Juízo de conciliação nos conflitos coletivos de trabalho

AutorJoão Hilário Valentim
Páginas48-68

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Ver Nota1

I- Considerações iniciais

O Processo do Trabalho desde os seus primórdios, sempre primou pelo incentivo à tentativa de conciliação dos conflitos de interesse. Tanto os conflitos individuais, quanto os coletivos sempre foram submetidos à conciliação, é o que consta expressamente no art. 764 da CLT. Destacamos, a propósito, que as atuais Varas do Trabalho eram denominadas de "Juntas de Conciliação e Julgamento" (art. art. 644, letra "c", 647, da CLT, dentre outros), sendo que, além da designação terminológica, a competência definida na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho sempre abarcou,

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dentre outras, a de "conciliar e julgar" os dissídios a ela submetidos (art. 652, letra "a", da CLT). Competência também estabelecida no regramento dos dissídios coletivos de trabalho (art. 860 da CLT)2.

Deste modo, particularmente em relação ao Processo do Trabalho, a conciliação sempre se fez presente3. A realização da tentativa de conciliação está definida de forma expressa na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho e ocorre em momentos específicos no transcorrer do rito procedimental trabalhista, tanto nos conflitos de natureza individual4, nos

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ritos ordinário, sumário e sumaríssimo (arts. 764 e 852-E da CLT e art. 2a, §§ 3a e 4a da Lei n. 5.584/1970), quanto no coletivo5(art. 860 da CLT).

No processo individual a tentativa de conciliação se efetiva no primeiro contato entre as partes no processo, na abertura da audiência, quando o juiz tem o dever de propor a conciliação (art. 846 da CLT). A outra tentativa acontece após o encerramento da fase de instrução e depois da apresentação das razões finais (art. 850 da CLT).

A tentativa de conciliação é também obrigatória nos dissídios coletivos. O art. 860 da CLT determina a realização de audiência conciliatória inclusive nos dissídios instaurados de ofício.

Para além destes momentos processuais específicos, a legislação assegura que conciliação poderá ocorrer em qualquer momento ou fase processual (§ 3a do art. 764 da CLT).

Por estes motivos, ao contrário do que ocorre nos domínios do Processo Civil (arts. 319, VII e 334 do NCPC), nos processos individual e coletivo de trabalho, entendemos ser desnecessário indicar na petição inicial requerimento para a realização de audiência de conciliação ou de mediação, pois esta se efetiva independente da vontade ou do requerimento das partes, pois faz parte do rito procedimental trabalhista, ou seja, é "inerente e essencial ao referido processo"6. O mesmo se diga em relação ao dissídio coletivo (arts. 764 e 860 da CLT). Neste sentido dispõe o art. 2a da IN n. 39/2016, do TST, ao afirmar que não se aplica ao Processo do Trabalho o preceito contido no § 5a do art. 334 do NCPC.

O que não importa em deixar de reconhecer, sobremaneira, os demais avanços do Processo Civil em relação à composição negociada dos conflitos

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e o seu possível reflexo no Processo do Trabalho, cuja atuação, frise-se, sempre estimulou a solução negociada dos conflitos.

O NCPC ao dispor sobre a conciliação e mediação estabelece que estas sejam realizadas por conciliadores ou mediadores compostos e organizados pelo tribunal num centro e constituído por um conjunto de profissionais distintos dos magistrados, observadas as normas ditadas pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça (arts. 139, V; 149; 165 a 175; 334, § 1a; dentre outros, do NCPC).

O texto do NCPC (art. 3a, §§ 2a e 3a) no tocante ao estímulo a conciliação e mediação converge com os esforços do CNJ - Conselho Nacional de Justiça que atua desde 2006 na construção de uma política nacional de conciliação e mediação e no incremento de práticas autocompositivas, organizando o Movimento pela Conciliação "com o objetivo de alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca por soluções mediante a construção de acordos"7.

Dentre as normas editadas pelo Conselho no âmbito de sua competência, destaca-se a Resolução n. 125/2010, que dispôs sobre a "Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário", na qual se reconheceu que a "conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças. Para o CNJ é "imprescindível estimular, apoiare difundira sistematização e o aprimoramento das práticas [conciliatórias] já adotadas pelos tribunais" e a "relevância e a necessidade de se organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos"8.

O Conselho instituiu também, em 2014, o "Comité Gestor Nacional da Conciliação" (Portaria n. 64/2014 e Portaria n. 24/2016) e editou a Recomendação n. 50/2014, que determina aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Federais a realização estudos e ações tendentes a dar continuidade ao Movimento Permanente pela Conciliação9.

