A Situação Jurídica do Diretor: Empregado ou Não Empregado?

AutorWânia Guimarães Rabêllo de Almeida
Ocupação do AutorAdvogada
Páginas291-309

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1. Introdução

Este ensaio versa sobre a situação jurídica do diretor de empresa. A questão é enfrentada considerando a situação jurídica do trabalhador que não mantém vínculo com a empresa e é por ela contratado para ser seu diretor e do empregado alçado à condição de diretor da empresa-empregadora. O ensaio é dividido em quatro partes, às quais se seguirá uma conclusão sobre a questão proposta.

2. Relação de emprego Empregador e empregado

Antes de enfrentar a questão objeto do presente ensaio, cumpre fixar algumas premissas, dentre as quais o conceito de relação de emprego, empregador e empregado.

Para fixação dos conceitos de relação de emprego, empregador e empregado toma-se como ponto de partida os arts. e da CLT.

De acordo com o art. 2º da CLT, empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Por outro lado, consoante o art. 3º da CLT, empregado é a pessoa física que presta serviços de forma não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Destarte, é lícito afirmar que a relação de emprego é a relação jurídica que tem como objeto o trabalho humano prestado a outrem, de forma pessoal, não eventual, subordinada e remunerada.

Na linha de raciocínio, empregador é a pessoa, física ou jurídica, ou ente despersonalizado que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços do trabalhador, assumindo os riscos da sua atividade, sendo empregado o trabalhador que presta a outrem serviços pessoais, não eventuais e subordinados, mediante remuneração.

Empregador não é somente aquele que desenvolve atividade econômica. É o que se infere do art. 2º, §1º, da CLT, quando estabelece que são equiparadas ao empregador (empregador por equiparação) os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos que admitem trabalhadores como empregados.

É importante ressaltar que o art. 2º da CLT considera empregador a empresa, operando a despersonalização do empregador.

Esta opção é criticada pela doutrina, sob o argumento de que empresa não é sujeito de

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direito1, salvo a empresa pública, por força do Decreto-lei n. 200. Há, entretanto, quem refute essa crítica, sustentando que, quando o legislador considera empregador a empresa, não a está subjetivando, mas esclarecendo que o empregado, ao contratar os seus serviços, não o faz com a pessoa física do empregador, por ser efêmera, acidental, mas com o organismo duradouro, que é a empresa.

A relação de emprego envolve o trabalho por conta alheia, assinalando Manuel Alonso Olea que, “é por conta alheia o trabalho quando os frutos ou os resultados pertencem originariamente à pessoa distinta (empresário) da que executa o trabalho (trabalhador) [...]. Por outras palavras: trabalhador e empresário devem assumir obrigações recíprocas – das quais emergem direitos correlativos e contrapostos – de um lado, a cessão dos frutos do trabalho; de outro, o de remunerá-los. A obrigação do trabalhador e o correspondente direito do empresário se transferem dos resultados ao próprio trabalho, qualquer que seja o fator que se tome para fixar a remuneração, quando aqueles, em virtude da divisão do trabalho, não são propriamente tais, mas sim contribuições parciais dentro do processo de produção [...]. Pois bem: o contrato em virtude do qual o trabalhador e o empresário assumem obrigações recíprocas de cessão do trabalho e de remuneração do trabalho cedido é o contrato de trabalho”2.

Há na relação de emprego uma transferência dos frutos do trabalho para o empregador. Daí se falar que a relação de emprego envolve o trabalho por conta alheia.

De outro lado, o trabalhador se encontra, na relação de emprego, em situação de dependência, sendo que “a dependência significa que uma pessoa está sujeita à vontade de outra, porém não através de uma submissão psicológica, de uma vinculação social, de uma obediência pessoal cega, ao mero capricho subjetivo do que manda, senão é uma submissão funcional, em virtude da qual se unificam ou coordenam diversas atividades”3.

A subordinação implica sujeição do trabalhador ao poder empregatício, sendo que este se subdivide em três áreas: poder de direção, poder regulamentar e poder disciplinar. “o poder de direção é um poder geral de comando do empregador sobre os seus subordinados, no tempo e no local de trabalho. Pode conceber-se como um poder residual, relativamente às duas outras vertentes (regulamentar e disciplinar) [...]. O poder regulamentar cifra-se no direito de o empregador poder elaborar o regulamento interno: documento escrito, onde se fixam unilateralmente as directivas mais genéricas, mais abstractas e mais duradouras. O poder disciplinar é a susceptibilidade que a entidade patronal tem de punir com medidas disciplinares, as infrações laborais cometidas pelos seus trabalhadores”4.

