A natureza jurídica das penas privativas de liberdade

AutorAlexandra Gonçalves Ferreira
CargoAdvogada e Jornalista. Pós-Graduanda em Direito Processual
Páginas213-236

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Ver Nota12

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1. Introdução

A aplicação da pena de prisão tem como finalidade punir o infrator de forma proporcional ao crime praticado por ele, com ênfase, portanto, na sua recuperação e regresso ao convívio social. Mas constata-se que o ambiente carcerário, não tem propiciado a ressocialização do condenado, e sim, sua dessocialização, dificultando portanto o seu retorno ao convívio social.

Em julho de 1984, foi criada a Lei de Execução Penal - Lei 7.210, que veio para regulamentar o cumprimento das penas privativas de liberdade. Com o surgimento desta Lei, veio à esperança de que o problema do sistema carcerário fosse resolvido. No entanto, a LEP não vem sendo efetivamente cumprida pelo Estado. A pena privativa é cumprida de forma inadequada, degradante e desumana, ferindo os direitos humanos do cidadão, o que faz com que a pena deixe de ser justa, passando a se tornar uma escola de criminosos.

A pena torna-se maléfica aos seus objetivos fundamentais de tutela da sociedade e reinserção do egresso no contexto social, perdendo sua eficácia, qual seja, a ressocialização. Atualmente, se reconhece que o cárcere é ineficaz, conseguindo somente impor ao condenado um sofrimento inútil a título de punição, tendo, no entanto, a perda da dignidade da pessoa humana.

O objetivo deste trabalho consiste em analisar as razões pelas quais a pena privativa de liberdade não tem cumprido com o seu papel, qual seja o de recuperar o delinquente, através de análise da forma de execução das penas de prisão no Brasil.

A metodologia adotada foi de pesquisa bibliográfica, em livros especializados, periódicos, internet e outros meios de informação.

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2. Evolução histórica no cumprimento das penas privativas no Brasil e no mundo
2. 1 Surgimento das Prisões

As prisões no mundo vêm desde tempos remotos. Com o surgimento em 1.700 a.C. As medidas repressivas eram aplicadas pelos povos egípcios sob seus escravos. Assim, também acontecia na Pérsia, Grécia e Babilônia. Naquela época não existiam locais adequados para o encarceramento do delinquente e muito menos individualização da pena. Os locais que serviam de cárcere eram diversos, desde as masmorras e calabouços a aposentos insalubres de castelos. Todas as formas de encarceramento eram admitidas naquele período.3

As sanções impostas aos delitos têm sua origem na bíblia, os monges que agiam em desacordo com os ditames e as regras da igreja eram punidos com o enclausuramento nos mosteiros para meditar e refletir sobre seus pecados. A punição como exemplo é bem retratada no Livro de Números, Capítulo 5, Versículo 6, da Bílblia Sagrada, que diz: se um homem ou uma mulher causa um prejuízo qualquer ao seu próximo, tornando-se assim culpado de uma infidelidade para com o Senhor, ele confessará a sua falta e restituirá integralmente o objeto do delito, ajuntando um quinto a mais àquele que foi lesado.

Na Idade Média, também não havia locais adequados para o enclausuramento do condenado. Constatava-se com esta situação uma degradação humana. Os presos eram punidos de modo cruel através de torturas, como amputação de membros ou até mesmo a pena de morte; tal punição era arbitrada pelos governantes, que aplicavam as sanções conforme a condição social à qual pertencia o réu, garantindo assim, o cumprimento da justiça e servindo de exemplo para aqueles que tendessem à prática do crime.4 Como dizia Montesquieu, "todapena que não deriva da absoluta necessidade é tirânica."

As penas naquele período eram tidas mais como um show para a população que assistia a tudo como uma forma de entretenimento, era uma época em que não se dosava o delito para a aplicação da pena de forma justa e preventiva. Adotava-se, com frequência também a pena de morte que era seguida por religiosos. Eis o que é escrito em Deuteronômio Capítulo 16, versículo 12:

Aquele que, por orgulho, recusar ouvir o sacerdote que estiver nesse tempo a serviço do Senhor, teu Deus, ou o juiz, esse homem será punido de morte.

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Assim tirarás o mal do meio de Israel. O povo, ao sabê-lo, será possuído de temor, e não se deixará levar pelo orgulho.