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Neste novo contexto de incentivo dos métodos de solução consensual dos conflitos foi sancionada em 29.6.2015 a Lei n. 13.140, denominada de "Lei da Mediação" e que tem por finalidade a regulamentação da mediação judicial e extrajudicial, como meio consensual de solução de conflitos.

No âmbito da Justiça do Trabalho a Presidência do TST - Tribunal Superior do Trabalho aprovou o Ato n. 168/TST-GP, de4.4.2016, que dispõe sobre a mediação e conciliação pré-processual de conflitos coletivos no âmbito do Tribunal, especificamente em relação aos dissídios coletivos de natureza económica, jurídica ou de greve, objetivando valorizar ainda mais a conciliação como forma de solução de conflitos, incentivando o Judiciário Trabalhista a buscar todos os meios adequados e eficientes para a busca da solução conciliatória.

A iniciativa do TST além de estar em consonância com a política nacional de incentivo a composição consensual de conflitos, se coaduna com a história e realidade da Justiça do Trabalho, que sempre valorizou a conciliação processual. Destaque-se, ainda, que possivelmente contribuiu para a edição do Ato n. 168/2016 a experiência vivida pela Vice-Presidência do TST durante o biénio 2014/2016 na solução e prevenção de conflitos coletivos por meio de tratativas pré-processuais, nas quais se procurou evitar, inclusive, o ajuizamento de dissídios coletivos e tentando proporcionar deste modo "a mais ampla pacificação social no âmbito das categorias profissionais e económicas submetidas a tal procedimento"10.

A medida se apresenta como mais uma etapa na tentativa de solução pré-processual dos conflitos coletivos trabalhistas, somando-se as iniciativas de solução consensual "extra" e "endo" processuais já existentes. O Ato n. 168/2016 no âmbito do TST pode estar a inaugurar uma nova perspectiva na solução dos conflitos coletivos de trabalho, ampliando as hipóteses de conciliação dos conflitos laborais.

Importa destacar também que o TST ao aprovara Instrução Normativa n. 39/2016, que dispõe sobre a aplicação das normas do NCPC no Processo do Trabalho, ressalvou no art. 14 da Instrução a possibilidade de aplicação na solução dos conflitos coletivos de natureza económica o disposto no art. 165 do NCPC, que determina que os tribunais criem centros judiciários destinados a solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição e

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por serem organizados e compostos por deliberação do respectivo tribunal, com a observância das normas do Conselho Nacional de Justiça.

Podemos intuir, por conseguinte, que a inovação do TST em instituir o procedimento de mediação e conciliação pré-processual em dissídios coletivos é apenas mais um passo no estímulo à solução dos conflitos coletivos laborais, que possivelmente implicará na adoção futura de outras formas de incremento da solução consensual, a exemplo da criação dos centros judiciários de solução consensual de conflitos na Justiça do Trabalho (art. 165doNCPC).

A solução conciliatória de conflitos coletivos de trabalho é um tema acerca do qual o atual Presidente do TST, Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, tem se dedicado com especial atenção e por ele foi tratado em seu discurso de posse, que destacou: "Tive a sorte de, na Vice-Presidência do TST, conseguir conciliar praticamente todos os dissídios coletivos nacionais, ajuizados ou incoados, por acreditar que a conciliação é a melhor solução, a forma menos traumática de terminar uma lide. E em conciliação, os juizes do trabalho são mestres. Lembro sempre, nesse sentido, da forma como Guimarães Rosa terminava um de seus contos: "E viveram felizes e infelizes misturadamente". Esse é o realismo da conciliação: reduzir expectativas para se chegar ao ponto de equilíbrio justo"11

Como se observa o incentivo às novas formas de solução consensual dos conflitos ganha também relevo e destaque na Justiça do Trabalho, convergindo com as ações empreendidas pelo CNJ no sentido de valorizadas e com os avanços empreendidos pelo NCPC, por certo, naquilo que for compatível com o Processo do Trabalho (art. 769 da CLT).

II-Da solução dos conflitos coletivos de trabalho

Os conflitos são inerentes à sociedade e ao convívio humano, entretanto, é importante procurar superá-los de modo a obter a almejada paz social, necessária a mantença do pacífico convívio social. Várias são as formas de solução dos conflitos, que a doutrina classifica em três categorias distintas, a saber: a autodefesa ou autotutela, a autocomposição e heterocomposição.

A autodefesa é a solução do conflito pela...

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