Is legal education alienating?/O ensino juridico e alienatorio?

AutorSiquiera, Carlos Eduardo Pereira
CargoBibliografia

Introducao

O presente artigo se trata da problematizacao de caracteristicas da educacao juridica em seu paradigma legal formalista dominante, acompanhado de analise de pesquisa empirica qualitativa desenvolvida sobre o estagio curricular de pratica juridica. Com as verificacoes de campo a respeito da atividade curricular de Estagio de Pratica Juridica Civil da Universidade Federal de Sergipe, buscou-se, nesta oportunidade, entender se o ensino juridico como um todo e alienatorio.

Para isso, foi realizada pesquisa bibliografica sobre a educacao (tendo Paulo Freire como ponto de partida), com enfoque especial para o nivel universitario, bem como sobre o direito e sobre o ensino juridico, relacionando esses fenomenos com a categoria marxiana da alienacao. Assim, em contato com as analises de diversos estudiosos do ensino do direito, foi possivel esquadrinhar se as dinamicas da educacao juridica sao ou nao alienatorias e/ou (des)comprometidas com a emancipacao dos educandos.

Ao final, as constatacoes advindas da pesquisa empirica realizada foram apresentadas como pertencentes a um contexto mais amplo de ensino juridico praticado no pais. Importa, nesse sentido, esclarecer de que modo tal pesquisa foi concebida e qual o metodo nela adotado.

A investigacao de campo ocorreu com observacao de atividades desenvolvidas no Forum Professor Goncalo Rollemberg Leite, situado dentro do Campus Universitario Professor Jose Aloisio Campos, sede da Universidade Federal de Sergipe (UFS). As atividades se referem aos estagios curriculares obrigatorios em direito civil do curso de Direito daquela Universidade, compreendendo dois componentes do projeto pedagogico do curso: "estagio de pratica juridica civil I" e "estagio de pratica juridica civil II".

Assim, a pesquisa objetivou descobrir, com estudantes e demais atores que participaram da pratica juridica civil II no segundo semestre de 2014 e da pratica civil I no primeiro semestre do mesmo ano, como esses estagios estao inseridos no processo de formacao academica de estudantes de Direito. Em outras palavras, objetivou-se entender como a pratica dialoga com a educacao superior em Direito na UFS, considerando as diretrizes do projeto politico pedagogico e a praxis a que os estudantes estao submetidos. Em resumo, sintetizou o objeto da investigacao a pergunta: como se realiza a pratica juridica civil enquanto elemento de formacao superior de estudantes de Direito da UFS? Para a aproximacao ao cerne da pesquisa, fez-se necessario estabelecer como perguntas perifericas (sempre com a atuacao estudantil como ponto de partida): O que e a atividade pratica? Para que serve? Como se da?

Nesse sentido, foram realizadas entrevistas (1) com dezesseis (2) estudantes (3) que concluiram o estagio de pratica juridica civil I no semestre 2014.1 e, por consequencia, passaram para o estagio civil II no semestre de 2014.2. Essas entrevistas foram pautadas em perguntas abrangentes sobre a atuacao na pratica juridica e o funcionamento do Nucleo (4).

Frise-se que o criterio para a reducao do universo da pesquisa a pratica juridica desempenhada por discentes entao matriculados na pratica civil II e que necessariamente cursaram a pratica civil I no semestre anterior se justifica pelo fato de serem eles os mais aptos a contribuir com a pesquisa. Contavam com a experiencia recente e conheciam a dinamica desse componente curricular. Alem disso, no semestre de realizacao da pesquisa, nao fora ofertado o estagio de pratica juridica civil I. Por outro lado, tambem nao se considerou possivel buscar estudantes que ja tinham passado pela pratica ha algum tempo, devido a dificuldade de acessa-los.

Para alem, e relevante o fato de que as atividades no Forum passaram por momentos interruptos de funcionamento, com ultimo reinicio apenas em 2013. Como nao foi o cerne da pesquisa a descoberta dos acontecimentos historicos da pratica juridica da Graduacao em Direito, ela esteve restrita as dinamicas contemporaneas de formacao de estudantes de Direito.

Apesar de o enfoque do trabalho de campo ter sido a atuacao estudantil--ja que os estudantes sao os protagonistas do processo educacional e, como ensina Meszaros (2006, p. 172), "A educacao e uma questao inerentemente pessoal, interna; ninguem pode educar-nos sem nossa participacao ativa no processo"--, conversas foram mantidas com professores e defensores, ja que a pratica juridica funciona em convenio com a defensoria.

As observacoes de campo foram do tipo participante, notadamente no que se refere a interacao com os estudantes, dado que o pesquisador os acompanhou de perto e participou das atividades. O contato com os colegas ocorreu do modo mais natural possivel, pautado na informalidade (tanto na linguagem quanto na postura), mas sem invadir a esfera de autonomia deles. As visitas, por sua vez, aconteceram nos dias 18, 21 e 25 de novembro de 2014 (5).

