Investigating the organization of work processes by the use of analysis tools/ Investigando a organizacao de processos de trabalho pelo uso de ferramentas analisadoras.

AutorMiranda, Ana Paula Rocha de Sales

Introducao

Diante da diversidade de cenarios vinculados a politica de saude, e das inumeras questoes suscitadas em torno desta area de atuacao, este trabalho desenvolveu-se a partir das discussoes acerca dos processos de trabalho em saude, tomando como base a particularidade do trabalho do assistente social dentro de um hospital universitario.

Refletir sobre estes processos de trabalho, dos quais o Servico Social e participe, remete a preocupacoes cotidianas referentes ao desenvolvimento de praticas que proporcionem o fortalecimento do Sistema Unico de Saude (SUS) e que viabilizem ou facilitem o acesso aos servicos de saude. Alem disso, tambem a debates que giram em redor dos limites e das possibilidades da pratica profissional do assistente social na saude os quais se retroalimentam nos servicos e nos meios academicos em torno de propostas fundadas no Projeto Etico-Politico da Profissao.

A escolha do ambiente hospitalar se deu pela observada especializacao e fragmentacao das praticas sanitarias e assistenciais que produzem impactos diretos e indiretos sobre a organizacao e a realizacao do trabalho em saude e, portanto, repercutem sobre o trabalho do assistente social, que tem sua autonomia atingida tanto por condicoes objetivas restritivas, quanto por condicoes subjetivas voltadas ao cerceamento do direito e a uma cultura verticalizada das relacoes de trabalho. Ademais, por ser um hospital-escola, alem da oferta de servicos e do desenvolvimento de praticas de saude, ha tambem a configuracao de um espaco de formacao para os distintos profissionais que atuam na saude.

A importancia de se pensar os processos de trabalho em saude alude a sua materia-prima: as necessidades humanas (PEDUZZI; SCHRAIBER, 2008). O recorte no trabalho do assistente social como profissional de saude se deu por se considerar a importancia da sua intervencao nos servicos de saude, ja que lida diretamente com os rebatimentos das relacoes sociais capitalistas. As expressoes da "questao social" sao vivenciadas no cotidiano dos sujeitos individuais e coletivos, interferindo sobre sua saude, o que exige uma atuacao critica que permita o desvendar dos implicitos ou daquilo que a sociedade nega ou vela.

Este artigo tomou como referencia a organizacao dos processos de trabalho empreendidos no Hospital Universitario Lauro Wanderley (HULW), situado em Joao Pessoa (Paraiba). Para tanto, optou-se pela utilizacao das ferramentas analisadoras desenvolvidas por Franco e Merhy (2007) junto as assistentes sociais, quais sejam: a organizacao da "rede de peticao e compromissos" e de "fluxogramas".

A opcao pelo desenvolvimento destes instrumentos proveio da possibilidade de vislumbrar graficamente os processos de trabalho dos quais o Servico Social do HULW faz parte, a partir das concepcoes que as profissionais tem sobre as formas de organizacao do trabalho. Estes instrumentos configuram-se como ferramentas analisadoras dos servicos de saude que facilitam o planejamento das acoes. Isto porque permitem visualizar as relacoes estabelecidas entre os diferentes atores na instituicao, e destes com atores e instituicoes externas, alem de identificar os problemas que recaem sobre os processos de trabalho desenvolvidos e as necessarias mudancas a serem empreendidas (FRANCO; MERHY, 2007).

Adentrando a logica de organizacao do hospital universitario como suporte para compreensao dos processos de trabalho nele desenvolvidos

Participes da rede publica dos servicos de saude, os hospitais apresentam algumas particularidades em seu modo de funcionamento, uma vez que as atividades neles desempenhadas regem-se sob duas logicas distintas: a primeira, voltada para a administracao e com tendencia a burocratizacao e racionalizacao de gastos; e a segunda composta pela autoridade profissional, demarcada por caracteristicas mais democraticas e direcionadas as necessidades assistenciais (AZEVEDO, 2002). Entretanto, devido a autonomia profissional, a citada autora adverte sobre o fato de haver uma independencia dos servicos que exige um processo de montagem de estrategias para implantacao de modificacoes.

A referencia a burocratizacao ora empregada associa a burocracia a racionalidade e ao trabalho, ao controle dos processos, ao centralismo, a normatizacao, ao formalismo, a impessoalidade e a hierarquizacao--conforme previsto na burocracia moderna de Weber (NOGUEIRA; SANTANA, 2000)--, cuja variacao dependera das condicoes historicas particulares de cada pais.

Sobretudo, ao versar sobre a burocratizacao, aqui se tomam por base estudos relacionados com a cultura organizacional que apontam tracos relativos a representacao "em geral" de organizacoes publicas brasileiras (PIRES; MACEDO, 2006). Tal opcao partiu do alinhamento com o pensamento de Hofstede (apud PIRES; MACEDO, 2006), que considera que a dinamica cultural da sociedade interfere na forma como se apresenta a cultura organizacional.

