John Rawls e a concepção contemporânea de justiça distributiva

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho
Páginas35-47

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A concepção contemporânea de justiça distributiva vai ser rmada a partir da teoria da justiça desenvolvida por John Rawls chamada de Justiça como equidade que aqui vou apresentar em separado79 pois julgo importante deli near ao menos seus aspectos principais para melhor compreensão das teorias que serão por mim utilizadas a seguir de Dworkin e Sen80.

Para Rawls a justiça é a primeira virtude das instituições sociais pelo que caso injustas mesmo leis e instituições e cientes e bem organizadas devem ser eliminadas assim como nem todo o bem estar da sociedade pode justi car a violação da liberdade de uma pessoa81.

Isso já deixa claro que para Rawls o resultado e que é decorrente da concepção de bem ainda que seja da própria comunidade não pode sobrepor se à concepção do que é justo

Firma também o entendimento de que para Rawls o indivíduo singu larmente considerado tem uma importância primordial no estabelecimento de sua teoria e mais restritamente para os princípios de justiça que estabe lece não podendo os direitos básicos que serão reconhecidos ser afetados a partir da consideração de que isto é melhor para a comunidade ou para partes dela.

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Já o objeto da justiça para o autor é a estrutura básica da sociedade a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social 82.

Observe se que para Rawls as instituições mais importantes são a constituição política e os principais acordos econômicos e sociais e que elas consideradas em conjunto além de de nirem os direitos e deveres dos indivíduos in uenciam seus projetos de vida 83.

O autor trabalha então em um ambiente limitado e isso se justi ca pelo seu entendimento de ser este o ambiente ideal para o estabelecimento de sua teoria.

É por isso que se observa que Rawls em relação ao objeto da justiça primeiro discute uma concepção de justiça a partir de um sistema fechado no sentido de isolado de outras sociedades Da mesma forma ao examinar os princípios de justiça Rawls não trabalha com toda e qualquer sociedade pelo contrário sua teoria pressupõe uma sociedade razoavelmente organizada ou bem ordenada em suas palavras84.

Esses cortes a propósito são feitos em sua teoria da justiça diversas vezes como será visto mais à frente em relação aos chamados indivíduos representa tivos É a forma que Rawls encontra para sustentar uma ideia que ele entende car dessa forma mais precisa

Justiça como equidade signi ca que os princípios de justiça seriam acor dados em uma situação inicial de igualdade85 ou seja que esses princípios seriam considerados eles próprios o objeto de um acordo original em uma situação inicial adequadamente de nida 86.

Segundo Rawls esses princípios são os que pessoas livres e racionais preocupadas em promover seus próprios interesses aceitariam numa posi ção inicial de igualdade como de nidores dos termos fundamentais de sua associação"87.

A justiça como equidade é uma teoria contratualista sendo que o objetivo de Rawls foi também o de elaborar uma teoria alternativa principalmente ao utilitarismo em suas diversas versões

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A respeito do contratualismo Rawls depois de dizer que sua tentativa foi de generalizar e elevar a uma ordem mais alta de abstração a teoria tradicional do contrato social representada por Locke Rousseau e Kant 88 deixa claro

que sua teoria não corresponde a uma teoria contratualista completa pois se ocupa no mais das vezes somente dos princípios de justiça não discutindo todas as virtudes de forma sistemática89.

A propósito do contrato em Rawls Roberto Gargarella que o denomina de contrato peculiar ou de contrato hipotético a rma que o proposto por Rawls nasce diferente por exemplo do que foi feito por Hobbes em relação à ideia de igualdade pois nesse caso o que interessa a Rawls não é o igual poder do ponto de vista físico capaz de nos forçar a rmar um contrato mutuamente bené co mas a igualdade no plano do status moral que desenvolveria nos indivíduos uma preocupação com a imparcialidade pelo fato de se consi derarem imparcialmente as preferências e interesses de cada um 90.

Já para Álvaro de Vita o contrato na teoria da justiça de Rawls tem ainda que o próprio Rawls a rme de forma diversa papel bem limitado É que para Vita o ponto de partida de Rawls não é uma situação contratual imaginária mais sim uma hipótese tendo a motivação das partes a característica de ser prudencial Conforme Vita Rawls supõe que as democracias contemporâneas já são dotadas de determinados valores como a liberdade e a igualdade que permitiriam a escolha de princípios de justiça91.

Esses estranhamentos manifestados em relação à posição claramente ex pressada por Rawls de ser sua teoria uma teoria contratualista penso decorrem do fato de que Rawls usa a ideia de contrato para simbolizar o consenso dos indivíduos em relação aos princípios que ele julga seriam escolhidos para re gular a estrutura básica da sociedade de forma hipotética em dado momento considerando condições especí cas

Relativamente ao utilitarismo Rawls em diferentes momentos de Uma teoria da justiça registra que seu objetivo é formular teoria que sirva como alternativa para essa doutrina92.

