Os juizados especiais cíveis e o e-process: o exame das garantias processuais na esfera virtual

Autor1.Humberto Dalla Bernardina de Pinho - 2.Márcia Michele Garcia Duarte
Cargo1.Pós-Doutor em Direito (University of Connecticut). Doutor e Mestre em Direito (UERJ). Prof. Adjunto de Direito Proc. Civil (UERJ e UNESA/RJ). Promotor de Justiça Titular/RJ. 2.Doutoranda e Mestre em Direito Público pela UNESA/RJ (ex-bolsista do PROSUP-CAPES). Pós- Graduada em Direito e em Didática do Ensino Supe
Páginas49-65

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1. Considerações iniciais

A pacificação dos conflitos sociais por meio de uma justiça célere foi idealizada desde os povos antigos1, passando por diversas influências e modificações, alcançando o que hoje denominamos de "juizados especiais".

O Juizados são uma realidade tanto na esfera estadual como na federal e foram criados com o propósito de atender às demandas menos complexas, atendendo à determinação imposta pelo Texto Constituinte de 1988. Antes desse novo mecanismo, porém, existiram os denominados "juizados de pequenas causas", cuja nomenclatura, a nosso ver, era equivocada, posto que causas menos complexas não seriam necessariamente causas pequenas.

Os juizados especiais consagram um seguimento do Poder Judiciário destinado a oferecer prestação jurisdicional em demandas de pouca monta e são dotados de peculiaridades e princípios próprios, destacando-se aí a celeridade que se traduz, em suma, no objetivo de rapidez na prestação jurisdicional.

Dentre as regras procedimentais específicas dos Juizados, destacam-se: o desestímulo recursal, com a vedação da interposição de agravo de instrumento e a exigência de preparo no caso de apresentação de recurso inominado; a imposição ao recorrente vencido do pagamento de honorários de sucumbência e das despesas processuais2; a regra procedimental é sincrética; há a imposição dePage 50prazo comum mesmo quando da manifestação pela Defensoria Pública; não há a prerrogativa da intimação pessoal do procurador federal3; as intimações são viáveis por meio telefônico4; além da previsão expressa de poderes de conciliação, transação e desistência deferida aos representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais; não são admitidos embargos de execução e nem a intervenção de terceiros ou a assistência. 5

Para este estudo em especial, destacamos que foi por meio dos juizados especiais que se semeou em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de autos processuais integralmente virtuais, sem o uso de papel. O uso dessa ferramenta virtual mostra-se tão promissor, célere e comprometido com o respeito ao meio ambiente, que é oportunizado até mesmo perante o Supremo Tribunal Federal, que disponibiliza a ferramenta "e-STF", e, com isso, viabiliza-se que a ação judicial tramite em diversos graus de jurisdição integralmente na versão virtual.

Os processos virtuais contam com mecanismos de segurança a fim de evitar que panes e até mesmo hackers possam comprometer a fidelidade e o regular trâmite processual virtual. Essas ferramentas vão desde back-ups às assinaturas digitais, mediante senha pessoal. Com isso, visa-se a assegurar que a tecnologia se faça presente na prestação jurisdicional, resguardando-se, contudo, a promessa de uma justiça preocupada com o fator segurança.

Passada essa análise, impõe-se uma indagação: e quanto às garantias processuais e, antes mesmo disso, e quanto às garantias constitucionais dos litigantes no processo virtual? Propõe-se com este estudo analisar esse aspecto tão relevante e ainda tão pouco discutido, por meio do qual avaliaremos até que ponto as ferramentas virtuais consagram uma manifestação judiciária célere, econômica, justa, equânime, efetiva e razoável.

2. Fundamentos constitucionais do princípio do acesso à justiça

Ao falarmos de juizado especial, não podemos deixar de mencioná-lo como um dos principais veículos por meio do qual o Poder Judiciário se vale na busca por maior facilitação do acesso à justiça.

Vemo-nos diante de inovações tecnológicas, novas problemáticas de massa, globalização e outros fatores que fizeram com que os chamados Novos Direitos surgissem. E com isso, hoje temos a necessidade de prestação jurisdicional de forma mais célere, posto que só assim atender-se-á à sobrecarga de demanda, fruto incontestável dos novos conflitos sociais.

Partindo da observação acerca dessas novéis necessidades, Mauro Cappelletti6 inaugurou as denominadas "Ondas Renovatórias do Direito Processual" e, com isso, pensou numa estruturaPage 51processual que visasse a conferir regras menos formais e mais comprometidas com as necessidades sociais, fornecendo soluções adequadas para manutenção da ordem no Estado Democrático de Direito.7

Eis que surgem na ordem jurídica processual outros caminhos para a desobstrução das vias jurisdicionais então existentes. Foram eles a tutela de interesses metaindividuais (ação civil pública e mandado de segurança coletivo, entre outros) e a simplificação de procedimentos, aperfeiçoamento de dispositivos legais tudo em prol de minimizar as delongas processuais.

