõem a expressão.

2. 1 Capital

Nessa trilha, vejamos, inicialmente, o conceito de "capital".

Considera-se capital da empresa a somatória dos investimentos realizados por seus sócios ou acionistas, que englobam tanto os montantes por eles aportados bem assim aqueles resultados por ela, empresa, auferidos mas que, por decisão de seus sócios ou acionistas, foram incorporados ao capital.

Na conceituação de Modesto Carva-lhosa, em seu Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, capital é "o valor das entradas de capital que os acionistas declaram vinculado aos negócios que constituem o objeto social".3

Sobressai, em relação ao capital, a noção de investimento de caráter permanente, não-temporário, que se destina a prover o negócio próprio, ao menos parte dos recursos necessários à sua viabilização. São recursos atrelados, de forma perene, aos riscos do negócio.

2. 2 Juros

Examinado o conteúdo semântico do signo "capital", cuidemos dos juros.

"Juros", nas palavras de Ricardo Ma-riz de Oliveira, são "remuneratórios de recursos financeiros colocados temporariamente à disposição de outrem, independendo dos riscos dos empreendimentos do tomador, sendo ganhos pelos simples decurso de tempo, e tendo por base o próprio valor do capital entregue".4

Diferentemente do capital, na pactua-ção de juros destacam-se a temporarieda-de e a desvinculação dos riscos do negócio desenvolvido pelo tomador, exceção feita, evidentemente, em relação à sua própria solvabilidade. Em síntese, em condições normais, os recursos de terceiros tomados pela empresa seriam remunerados por juros. Relativamente ao seu próprio capital tal remuneração não caberia. Não é por outra razão que, fazendo a distinção entre o então chamado passivo exigível e o passivo não-exigível, Rubens Gomes de Souza esclarece: "O passivo exigível consigna as responsabilidades financeiras da empresa para com terceiros, consubstanciadas juridicamente em obrigações, legais ou contratuais, cobráveis em futuro próximo ou remoto, porém certo. O passivo não-exigível consigna responsabilidades financeiras da empresa para consigo mesma (...)".5

Nesse contexto, admitir que os juros sobre capital próprio têm natureza de juros implicaria equiparar a integralização de capital a uma concessão de crédito. Isso porque, como visto, o conceito de juros está vinculado a operações de crédito, em que a parte beneficiária se obriga a restituir à parte concedente a quantia recebida a título de empréstimo, remunerando-a pelo tempo em que dispôs do numerário.

No caso dos juros sobre capital próprio não se tem uma operação de crédito. O capital teria sido realizado e seria sempre mantido, independentemente do pagamento de juros.6

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2. 3 Juros sobre capital próprio

Em que pese à denominação de "juros", os juros sobre capital próprio são verdadeiros dividendos pagos ao titular da pessoa jurídica, sócio ou acionista. Prova disso é que são calculados sobre as contas do patrimônio líquido, tal como os dividendos, limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo/TJLP. Paga-se um montante que tem natureza jurídica de dividendo ou lucro, com a designação de juros.

Uma despesa financeira a título de juros seria calculada sobre conta do passivo exigível (passivo circulante ou exigível a longo prazo), e nunca sobre as contas do patrimônio líquido, como exige a Lei 9.249/1995 para os juros sobre capital próprio.

Além disso, ainda a evidenciar sua natureza de dividendos, o...

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