Entre os principais tracos do desenho organizacional publico, Pires e Macedo (2006, p. 82) assinalam: o burocratismo, "[...] o autoritarismo centralizado, o paternalismo, a descontinuidade e a ingerencia politica". No mesmo sentido, Mattos (2006) adverte que a principal caracteristica do Estado planejador brasileiro--ou desenvolvimentista, ou de modelo regulador--e de ordem politica. Para Mattos (2006), a burocracia se forma no pais nos anos 1930--na chamada fase autoritaria e burocratica--, sem rompimentos com as relacoes de poder vigentes e, portanto, mantendo relacoes patrimonialistas que se interpuseram sobre a formacao da burocracia estatal e, segundo Cardoso (apud MATTOS, 2006), sem legitimacao ou representatividade em geral da sociedade civil, mas tao somente de segmentos que compunham as classes dirigentes e dos que representavam o capital internacional e financeiro.

Outrossim, Rabello Junior (s.d.) assinala que esta burocracia em formacao se inspirou nas doutrinas de Max Weber, assumindo, como caracteristicas principais: "formalizacao, divisao do trabalho, principio de hierarquia, impessoalidade, competencia tecnica, separacao entre propriedade e administracao e profissionalizacao do funcionario". Ao referirem-se a burocracia como cultura, Nogueira e Santana (2000) asseveram que suas caracteristicas sao mutaveis, mas nao abolidas, podendo persistir alguns de seus tracos. Embora reforcem a necessidade de sua existencia, reconhecem a possibilidade de cristalizacao dos interesses dos profissionais da burocracia, ao que advertem:

Todo Estado democratico tem de impor limites ao poder da burocracia para que outros objetivos de justica, especialmente os que se ligam ao bem-estar social, possam ser atendidos, e tambem possam ser realizados os objetivos da democracia direta, que se cumprem com uma participacao dos cidadaos no controle daquilo que o governo faz e como faz. (NOGUEIRA; SANTANA, 2000, n.p.).

A titulo de esclarecimento, de acordo com Asenjo (apud MORETTO NETO; SILVA; SCHMITT, 2007), ao hospital cabe gerir: a saude das pessoas; as inter-relacoes pessoais, baseadas nos vinculos de cuidado entre pessoas doentes e pessoas saudaveis; os interesses de profissionais de saude, cidadaos, gestores, administradores e proprietarios; a objetivacao dos interesses desses atores; alem da interacao entre trabalhadores, assistidos e seus familiares.

A Organizacao Mundial da Saude (OMS) compreende os hospitais universitarios como Centros de Atencao em Saude de alta complexidade, assumindo as funcoes de atendimento medico de nivel terciario, participacao significativa em atividades de ensino e pesquisa, servicos com alta concentracao de recursos fisicos, humanos e financeiros e que exercem forte influencia e papel politico na comunidade onde estao instalados.

Em relacao aos hospitais universitarios (HUs) brasileiros, o art. 45 da Lei Organica da Saude--Lei no 8.080/90--incorpora-os ao SUS, inserindo-os no nivel terciario de atencao e preservando sua autonomia (BRASIL, 1990). Entretanto, essa regulamentacao nao trouxe clareza sobre seu papel, suas atribuicoes, seu financiamento e sua gestao.

Outrossim, a possibilidade de coadunacao de funcoes relativas aos diferentes niveis de atencao nao pode ser ignorada. Esta decorre da tradicao desses hospitais de atendimento a demandas espontaneas--muitas vezes relativas ao nivel primario--que nao foram totalmente solucionadas pelos servicos (redefinidos) da Atencao Basica, a incorporacao tecnologica --propria do nivel terciario. Soma-se a ela a imprecisao da Lei no. 8.080/90 e a ineficiente comunicacao entre os tres niveis de assistencia, conformando um sistema ainda fragmentado, apesar de ter sido estabelecida legalmente a construcao de rede integrada (MIRANDA, 2010). Desse modo,

A logica organizacional e a cultura institucional da insercao apenas parcial no Sistema Unico de Saude, forcaram os Hospitais Universitarios e de Ensino a adaptarem-se ao atendimento da demanda espontanea, a necessidade de faturamento na tabela do SUS, com as consequentes distorcoes no atendimento, com prestacao de servicos primarios e secundarios, desperdicios e pouca resolutividade do sistema, levando a um descompasso entre demanda, oferta, modelo assistencial, curriculo e pesquisa. (BRASIL, 2003, p. 61).

No Brasil, existem 46 hospitais universitarios vinculados ao Ministerio da Educacao e Cultura (MEC), os quais compoem uma rede de assistencia de alta complexidade. Esta exerce papel importante tambem na realizacao de pesquisas, no desenvolvimento da ciencia e da tecnologia voltadas para a saude e na formacao academica dos cursos da area de saude vinculados as universidades publicas, tendo sido responsaveis, em 2009, pela realizacao de 39,7 milhoes de procedimentos (HADDAD; SILVA, 2010).

Cabe destacar que as politicas restritivas, fruto da intensificacao do ideario neoliberal a partir dos anos 1990, tem conduzido a uma profunda crise dessas instituicoes, reduzindo sua resolutividade e a qualidade dos servicos oferecidos, aumentando a precarizacao das condicoes e dos...

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