A Atuação Jurisdicional e a Busca da Verdade Real

AutorFrancisco Ferreira Jorge Neto/Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante/Judson Sales de Meneses
CargoDesembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região) Professor convidado no curso de pós-graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito Mestre em Direito das Relações Sociais ? Direito do Trabalho (PUC/SP)/Professor da Faculdade de Direito Mackenzie Mestre em Direito Político e Econômico (Universidade Presbiteriana Mackenzie) Mestre em Integra...
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1. Introdução

No curso do processo, a realização de diligências probatórias pelo juízo tem previsão legal em nosso ordenamento processual. Todavia, as doutrinas tradicionais e vanguardistas debatem os limites da intervenção judicial e em que medida esta atuação pode ferir a necessária imparcialidade do juízo e sua equidistância em relação às partes.

Questões se põem a exemplo da neutralidade do magistrado que determina a produção de determinada prova e em que medida este procedimento afeta sua independência no ato de julgar. Por outro lado, questiona-se a inércia do órgão julgador face uma instrução processual deficiente, que não permite elucidar com clareza suficiente a correspondência entre os fatos tal qual ocorreram e sua demonstração nos autos. Trata-se da distinção entre verdade formal e material, cuja efetiva pacificação social pressupõe o encurtamento de distâncias entre uma e outra.

O objetivo desse estudo é analisar a questão à luz dos princípios constitucionais que regem a disciplina processual e, em especial, o processo do trabalho, de modo a realizar a interpretação sistemática da matéria. Pretende-se pesquisar a finalidade última do processo e sua natureza jurídica, de modo a revelar um sopesamento justo entre os preceitos regulatórios do processo trabalhista.

O ponto sobre o qual se debate é comum a diferentes ramos do direito processual, tendo seu estudo mais aprofundado na área penal. Todavia, a natureza dos direitos discutidos na seara trabalhista e a efetividade do processo, como função pública, demandam que a matéria seja também analisada à luz dos fundamentos desta justiça especializada.

Pretende-se percorrer notas gerais do direito processual, lidos à luz das peculiaridades do processo do trabalho, visando salientar que a atividade jurisdicional em busca da verdade real pode se desenvolver com amplo respeito aos pilares democráticos do devido processo legal e da isonomia.

2. Conceito e finalidade do processo

O direito processual do trabalho integra a ciência jurídica, constituído por um sistema de normas, princípios, regras e instituições próprias, cujo objeto são a solução dos conflitos trabalhistas decorrentes das relações de trabalho e a regulação da estrutura dos órgãos que compõem o Judiciário trabalhista.

Como premissa ao estudo dos poderes instrutórios do magistrado no processo do trabalho, afirma-se que o estudo do processo é, de certo modo, discutir o próprio

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Poder Judiciário. É discutir também o papel do Estado na pacificação de conflitos, especialmente em sua relação com os jurisdicionados que em face dele exercem seu direito de ação.

Em outros termos, acreditase que para debater o processo é necessário retomar, ainda que em breves linhas, os fundamentos do Estado democrático de direito. Útil esta pesquisa no sentido de delimitar as funções estatais, tornando claro o papel do Estado e, por decorrência, do Poder Judiciário. Tem-se que o Poder Judiciário está colocado ao lado dos outros dois pilares republicanos, quais sejam, o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Este com a função de elaborar normas gerais (de destinatário indefinido) e abstratas (incompleto em seu poder de coerção).

O Poder Judiciário vai atuar atribuindo concretude a esta norma abstrata. Vai especializar aquela norma, concluindo e preenchendo sua coercibilidade. Isto, pois a pretensão resistida é uma ameaça ao estado de equilíbrio visado pelos aderentes do pacto social. Trata-se do processo de subsunção, que deve ser tão preciso quanto seguro, de modo a garantir aos jurisdicionados certeza constante da aplicação justa da lei.

É neste contexto que se insere o processo, instrumento estatal para realização deste objetivo primordial do Poder Judiciário. O processo é uma forma de heterocomposição da lide, o que quer significar que as partes entregam a terceiro, voluntária ou coercitivamente, a função de pacificar uma questão da vida, elucidando o direito aplicável ao caso concreto. Dois conceitos fundamentais que antecedem o entendimento desta composição são os de “pretensão” e “lide”.

A “pretensão” nasce da impossibilidade de solução de um conflito pela oposição de dois interesses. Como conceitua Moacyr Amaral dos Santos1, a pretensão é “a exigência de subordinação de um interesse de outrem ao próprio”, que pode ser satisfeita de forma pacífica ou resistida. Nessa segunda hipótese surge a “lide” propriamente dita, que se configura no conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.

