O juiz contra a parede
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 661 I DEZ19/JAN20
O JUIZ CONTRA A PAREDE
Em outubro, nove pessoas obtiveram li-
berdade de quatro juízes de Goiás. A de-
cisão teria sido tomada com base na lei
de abuso de autoridade recém-aprova-
da pelo Congresso Nacional. Sobre os presos
pesavam acusações de homicídio, tráfico de
drogas, roubo, furto qualificado, desobediên-
cia, resistência e ameaça.
A nova lei, como é sabido, só entra em vi-
gor em janeiro de 2020, porém temendo pelo
mal, os magistrados acharam por bem soltar
os acusados. Tudo para que eles, os juízes, não
fossem inculpados pela letra da legislação que,
aliás, foi sancionada pelo presidente da Repú-
blica com 19 vetos, estes estrepitosamente der-
rubados pelo Senado à guisa de impor freios
ao que chamam de transgressões flagrantes
de servidores públicos alocados nos três pode-
res: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Juízes, magistrados e ministros da corte
trataram de cerrar fileiras contra a lei, acu-
sando-a de produzir insegurança jurídica.
Apontaram para os respingos na economia
claudicante, as trovoadas sobre a cabeça de
investidores, a chuva a cântaros no estado de-
mocrático de direito e, no que lhes diz respei-
to diretamente, à “independência funcional”.
É o caso do artigo da juíza paranaense Ra-
phaella Benei da Cunha Rios, publicado nesta
edição, que analisa a lei de abuso de autoridade
não apenas no que ela traz in verbis, mas tam-
bém nas suas entrelinhas. O que ela enxerga
não é auspicioso. De um lado pelo seu viés in-
timidante, de outro pela redundância. De fato,
a lei de abuso de autoridade pretende coibir
ações que já são proibidas, como invasão de
domicílio sem que haja determinação judicial,
ou manter presos de ambos os sexos em uma
mesma cela, ou instalar interceptação telefôni-
ca sem o devido consentimento de um juiz.
Afirme-se, para que não paire dúvida, que a
Lei 13.869/19 tem méritos. Um deles é conter a
chamada “arrogância do poder”. Os casos são
tão frequentes que, pasme, foram assimilados
pela sociedade a ponto de se tornarem monó-
tonos.
Outra nota de elogio refere-se à desobe-
diência orquestrada pelo Senado ao fazer va-
ler o poder da casa e derrubar os numerosos
vetos do presidente ao texto original. Foi uma
resposta ímpar e, convenhamos, rara.
Talvez seja esta a grande novidade na vida
política do país: a descoberta por parte de al-
guns que não há um cordão umbilical a ligar
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O
filósofo francês Montesquieu, que formulou
a célebre tripartição de poderes, disse certa
vez: “Todo homem que tem o poder é tentado
a abusar dele. É preciso que, pela disposição
das coisas, o poder freie o poder.” Eis um pen-
samento que, a partir de 2020, será devida-
mente colocado em prática.
***
A capa desta edição aborda a novela da
guerra fiscal entre os estados, que parece
ganhar novos capítulos com a proposta em
debate no governo federal e no Congresso
Nacional de unir, sob o mesmo guarda-chuva,
tributos como o , a , o e o . So-
bre a reforma da previdência, cabe aqui um
autoelogio: ao destacar o tema na Revista Bo-
nijuris de outubro/novembro nos cercamos
de todas as garantias para que, mesmo sem o
aval do Senado Federal, que ainda discutiria a
reforma em segundo turno, garantíssemos o
que de essencial, histórico e, tal como foi gra-
fado, revolucionário a 06/2019 continha.
Ou seja, a adoção da idade mínima como re-
quisito fundamental nas aposentadorias. Foi
um risco assumido, mas a bem do leitor.
Boa leitura!
EDITORIAL
Rev-Bonijuris_661.indb 3 14/11/2019 17:44:07
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