Coisa Julgada: Inconstitucionalidades e Meios Processuais Cabíveis

AutorVanessa Casarin Schütz
Ocupação do AutorMestranda em Direito Processual na PUC/RS; Especialista em Processo Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPC; Advogada.
Páginas645-669

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Coisa Julgada: Inconstitucionalidades e Coisa Julgada: Inconstitucionalidades eCoisa Julgada: Inconstitucionalidades e Coisa Julgada: Inconstitucionalidades eCoisa Julgada: Inconstitucionalidades e Meios Processuais Cabíveis
Meios Processuais CabíveisMeios Processuais Cabíveis
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SUMÁRIO: Introdução. 1 Coisa Julgada e a Constituição Federal. 2 Coisa Julgada e o Direito Processual Civil. 3 Coisa Julgada Inconstitucional. 4 Hipóteses de Inconstitucionalidade. 4.1 Grave Injustiça. 4.2 Violação a Normas Constitucionais (Princípios ou Regras). 4.3 Declaração de Inconstitucionali-dade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 4.4 Exame de DNA. 5 Meios Processuais Cabíveis. 6 Conclusões.

Introdução

IntroduçãoIntrodução
IntroduçãoIntrodução

O presente trabalho tratará da problemática atual da coisa julgada inconstitucional. Far-se-á exposição acerca do instituto da coisa julgada em nível constitucional e infraconstitucional. Tentar-se-á explicar o que se deve entender por coisa julgada inconstitucional, as hipóteses que a doutrina tem discutido, bem como o meios processuais cabíveis para a impugnação nos casos de coisa julgada inconstitucional. Por fim, será exposta a conclusão.

1 Coisa Julgada e a Constituição Federal 1 Coisa Julgada e a Constituição Federal1 Coisa Julgada e a Constituição Federal 1 Coisa Julgada e a Constituição Federal1 Coisa Julgada e a Constituição Federal

A coisa julgada é instituto de direito constitucional1, estando inserida dentre o rol dos direitos fundamentais do art. 5º, inciso XXXVI, o qual dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Ou seja, está incluída no Título II (Dos direitos e garantias fundamentais), Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos),

* Mestranda em Direito Processual na PUC/RS; Especialista em Processo Civil pela Academia

Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC; Advogada.

1 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença: e outros escritos sobre a coisa julgada (com aditamentos relativos ao direito brasileiro). Rio de Janeiro: Forense, 1945, p. 51.

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além de ser considerada uma “cláusula pétrea”, conforme disposição do art. 60, § 4º, inciso IV da CF/882 .

Os direitos fundamentais, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, podem ser verificados pela sua fundamentalidade formal e material. A fundamentalidade formal reside: no fato de serem os direitos fundamentais parte integrante da Constituição escrita, situando-os no ápice do ordenamento jurídico; no fato de se encontrarem submetidos a limites formais (procedimento agravado) e limites materiais (constituem-se em cláusulas pétreas) para fins de reforma constitucional (art. 60 da CF/88) e, ainda, no fato de serem normas direta e imediatamente aplicáveis (art. 5, § 1º, da CF/88). A fundamentalidade material, por sua vez, dá-se em razão dos direitos fundamentais serem elementos constitutivos da Constituição material, ou seja, dizem respeito a seu conteúdo como Lei Maior, contendo decisões fundamentais acerca da estrutura básica do Estado e da sociedade.3Como direito fundamental que é, a coisa julgada convive com outros direitos, igualmente fundamentais, dentro do mesmo ordenamento jurídico constitucional, dado este em que se evidencia a relativização daqueles. Para que essa convivência harmônica seja alcançada, as normas constitucionais ora podem ser caracterizadas como regra, ora como princípios4.

Interessa saber como se deve considerar o instituto da coisa julgada. Por ora, e ao longo de todo o presente trabalho, dever-se-á entender a coisa julgada como princípio5, ou seja, como algo a ser preservado/realizado o máximo possível, mas sem ter prévio conhecimento dos mecanismos utilizados para alcançar esse fim.

2 “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

[...]

IV – os direitos e garantias individuais.”

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 82-83.

4 Segundo Robert Alexy, os princípios são normas que ordenan que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; são mandatos de otimização. As regras, por sua vez, contêm determinações dentro de um âmbito fático ou jurídico; devem ser cumpridas ou não. Tais diferenças substanciais, tornam as colisões entre princípios e os conflitos entre regras, igualmente diferentes. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 86-87.

