José Mauro de Vasconcelos: o intérprete e as traduções do Brasil

AutorAndréa Borges Leão
CargoDoutora em Sociologia e Pesquisadora do CNPq
Páginas141-168
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p141/
141141 – 168
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José Mauro de Vasconcelos: o
intérprete e as traduções do Brasil
Andréa Borges Leão1
Resumo
Este ensaio aborda a vida e a obra do escritor José Mauro de Vasconcelos e tem o triplo objetivo
de discutir comparativamente as lógicas de nacionalização e internacionalização da produção
literária juvenil, os deslocamentos e inscrições operados na trajetória do autor e as correspondên-
cias entre a sua obra traduzida e os horizontes de expectativa dos leitores brasileiros, franceses
e hispano-americanos. As contingências e escolhas no exercício aparentemente desconexo da
profissão em José Mauro, intelectual que jamais alcançaria a altura do cânone, dão conta dos
polos antagônicos que vão interagindo no espaço literário e orientando a indústria do livro, por
todo o século XX: entre passeurs e guardiões das fronteiras nacionais, entre literatura tradicional
erudita e literatura estrangeira popular massiva.
Palavras-chave: José Mauro de Vasconcelos; Indústria editorial juvenil; Tradução literária; Lite-
ratura popular massiva; Nacional e transnacional popular.
Introdução
Sentidos e direções da circulação cultural
No início da década de 1970, a circulação do best-seller O meu pé de
laranja lima, entre outros romances de José Mauro, inscreve-se no desen-
volvimento da indústria do livro produtora de padrões universais que jus-
ticam a exportação mundial da literatura − antes mesmo da telenovela –
num país de língua portuguesa, periférico e historicamente importador. Os
1 Andréa Borges Leão é Doutora em Sociologia e Pesquisadora do CNPq. É professora do Departamento de
Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará.
E-mail: aborgesleao@gmail.com
José Mauro de Vasconcelos: o intérprete e as traduções do Brasil | Andréa Borges Leão
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deslocamentos e inscrições operados na trajetória do autor, tendo em vista
as correspondências entre a sua obra traduzida e os horizontes de expectativa
dos leitores brasileiros, franceses e hispano-americanos,2 acabam por elucidar
lógicas de nacionalização e internacionalização da produção literária juvenil.
Este artigo situa as reivindicações de independência e autonomia da litera-
tura brasileira no movimento da circulação transnacional da cultura. Tem o
propósito de analisar a vida e a obra do escritor José Mauro de Vasconcelos
sob o ângulo das trocas e transferências entre nações literárias.
Hoje, em tempos de fusões e de aquisições no mercado editorial globa-
lizado, o best-seller traduzido deixou de ser um problema na literatura para
crianças e jovens. A própria ideia da construção de um espaço autônomo
de escrita e publicação da cção nacional, desde nais do século XIX, es-
teve confrontada à inevitável presença do clássico traduzido, seja como re-
ferencial estético assimilado ou rejeitado, objeto de troca intercultural, ou
auxílio na constituição de fundos editoriais. Todas essas atribuições foram
essenciais para o nascimento da indústria do livro.
Livros vertidos ao transitarem entre espaços nacionais diferenciados e
economicamente assimétricos armam, acima de tudo, a dimensão uni-
versal da literatura. Nos movimentos de transferência, a pretensão de um
universal literário se apresenta ao mesmo tempo como estética textual e
produto impresso. Por todo o século XX, em que se desenvolve a cultura
de massa, os temas e padrões universais são produzidos pela via do entrete-
nimento, do romance de aventura e do romance sentimental. Para muitos
leitores aprendizes, os Contos de fadas de Charles Perrault, de Adensen e os
dos irmãos Grimm, o Robson Crusoe e o D. Quixote são as primeiras formas
de acesso à cultura impressa, senão ao audiovisual e/ou digital, indepen-
dentemente da história nacional das obras. Do ponto de vista das práti-
cas de leitura, os critérios de denição dos clássicos universais dependem
igualmente das circunstâncias e disposições dos destinatários − as condi-
ções variadas de apropriação (CHARTIER, 2014). A existência de referên-
cias comuns entre leitores de diversos países e continentes é o que cria o
nexo e acaba por eleger as histórias e heróis estrangeiros como preferidos.
Assim se passou com O meu pé de laranja lima.
2 Nos limites, abordo apenas a tradução e a recepção da obra do autor no Brasil, França e Argentina.

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