Ao empregador é concedido o poder de dar or-dens e instruções sobre o trabalho ao empregado, “esta é a essência do poder de direção do empresário. Os demais elementos que o integram são secundários, sob o ponto de vista lógico e jurídico: determinação do lugar em que o trabalho deva ser prestado, do tempo a dedicar ao mesmo, das matérias-primas a utilizar, da maquinaria e das ferramentas a mane-

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jar, de forma como estas e aquela devem ser usadas pelo trabalhador, etc. Em suma, o poder de comando envolve todas as decisões sobre o modo do trabalho, para empregar-se uma expressão de maior amplitude [...]. A consequência do poder de direção do empresário é a subordinação ou dependência do trabalhador”5.

Estabelecidas estas premissas, adentra-se ao exame da questão objeto do presente ensaio.

3. Situação jurídica do diretor sem vínculo prévio com a empresa

A hipótese é daquele profissional que não mantém vínculo com a empresa e é eleito para exercer o cargo de diretor.

Para esta situação, existem duas correntes de pensamento: clássica (ou tradicional) e moderna (ou intervencionista).

A vertente clássica sustenta a incompatibilidade da condição de diretor com a de empregado, enquanto a moderna admite a possibilidade da coexistência da condição de diretor com a de empregado.

Neste sentido, Mauricio Godinho Delgado afirma que:

De forte tendência negativista, percebe uma incompatibilidade de situações entre a posição societária do diretor e a posição organizacional do empregado. As situações jurídicas, de natureza diretiva e de natureza subordinada, seriam reciprocamente excludentes, conduzindo à inviabilidade de se acatar a presença de relação empregatícia para tais diretores. Há dois veios explicativos na corrente clássica: para o primeiro desses veios, o diretor seria mandatário da sociedade que dirige (e que representa), razão pela qual não poderia, ao mesmo tempo, dirigir, representar e subordinar-se a si mesmo. O segundo veio da corrente negativista sustenta que o diretor é órgão da sociedade – e não simples mandatário –, sendo inassimilável sua posição à do empregado. Como órgão estruturante, definidor e comandante do destino do empreendimento societário, não poderia quedar-se como mero subordinado. Além disso, se fosse subordinado, o seria a si mesmo – o que constituiria um contrassenso [...]. A vertente moderna (ou intervencionista) busca perceber a especificidade da relação jurídica estabelecida entre o diretor contratado e a sociedade, sem, contudo, deixar de vislumbrar a real ocorrência de contrato de emprego entre o executivo escolhido (ou mesmo eleito) para compor a diretoria de uma sociedade e essa mesma sociedade”6.

A vertente clássica, como se observa da citação doutrinária supra, não chegou a um consenso sobre a condição do diretor, sustentando uma vertente ser ele um mandatário da sociedade, enquanto a outra nega a sua condição mandatário, afirmando a sua condição de órgão da sociedade. Diante desse divergência, vale mencionar a lição de Evaristo de Moraes Filho no sentido de que “age o mandatário por conta do mandante, representando-o. ‘O mandato, escreve Rouast, é essen-cialmente um contrato de representação, destinado a permitir a uma pessoa realizar um ato jurídico ou uma série de atos por conta de uma outra pessoa, enquanto o contrato de trabalho tem por objeto a realização de um trabalho independentemente de qualquer ideia de representação”. Destaca esse doutrinador, ainda, que Lescudier chama a atenção para a presença da subordinação também no caso do mandatário, ao argumento de que, “afinal, o que torna sobretudo a questão delicada é que o vínculo de subordinação que reconhecemos ao longo do nosso estudo como a pedra de toque da noção de empregado, encontra-se também na situação do mandatário diante do seu mandante”7.

Sendo a hipótese de mandato, segundo Roberto Barretto Prado, “claro, lógico e até evidente que a relação de emprego se manifesta de modo nítido e inquestionável. A dependência se acha perfeitamente configurada na outorga do mandato e consequente obrigação do gerente prestar contas, como mandatário e empregado dos atos que praticar”8.

Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena adota o critério de vinculação do trabalhador à empresa como elemento essencial, afirmando que:

Os atos praticados pelo diretor-eleito guardam uma causa fundamental e preliminarmen-

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te associativa e não inter-cambial, em relação à sociedade, aos sócios que o elegeram, o que significa não se admitir, sob pena de cair-se em uma contradictio in adjectis, a conversão da causa de inserção do administrador-órgão em causa diversa. O elemento a desfigurar-se, se assim...

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