Utilizou-se tambem a metodologia antropologica. O uso desse metodo foi inspirado no modelo pedagogico descrito por Paulo Freire em "Pedagogia do Oprimido" (1987), uma vez que, como dito, priorizou a atuacao dos protagonistas da pesquisa, daqueles que constroem o fenomeno analisado, buscando pautar as descobertas a partir das experiencias dos proprios atores. Assim, fincado numa relacao horizontal com todos os participantes e com especial enfoque para a atuacao estudantil, realizou-se uma pesquisa em contato direto com os participantes da dinamica estudada, compreendendo suas acoes e interacoes como parte de uma realidade com modo de operar proprio.

Feitas tais consideracoes, resta esclarecer que, neste artigo, apenas algumas partes da pesquisa empirica foram utilizadas, notadamente as analisadas sob o enfoque da alienacao. Com isso, construiu-se este texto em tres etapas. Na primeira, apresentou-se o que se compreende por educacao em paralelo a atual realidade do sistema educacional, com atencao prioritaria para o nivel superior de ensino, ao passo em que se apresentou sua possivel relacao com a alienacao. Na sequencia, o problema da alienacao foi confrontado com a racionalidade do direito vigente e com o ensino juridico. Por fim, foram trazidas consideracoes quanto a pesquisa de campo ja apresentada.

  1. Educacao, universidade e alienacao

    Falar em educacao nunca foi tarefa facil. Educar, ensinar, orientar, facilitar. Eis alguns exemplos de verbos utilizados em diferentes contextos (ou mesmo como sinonimos) para significar o ato de viabilizar o acesso a informacoes/conhecimentos. Porem, neste estudo, nao e qualquer acumulo informacional que e considerado como atributo da educacao, mesmo que se de no ambito de organizacoes estabelecidas formalmente para esse fim especifico. O comando constitucional pretensamente orientador de acoes sobre a materia anuncia uma compreensao especifica de educacao, a qual se adota neste trabalho. Eis o texto da Constituicao da Republica (BRASIL, 1988, art. 205):

    Art. 205. A educacao, direito de todos e dever do Estado e da familia, sera promovida e incentivada com a colaboracao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercicio da cidadania e sua qualificacao para o trabalho. (destacou-se)

    Pelo comando constitucional, a educacao digna desse nome seria a que Paulo Freire (1987) qualifica como libertadora ou emancipatoria. Contudo, os processos de alienacao possiveis (ou provaveis) dentro das diferentes praticas institucionais apontam a existencia de um outro tipo de relacao educacional. Trata-se da educacao "bancaria". Com este modelo, estudantes e sujeitos em geral ocupam o papel especifico de adaptacao ao sistema, da mera assimilacao, na medida em que, cada vez mais, perdem a capacidade de questionar, criticar e refletir. Sao mantenedores do status quo e o mero acumulo de dados completa o ciclo "educacional" a que estao submetidos:

    Nao e de estranhar, pois, que nesta visao "bancaria" da educacao, os homens sejam vistos como seres da adaptacao, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos nos arquivamentos dos depositos que lhes sao feitos, tanto menos desenvolverao em si a consciencia critica de que resultaria a sua insercao no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos. (FREIRE, 1987, p. 34)

    Em sentido contrario, a educacao emancipatoria tem por pressuposto a problematizacao e o desenvolvimento da capacidade critica do ser humano. O sujeito passa a ser compreendido enquanto agente transformador que interage com o mundo e com os demais sujeitos. Para o mesmo pensador supracitado:

    Neste sentido, a educacao libertadora, problematizadora, ja nao pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir "conhecimentos" e valores aos educandos, meros pacientes, a maneira da educacao bancaria, mas um ato cognoscente. Como situacao gnosiologica, em que o objeto cognoscivel, em lugar de ser termino do ato cognoscente de um sujeito, e o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educacao problematizadora coloca, desde logo, a exigencia da superacao da contradicao educador-educandos. Sem esta, nao e possivel a relacao dialogica, indispensavel a cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscivel. (FREIRE, 1987, p. 39)

    Como se ve, na logica problematizadora, o objeto a ser conhecido nao consubstancia um fim em si mesmo. E meio da acao cognoscente, que tem nos sujeitos do conhecimento o ponto central da producao de determinado saber. Assim, o mero acumulo de informacoes nao pode constituir uma relacao educativa que objetive a formacao de um ser transformador da realidade (e nao mero reprodutor), emancipado e autonomo. Isso porque, segundo Morin, acumular "conhecimento" nao constitui uma cabeca bem-feita, mas sim uma bem-cheia. Disse ele:

    O significado de "uma cabeca bem cheia" e obvio: e uma cabeca onde o saber e acumulado, empilhado, e nao dispoe de um principio de selecao e organizacao que lhe de sentido. "Uma cabeca bem-feita" significa que, em vez de acumular o...

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