A propósito do utilitarismo ensina Álvaro de Vita que

O utilitarismo é uma teoria ética teleológica isto é uma teoria que de ne o que é correto ou justo fazer em função de uma concepção da

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boa vida humana Essa concepção no caso do utilitarismo é vazia de conteúdo próprio já que resulta da agregação de preferências e desejos de facto dos agentes sem que a motivação ou a validade dessas preferências e desejos sejam colocadas em questão 93

Já Will Kymlika indica que na forma mais singela o utilitarismo a rma que o ato ou procedimento moralmente correto é aquele que produz a maior felicidade para os membros da sociedade 94 Mais adiante o mesmo autor a rma que no utilitarismo as preferências dos indivíduos não são satisfeitas quando contrárias ao que maximiza a utilidade de maneira geral 95.

Essas duas passagens mais a anterior de Álvaro de Vita deixam claras algumas questões próprias do utilitarismo a predominância do bem sobre o justo sendo o resultado o que indica o ato como moralmente correto bem como o fato de que no utilitarismo as preferências dos integrantes dos grupos minoritários são ignoradas desde que se maximize a utilidade e se contemple a maior parte dos indivíduos

É o que acontece por exemplo quando um governo a rma normalmente de forma triunfante que a medida que vai adotar possibilitará por exem plo que das crianças tenham educação básica Aparentemente tem se aqui uma boa medida pois a maioria das crianças será alfabetizada O pro blema é que em verdade o que se está a dizer é que por causa da medida adotada para cumprir uma obrigação essencial do Estado de todas as crianças serão excluídos do direito de ter educação formal normalmente as mais necessitadas

Voltando a Rawls este rejeita o utilitarismo por diversos argumen tos podendo ser citado o fato de o utilitarismo ao contrário da justiça como equidade que a rma que os princípios de justiça são objeto de um consenso original estender à sociedade o princípio da escolha feita por um único ser humano Para Rawls não há sentido em haver a regulação de uma associação de pessoas em uma sociedade plural e em que as pessoas têm interesses distintos a partir da extensão do princípio de escolha para um único indivíduo 96.

De outro lado Rawls se opõe diretamente ao que já foi mencionado aqui linhas atrás que no utilitarismo o bem é especi cado independente mente do justo e em que este o justo é maximizador do bem propondo ao

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contrário uma teoria deontológica em que ocorre o inverso há prioridade do justo sobre o bem97.

Retornando aos princípios de justiça na justiça como equidade eles são escolhidos na posição original que corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social

A posição original a propósito como explicada por Rawls é uma posição hipotética98 e deve ser entendida como momento inicial em que a partir de determinadas condições seriam escolhidos os princípios de justiça

Nesse sentido o que Rawls faz é utilizar esse recurso que ele denomina de posição original para demonstrar quais os princípios que seriam escolhi dos pelos indivíduos para reger a estrutura básica da sociedade a partir de determinadas condições

Caso se queira ver isso de forma ainda mais pragmática pode se dizer que o que Rawls faz é criar um ambiente imaginário hipotético e que serve de base para que ele indique quais em sua visão são os princípios que ele imagina adequados para reger as principais instituições sociais e que revelam a escolha de dois grandes ideais políticos a liberdade e a igualdade

Revelam também uma opção pelo indivíduo ou melhor dizendo por todos os indivíduos pois a concepção desenvolvida por Rawls não aceita que um ser humano sobrepuje outro condenando ainda desigualdades que impor tem em prejuízos aos demais ou ao menos aos que são menos favorecidos

Na posição original as partes estão cobertas pelo véu da ignorância o que signi ca que elas não sabem como as várias alternativas irão afetar o seu caso particular e são obrigadas a avaliar os princípios unicamente com base nas considerações gerais 99.

Para Gisele Ci adino o véu da ignorância garante a imparcialidade da concepção política de justiça 100 Isso porque os indivíduos representati vos como Rawls os denomina101 não conhecem sua situação pessoal o que

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pressupõe que os princípios serão adotados de forma imparcial uma vez que a escolha destes ocorrerá de forma alheia à experiência dos indivíduos

Eles os indivíduos não saberão por exemplo se são ricos ou pobres qual seu nível educacional seu gênero sua cor etc condições que dependendo dos princípios escolhidos poderiam no mundo real ser prejudiciais aos próprios indivíduos responsáveis pela escolha dos princípios

Isso ca claro em duas passagens...

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