Num momento seguinte a essas primeiras vertentes, iniciou-se a denominada "Reforma do Poder Judiciário", que falaremos mais adiante. Neste momento do estudo, é importante darmos seguimento aos pensamentos de autores que manifestaram a preocupação com a segurança da prestação jurisdicional célere conjugada com o acesso à justiça.

Nessa linha também se manifestou Paulo Cezar Pinheiro Carneiro8, que, por meio de suas sábias palavras, propôs um re-estudo da garantia constitucional do acesso à justiça na sistemática processual brasileira, por meio do qual considerou quatro grandes princípios a reger o acesso à justiça. São eles os princípios da acessibilidade, da operosidade, da utilidade e da proporcionalidade. Só assim, afirma, o acesso à justiça restará pautado na constitucionalidade.

Sintetizamos cada um dos princípios: a) acessibilidade – possibilita a efetivação de direitos individuais e coletivos, por meio de utilização adequada dos instrumentos jurídicos por sujeitos capazes, usufruindo de o direito à informação e sem obstáculos de qualquer natureza; b) Operosidade – divide-se em subjetividade e objetividade. A primeira clama pela atuação ética de todos os sujeitos do processo que devem zelar pela efetividade processual. Já a segunda refere-se à utilização correta dos meios processuais, buscando a verdade real e a conciliação; c) utilidade – refere-se ao menor sacrifício para o vencido, porém nisso considerando-se o recebimento pelo vencedor da forma mais rápida e proveitosa possível, com celeridade e segurança, binômio que comporta, por exemplo, a fungibilidade da execução, notadamente em relação ao direito consumerista, a limitação de incidência de nulidades e o alcance subjetivo da coisa julgada, sobretudo nas ações coletivas; d) proporcionalidade – deverá ser considerada pelo julgador quando da ocorrência de conflito, em orientar-se sempre no objetivo de resguardar o direito mais valioso e o maior número de pessoas.

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Considerados os princípios acima, notadamente no tocante aos Juizados, entendemos serem louváveis as mutações que vêm sendo impelidas ao processo civil brasileiro, mas destacamos que essas deverão coadunar-se às novas necessidades sociais, entretanto sem perder a sua efetividade, pois, só assim poderão contribuir para diminuir o nível da tensão social, promovendo a paz e o bem comum na sociedade. 9

Feita essa análise, seguimos com a observação de que se torna impossível dissociar a atividade jurisdicional exercida por meio do microssistema (Juizados), dos princípios constitucionais do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana, tão relevantes ao estudo que propomos, e encerramos essa breve análise do acesso à justiça à luz da constituição, para passarmos aos juizados especiais desde o seu nascedouro, embora recebendo outra denominação, mas sempre visto como uma forma diferenciada de tratar de lides específicas e de menor monta.

3. Celeridade: Dos tempos remotos à contemporaneidade

Como mencionamos no início deste estudo, recentemente estabeleceu-se que o Governo deveria se empenhar na "Reforma do Poder Judiciário", marcada pelo denominado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano10.

Mobilizaram-se os Três Poderes com o fito de se chegar a uma solução que atenda aos anseios sociais em relação à justiça. As propostas inseridas naquele documento determinaram a priorização na apreciação de projetos de lei, cujos textos se destinassem a conferir ampliação ao acesso à justiça e à maior rapidez na resposta jurisdicional.11

O referido acordo entre os Três Poderes gerou impactos no ordenamento jurídico por meio de importantes modificações, como por exemplo, a alteração de diversos dispositivos do trintenário Código de Processo Civil. Explanou-se que haveria um compromisso de implementação da reformaPage 53constitucional do Judiciário bem como a reforma do sistema recursal e dos procedimentos, além da determinação para que a agenda parlamentar incluísse os projetos de lei que objetivassem a regular e a incentivar a informatização dos processos (e-process).

Essa preocupação governamental em criar mecanismos que conferissem prestação jurisdicional de modo mais célere já foi objeto de discussões em períodos históricos anteriores. Desde os tempos dos visigodos12, com a criação do Código Visigótico, inicialmente denominado Lex Roamana Visigotorum, que foi a primeira legislação a vigorar na Península Ibérica após o Domínio Romano, já havia a preocupação com a morosidade da Justiça. Aquele Código distinguia duas formas de demandas. Eram os chamados "pleito de grandes coisas" e "pleito de pequenas coisas".

No Século XIV, o Reinado Português demonstrou que as demandas que não se resolvessem num prazo razoável acarretariam prejuízos às partes. As Ordenações do Reinado de Afonso IV dispunham que as delongas geravam prejuízos aos reinos, e nos processos que se faziam de forma diversa, isto é, não fossem ágeis, alguns perderiam seus direitos e venceriam aqueles que deveriam ser vencidos13.

No Brasil aplicaram-se as Ordenações Manuelinas nos Séculos XVIII e XIX, cujos julgadores para...

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