Julgamento parcial de mérito no CPC de 2015: vamos deixar tudo como está?

AutorRogéria Dotti
Páginas57-62

Page 57

Ver Nota1

O processo civil brasileiro vive, felizmente, uma fase de busca de efetividade. Há uma clara tendência à aceleração da atividade jurisdicional e uma aptidão para a produção de resultados úteis na sociedade2. Nesse contexto, o julgamento parcial de mérito traduz uma relevante inovação: ele alia a celeridade à cognição exauriente, apta à formação da coisa julgada. E isso é extremamente positivo. Não apenas porque permite antecipar uma parte da sentença final, mas também porque estimula a própria solução consensual das pretensões remanescentes.

No sistema do Código de 1973, vigorava o princípio da unicidade do julgamento, segundo o qual a sentença só poderia ser proferida em um único ato, ao final do processo3. Justamente por isso, a decisão parcial de mérito era tratada como tutela antecipada, apesar de se basear em cognição exauriente (art. 273, § 6º, com a alteração da Lei 10.444, de 7 de maio de 2002). Mas parte da doutrina já defendia, com razão, a possibilidade de sentença parcial, ainda que não houvesse regra expressa4. Em maio de 2015, contudo, o Superior tribunal de Justiça firmou entendimento de que a sentença parcial não seria compatível com o sistema então em vigor5.

Agora, a realidade é outra. O CPC de 2015 permite o tão desejado fracionamento do mérito (art. 356 e art. 354, § único). O requisito é: a existência de um pedido ou parcela dele que se mostre incontroverso ou que dispense a necessidade de instrução.

Page 58

Saliente-se que os pedidos devem ser autônomos, isto é, a cumulação deve ser própria e simples, ou então o pedido único deve ser passível de decomposição. Caso de grande aplicação prática é o decreto imediato do divórcio e o posterior julgamento dos pedidos de partilha e alimentos6. Outro exemplo é a pretensão de cobrança de valor em dinheiro, sempre que o réu não contestar a obrigação propriamente dita, mas apenas o seu montante.

Todavia, as hipóteses de decisão parcial de mérito não se limitam ao disposto no art. 356. O parágrafo único do art. 354 também prevê duas circunstâncias que a autorizam: prescrição ou decadência e homologação do reconhecimento do pedido, renúncia ou transação (art. 487, II e III). A propósito, em interessante julgado, o tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve decisão que reconhecera a ocorrência da prescrição em relação à indenização por abandono material e determinara o prosseguimento do feito em relação à investigação de paternidade7.

Saliente-se que, uma vez presentes as circunstâncias autorizadoras, o fracionamento da decisão de mérito constitui verdadeiro dever do magistrado. Não se trata de mera faculdade posta à disposição do juiz ou das partes8. Isso porque razoável duração do processo e eficiência constituem valores fundamentais para aplicação de todas as regras processuais (CPC, arts. 4º e 8º). A ideia fundamental é a de que o tempo do processo não pode prejudicar o autor que tem razão9.

Por se tratar de decisão interlocutória, o recurso cabível contra o julgamento parcial de mérito é o agravo de instrumento (CPC, art. 356, § 5º, e art. 1.015, inciso II). Isso confere eficácia imediata ao provimento10, ao contrário da sentença, que se submete ao regime da apelação, com efeito suspensivo (CPC, art. 1.012).

Assim sendo, a decisão parcial de mérito é passível de execução provisória, inclusive com a dispensa do oferecimento de caução (CPC, art. 356, § 2º), o que a torna mais vantajosa que o próprio cumprimento de sentença, sujeito à caução (art. 520, IV). Evidentemente, contudo, não há sentido em dispensar a caução na decisão parcial e exigi-la em relação à sentença. Daí porque o

Page 59

Enunciado 49 da Escola Nacional de Formação de Magistrados já antecipa uma tendência de relativização dessa dispensa: “No julgamento antecipado parcial de mérito, o cumprimento provisório da decisão inicia-se independentemente de caução (art. 356, § 2º, do CPC/2015), sendo aplicável, todavia, a regra do art. 520, IV”.

A decisão parcial de mérito tem suscitado várias questões polêmicas. A primeira diz respeito ao reexame necessário. Ele se aplica ao julgamento parcial? O legislador, no art. 496, referiu-se à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT