Juízo de admissibilidade

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas74-91

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6.1. Noções gerais

Assim como para o julgamento do mérito na sentença se faz necessária a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação, no recurso, para o julgamento do mérito, impõe-se a presença de certos requisitos que se convencionou denominar condições de admissibilidade ou pressupostos recursais.

6.2. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito

Chama-se juízo de:

a) admissibilidade - a atividade em que se examinam as condições de admissibilidade dos recursos (pressupostos recursais);

b) mérito - a atividade em que se examinam as alegações de erro de procedimento (desrespeito à forma: error in procedendo) e de julgamento (injustiça da decisão: error in judicando).108

6.3. Juízo de admissibilidade - precedência cronológica e lógica

O juízo de admissibilidade, cronológica e logicamente, precede o juízo de mérito (CPC, 560 e 561). Daí a razão pela qual as condições de admissibilidade dos recursos (pressupostos recursais) são preliminares deste.109 Por preliminar compreenda-se o ponto ou questão que:

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- não goza de autonomia;

- condiciona, mas não influencia, a apreciação do ponto ou questão posterior.110

Desse modo, examina-se primeiramente se o recurso é admissível. Admitido o recurso, abre-se a via recursal e passa-se ao exame do mérito para verificar se é fundado. Não admitido o recurso, fecha-se a via recursal não podendo o órgão julgador examinar o mérito.111

6.4. Preliminares e mérito do recurso

Questão muito mal compreendida, especialmente no âmbito dos tribunais (por conta da redação do art. 560 do CPC),112 diz respeito à identificação das preliminares e do mérito do recurso.

Preliminar é espécie de questão prévia, cuja presença ou ausência pode dispensar ou inviabilizar o julgamento do mérito.113

Mérito (meritum - do verbo latino mereo, merere) "é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. Etimologicamente mérito é a exigência que", por meio "da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame"114 (pedidos mediato e imediato).115

Mérito do recurso, portanto, é a pretensão (o pedido) que o recorrente dirige ao tribunal.116 Essa pretensão pode, ou não, coincidir com o mérito da demanda

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(mérito da causa).117 Daí a razão pela qual algumas matérias que na sentença são tratadas como preliminares, no recurso, passam a constituir o mérito deste.118

Exemplifico:

a) se o recorrente pede reexame do capítulo da sentença que decidiu o pedido de pagamento de indenização por danos morais, este será o mérito do recurso. No caso, haverá coincidência entre o mérito do recurso e o mérito da demanda (mérito da causa);

b) se o recorrente pede reexame do capítulo da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito (pela falta de pressuposto processual ou de condição da ação), este será o mérito do recurso. No caso, não haverá coincidência entre o mérito do recurso e o mérito da demanda (mérito da causa). O tema que na sentença foi tratado como preliminar, no recurso, constitui mérito. Conhecido o recurso, o tribunal, no mérito, dará ou negará provimento;

c) se o recorrente pede ao tribunal que anule a sentença por ter havido cerceamento de defesa, este será o mérito do recurso.119 No caso, não haverá

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coincidência entre o mérito do recurso e o mérito da demanda (mérito da causa).120

Conhecido o recurso, o tribunal, no mérito, dará ou negará provimento;

d) se o recorrente pede ao tribunal que anule a sentença por ter havido cerceamento de defesa e, não o fazendo, que reexamine o capítulo de indenização por danos morais que fora julgado improcedente (e vice-versa), ambos constituirão o mérito do recurso. "O fato de a primeira dessas pretensões ter natureza preliminar quanto ao processo não significa que ela seja, também, com referência ao recurso, uma preliminar";121

e) se o recorrente pede ao tribunal que destranque recurso não recebido no primeiro juízo de admissibilidade, este será o mérito do recurso. Vale acrescentar, aliás, que, no recurso de agravo de instrumento (CLT, 897, b), o mérito do recurso nunca coincidirá como o mérito da demanda (mérito da causa);

f) se o tribunal, de ofício, constatar a nulidade da sentença ou a falta de pressuposto processual, seu julgamento será de mérito,122 uma vez que essas matérias lhe são transferidas por força do efeito translativo dos recursos (infra, n. 10.3).

Se o recurso, então, é o remédio processual destinado à impugnação de decisões judiciais, digam ou não respeito ao mérito da demanda (mérito da causa), preliminares são, unicamente, os pressupostos recursais.123 Tudo o mais constitui mérito do recurso.124

6.5. Competência para o juízo de admissibilidade

A regra geral, de acordo com o sistema recursal trabalhista, é a da interposição do recurso perante o mesmo órgão jurisdicional que proferiu a decisão impugnada.125

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Assim, se a competência para o julgamento do recurso for:

a) do mesmo órgão prolator da decisão impugnada - em ato único fará o juízo de admissibilidade e, sendo o caso, emitirá o juízo de mérito;

b) de órgão distinto do prolator da decisão impugnada - em atenção à tempestivi-dade processual e com escopo de facilitar os trâmites procedimentais, haverá dois juízos de admissibilidade:

- o primeiro deles, chamado de juízo de admissibilidade a quo - é proferido pelo órgão prolator da decisão impugnada. Trata-se de juízo de admissibilidade diferido e precário, uma vez que apenas o órgão recursal possui competência para decidir com caráter absoluto a esse respeito;

- o segundo deles, chamado de juízo de admissibilidade ad quem - é exarado pelo órgão competente para julgar o recurso.

6.6. Juízo de admissibilidade positivo e negativo

O juízo de admissibilidade é:

a) positivo - quando estiverem presentes os requisitos de admissibilidade recursal. Nesse caso, investe-se o órgão recursal do poder de examinar o mérito do recurso;

b) negativo - quando faltar quaisquer dos pressupostos recursais. Nesse caso, não se investe o órgão recursal do poder de examinar o mérito do recurso.

6.7. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito - linguagem técnica

A técnica do direito brasileiro distingue terminologicamente o resultado dos juízos de admissibilidade e de mérito, a fim de atribuir cientificidade aos fenômenos processuais.

Desse modo:

a) se no primeiro juízo de admissibilidade se chegar à conclusão de que:

- estão presentes os pressupostos recursais (juízo de admissibilidade positivo) - utilizar-se-ão as expressões: receber o recurso, dar seguimento ao recurso;

- não estão presentes as condições de admissibilidade (juízo de admissibilidade negativo) - utilizar-se-ão as expressões: não receber o recurso, deixar de receber o recurso, denegar seguimento ao recurso, negar seguimento ao recurso.

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b) se no segundo juízo de admissibilidade se chegar à conclusão de que:

- estão presentes os pressupostos recursais (juízo de admissibilidade positivo) - utilizar-se-ão as expressões: conhecer o recurso, conhecer do recurso, admitir o recurso;

- não estão presentes as condições de admissibilidade (juízo de admissibilidade negativo) - utilizar-se-ão as expressões: não conhecer o recurso, não conhecer do recurso, não admitir o recurso.

c) se no exame do mérito concluir-se pelo:

- acolhimento dos fundamentos do apelo - utilizar-se-á a expressão: dar provimento ao recurso;

- pelo não acolhimento dos fundamentos do apelo - utilizar-se-á a expressão: negar provimento ao recurso.

6.8. Reexame do juízo de admissibilidade positivo proferido no órgão a quo

O juízo a quo poderá reexaminar a admissibilidade recursal. De acordo com o parágrafo único do art. 518 do CPC, "apresentada a resposta, é facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso".

Duas, entretanto, são as dúvidas que emergem da literalidade do dispositivo legal mencionado:

a) o juiz poderá reexaminar as condições de admissibilidade recursal antes da apresentação das contrarrazões?

A despeito da expressão "apresentada a resposta", não há razão para impedir o juiz de reexaminar os pressupostos de admissibilidade do recurso (que são de ordem pública) antes da apresentação das contrarrazões.126 A interpretação literal do art. 518, parágrafo único, do CPC conduziria até mesmo ao absurdo de impedir o juiz de reexaminar os pressupostos de admissibilidade caso o recorrido deixasse de apresentar contrarrazões.

b) é possível o reexame do juízo de admissibilidade negativo?

O reexame do juízo de admissibilidade negativo poderá ser provocado pelo recorrente mediante a interposição do recurso de agravo por instrumento (CLT, 897, b) ou por simples petição (a qualquer momento), bem como poderá ser procedido de ofício pelo juiz, uma vez que os pressupostos de admissibilidade do recurso são de ordem pública.

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6.9. Não vinculação do...

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