5 Adota-se, por ora, o entendimento de Robert Alexy acerca dos princípios.

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Em outras palavras, e agora adentrando um pouco à questão a ser tratada, inconstitucionalidade da coisa julgada: o instituto da coisa julgada deve tentar ser preservado ao máximo, em razão dos valores segurança jurídica, certeza, estabilidade, etc., que lhe são inerentes; todavia, há situações, as quais serão oportunamente tratadas, nas quais as razões para a superação daqueles valores, em prol de outros, de igual ou maior hierarquia, justifica o afastamento daquele.

O princípio da intangibilidade da coisa julgada não tem sede constitucional, mas sim, infraconstitucional6, já que a noção de intangibilidade foi criada pelo legislador ordinário, ao regulamentar o instituto da coisa julgada – este sim, de sede constitucional.

O legislador constituinte protegeu o instituto da coisa julgada em face da superveniência de nova legislação que pudesse atingi-la7. Tal disposição constitucional manifesta o respeito à separação dos poderes do Estado, na forma do art. 2º da CF/888. Em outras palavras: uma vez que o Poder Judiciário tenha decidido uma questão para a qual foi chamado a se manifestar, e adquirindo a decisão força de coisa julgada, não poderá, posteriormente, o Poder Legislativo elaborar e promulgar uma lei que atinja aquela decisão (lei com efeitos retroativos), dispondo de forma diferente à decisão anteriormente proferida, eis que corresponde à modificação daquela, que é o que, justamente, pretende-se evitar. Na verdade, trata-se da observância do princípio da irretroatividade da lei.

A idéia de intangibilidade da coisa julgada decorre do legislador ordinário, questão a ser desenvolvida no tópico seguinte.

2 Coisa Julgada e o Direito Processual Civil
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O conceito de coisa julgada encontra-se em alguns dispositivos legais: tem-se previsão no Decreto-Lei nº 4.657/1942 – Lei de Introdução ao

6 THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 19, p. 32-52, set-out, 2002.

7 Sérgio Gilberto Porto entende que a coisa julgada não se protege apenas dos atos do Poder Legislativo, mas também dos atos do Poder Judiciário e Executivo. PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.60.

8 “Art. 2 º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

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Código Civil – LICC, art. 6º, § 3º9, bem como no Código de Processo Civil (CPC), art. 46710.

Importante fazer-se uma consideração: quando se utiliza o termo coisa julgada está-se a referenciar-se à coisa julgada material e não à formal. A primeira consiste na resolução do mérito da demanda, ou seja, no sentido de acolher ou rejeitar o pedido do autor; a segunda, coisa julgada formal, consiste no exaurimento das vias recursais ordinárias ou extraordinárias: pela preclusão temporal11ou consumativa12, pela desistência, ou mesmo pela renúncia expressa a tais vias. Esse esgotamento de vias, e a impossibilidade de impugnação naquele processo, faz com que ocorra o trânsito em julgado da decisão e, caso tenha sido esta de mérito, formará coisa julgada material. Denota-se, portanto, que para que haja a formação da coisa julgada material, previamente, deve ter havido a formação da coisa julgada formal. O contrário, todavia, não é verdadeiro.

A fim de evitar equívocos, no presente trabalho, quando se fizer referência ao instituto da coisa julgada, estar-se-á a tratar da coisa julgada material, e não da formal. Quando se pretender fazer referência a esta última, far-se-á de forma explícita.

Muito divergiu, quiçá ainda diverge a doutrina, acerca do conceito de coisa julgada13. Todavia, há conformidade no entendimento que somente

9 “Art. 6º A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

[...] § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

10 “Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

11 Preclusão temporal dá-se pelo transcurso do prazo sem que a parte interponha o recurso cabível, arcando com a conseqüência processual, no caso prejudicial, pela não prática do ato processual no tempo devido.

12 Preclusão consumativa dá-se quando a parte pratica o ato no tempo processual devido.

13 Enrico Tullio Liebman entende que a autoridade da coisa julgada agrega-se aos efeitos da sentença, distinguindo-se destes, bem como à própria sentença, visando à estabilidade do julgado, LIEBMAN, Enrico Tullio...

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