Já na Idade Moderna, aproximadamente entre os séculos XVI e XVII, constitui-se a pena por excelência do capitalismo industrial. Foi então que surgiu a prisão preventiva e a prisão por dívidas. O estado de pobreza que alastrou no mundo contribui para que o índice de criminalidade aumentasse e consequentemente apareceram as guerras, a miséria, a falta de humanidade e de amor ao próximo, transformando o conceito de vida em uma banalidade que aflige e se prolonga com mais intensidade nos dias atuais.5

Já no século XVIII, as origens do Direito Penitenciário começaram a mudar, dando início à humanização da pena privativa de liberdade com maior amparo ao condenado, dando-lhe obrigações, mas também, garantindo-lhes direitos, principalmente no que tange à dignidade da pessoa humana. Exigiu-se com isso, um complexo de normas disciplinadoras denominado direito positivo, estabelecendo regras indispensáveis ao convívio em sociedade.

Em 1830 foi criado o Código Penal, visando garantir condições indispensáveis à coexistência dos homens, estabelecendo assim, a pena de prisão, dando início no Brasil, neste período, a individualização das penas, tendo a prisão um caráter correcional, com fins de ressocialização. O Estado aplica uma sanção ao sentenciado com o objetivo de prevenir infrações, que quando intimidada todos os componentes da sociedade e principalmente o infrator, impedirá a prática de novos atos delituosos.

A violência e o crime grassam assustadoramente no nosso cotidiano e com a inadequação dos regimes prisionais, a prevenção vem caindo por terra no que se refere à readaptação do preso e o que deveria ser uma forma de exemplo para o cidadão vem sendo uma maneira de degradação humana em todos os sentidos, tanto físicos quanto psicológicos.

Com o crescimento da população prisional brasileira, que ocasiona grande demanda de vagas, embora muitos presídios tenham sido construídos, é problema ainda sem solução e fica perceptível a superpopulação carcerária, o que acaba ocasionando motins e rebeliões.6 Ocorre que o Estado não tem condições de manter condignamente todos os presos. O que era para ser uma instituição de ressocialização transforma-se numa escola de criminalidade.

Neste contexto, inúmeras discussões são levantadas, colocando em dúvida a eficácia da pena para a readaptação do delinquente. Segundo Newton Fernandes (2000, p. 124-125): "tudo que se desvia do fim social deve ser evitado na vida em sociedade, porquanto ela só existe para realizar esse fim em que é intrinsecamente próprio e inerente. " O que se percebe e é nítido é que o sistema precisa de uma readaptação para que se chegue ao fim almejado.

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O fim supremo do direito penal, como não poderia deixar de ser, é o bem comum: mas, a característica de sua natureza específica, o seu objetivo ou o seu fim propriamente dito é a garantia da ordem social, pois esta é que oferece a oportunidade a que aquele (o bem comum) seja alcançado.

Daí a necessidade da sanção para o efetivo governo e harmonia da sociedade. Além disso, não se pode deslembrar que as causas maiores da decadência das sanções penais decorrem da falta de ética política no seio da sociedade brasileira. Todos os governantes até aqui passados, sabem que o sistema prisional brasileiro está em falência, mas, pouco ou nada fazem para solucionar o problema.

2. 2 Finalidade da pena privativa de liberdade

O sistema jurídico brasileiro é composto por duas partes: o preceito e a sanção. A primeira indica o que devemos ou não fazer, enquanto a segunda é a aplicação da pena atribuída a alguém em detrimento de uma violação da norma existente no ordenamento jurídico, assegurando assim, a aplicação das leis e consequentemente a harmonia no convívio em sociedade.

Temos três correntes doutrinárias, que nos explicam o objetivo de punir e os fins da sanção, são elas: as absolutistas, as relativas ou utilitárias e as mistas. As absolutistas baseiam-se na exigência de justiça. Negam os fins propostos da pena e defendem a aplicação de um mal justo ao mal do crime. A teoria relativa atribui o sistema de prevenção do delito, e as teorias mistas, também agregam a prevenção e reeducação do delinquente, sustentam o caráter de retribuição da pena.7

Não se trata de eliminar a pena privativa de liberdade, mas de humanizar, de reorganizar e de adequar o sistema prisional que hoje é inadequado a ressocialização do preso, que é o objetivo da sanção, quase sempre fadada à inutilidade no que concerne à inserção do condenado no convívio social. Segundo Maxmilianus Cláudio Américo Führer(1991,p.98):

A pena tem um aspecto de retribuição ou de castigo pelo mal praticado: punitur quia peccatum. E também um aspecto de prevenção. A prevenção geral visa ao desestímulo de todos da prática de crime. A prevenção especial dirige-se à recuperação do condenado, procurando fazer com que não volte a delinqüir.

Conforme art.32 do CPB, as sanções...

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