Dos conceitos expostos, podemos concluir que compor a lide é “resolvê-la conforme os mandamentos da ordem jurídica, quer dizer, resolver o conflito segundo a vontade da lei. Aquela operação, o processo, portanto, a série de atos coordenados, se destina a obter a atuação da lei, dessa forma compondo a lide”2.

É munir-se do poder de heterocomposição para pôr fim a uma pretensão resistida, restaurando a harmonia agredida.

Sob este enfoque, a jurisdição e seu instrumento (o processo) existem em função da segurança do próprio Estado. Aplicar o direito com precisão é resgatar a paz social ameaçada pela existência de um conflito. Trata-se de uma função estatal necessária, destinada a impedir que a solução pela autotutela prevaleça, favorecendo tiranos em detrimento daqueles que têm menos força.

Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco3: “Como o Estado tem funções essenciais perante sua população, constituindo síntese de seus objetivos o bem-comum, e como a paz social é inerente ao bem-estar a que este deve necessariamente conduzir (tais são as premissas do welfare State), é hoje reconhecida a existência de uma íntima ligação entre o sistema do processo e o modo de vida da sociedade. Constituem inevitáveis realidades as insatisfações que afligem as pessoas as quais são estados psíquicos capazes de comprometer sua felicidade pessoal e trazem em si uma perigosa tendência expansiva (conflitos que progridem, multiplicam-se, degeneram em violência etc.). Ignorar as insatisfações pessoais importaria criar clima para possíveis explosões generalizadas de violência e de contaminação do grupo, cuja uni-dade acabaria por ficar comprometida. Como vem sendo dito, a litigiosidade contida é perigoso fator de infelicidade pessoal e desagregação social e por isso constitui missão e dever do Estado a eliminação desses estados de insatisfação.”

QUANTO MAIS PRÓXIMA A VERDADE FORMAL FOR DA VERDADE MATERIAL, MAIS CORRETA A ANÁLISE FÁTICA, REQUISITO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL JUSTA

Estas reflexões nos levam a debater a efetiva função do processo, assunto presente na doutrina processualista ao longo dos últimos séculos de desenvolvimento do direito. Em curta síntese, podese classificar as diferentes teorias acerca do tema em dois grandes grupos: as teorias de caráter subjetivista e aquelas de caráter objetivista. A distinção, que se funda essencialmente no interesse efetivamente tutelado, pode ser assim sintetizada:
a) as teorias subjetivistas, defendidas por Weismann, Aureliano de Gusmão e João

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Mendes Júnior, são formulações clássicas que associam a tutela processual ao direito subjetivo. Para estes, a tutela existe em função do direito violado, sendo o processo instrumento de defesa desse direito subjetivo;
b) já as teorias objetivistas, defendidas por Carnelutti, Calamandrei, Liebman e Chiovenda, entendem que o direito processual visa fazer atuar o direito objetivo. Ou seja, não obstante a jurisdição ser tirada de sua inércia pelo interesse privado, ela objetiva o restabelecimento da ordem jurídica. O direito processual tem o sentido de fazer reforçar a existência e validade da norma, assegurando a paz jurídica.

Há que se concluir que a jurisdição é uma função pública, atávica ao direito público, que visa a satisfazer um interesse primordialmente estatal. Como expõe Moacyr Amaral dos Santos4:

“Não importa que o Direito Processual Civil também regule as atividades das partes do processo. Estas, realmente, são de ordinário sujeitos privados e visam à tutela de interesse privados, regulados pelo Direito Privado. Todavia, o direito àquelas atividades se subordina ao Direito Público, porquanto tendente ao exercício da função jurisdicional do Estado. O Direito Subjetivo das partes ao exercício das atividades do processo – direito de agir – é de Direito Público, pois se dirige ao estado, na pessoa do seu órgão jurisdicional, dando lugar a relação jurídica da qual este é um dos termos.”

Admitir o processo como ramo do direito público implica inter-nalizar uma série de decorrências, em especial estabelecer alguns preceitos e garantias inerentes a esta classificação. “Promessas de dar solução aos conflitos e con- duzir os sujeitos à ordem jurídica justa e limitações consistentes em uma série de condicionamentos e restrições a esse exercício.5 Tais garantias são o fundamento daquilo que se convencionou chamar “tutela constitucional do processo”, fundamento dos princípios que norteiam a disciplina.

3. Princípios fundamentais de direito processual do trabalho

A abordagem científica e não casuística de um tema científico demanda especial atenção aos princípios que dão substrato àquele ramo do conhecimento. Os princípios, admitidos como os alicerces de orientação de deter-minada disciplina, são essenciais à compreensão e interpretação de determinado fenômeno científico. Torna-se inafastável a sustentação principiológica de qualquer estudo aprofundado sobre a matéria.

Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco6 afirma que “sabido que todo conhecimento só é...

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