Introdução

AutorEmilio Peluso Neder Meyer
Páginas1-24
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INTRODUÇÃO
Emilio Peluso Neder Meyer1
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O presente volume, intitulado “Justiça de transição em perspectiva
transnacional”, visa estabelecer um ciclo de publicações do projeto
de pesquisa e extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, o
Centro de Estudos sobre Justiça de Transição (CJT/UFMG) (Dispo-
nível em: . Acesso em: 9 nov. 2016). Esse cen-
tro, criado em 2014, procurou congregar produções acadêmicas e
práticas de direitos humanos que pudessem fortalecer a justiça de
transição no Brasil e na América Latina, a partir de insumos forne-
cidos não apenas com origem nessa região do globo, mas de uma
forma ainda mais transnacional. Na obra, portanto, busca apresen-
tar-se o resultado de uma atuação emancipatória e não subalterna
(CHAKRABARTY, 2009) da própria ideia de justiça de transição,
uma temática presente na América Latina há, pelo menos, trinta
anos, mas ainda carente de avanços.
Em um momento em que crescem assustadoramente os re-
tornos a práticas antidemocráticas e um uso não problematizado
do direito para legitimá-las, a temática da justiça de transição soa
como ainda mais necessária. Pudemos observar, nos últimos anos,
como o conservadorismo e o apelo a supostamente justicáveis
1. Professor Adjunto II da Faculdade de Direito da UFMG (Graduação e Pós-Graduação,
Mestrado e Doutorado). Mestre e Doutor em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da UFMG. Estágio Pós-Doutoral pelo King’s College Brazil Institute (2014-
2015). King’s College Transnational Law Summer Institute Fellow (2015). Coordenador
do Centro de Estudos sobre Justiça de Transição da UFMG (CJT/UFMG). Coordenador
da Secretaria da Rede Latino-Americana de Justiça de Transição (2016-2017).
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Justiça de transição em perspectiva transnacional
exceções para todos os gostos puderam crescer de modo desmedido
em todo o globo (SANTOS, 2016). Brexit, a candidatura permeada
de racismo, misoginia e xenofobia de Trump nos Estados Unidos,
o não ao Acordo de Paz na Colômbia assentado em um apelo irre-
etido a um Direito Penal de combate ao inimigo, a omissão global
quanto ao problema dos refugiados na Europa, pautas conservado-
ras e retrógradas de toda a espécie ganhando mais e mais adeptos
em todo o mundo (Rodrigo Duderte nas Filipinas – o mais radical
dos exemplos, o Partido Popular na Espanha ou Freiheitliche Partei
Österreichs, FPÖ, Partido Livre da Áustria).
No Brasil, não seria diferente. Após a assunção da Presidên-
cia da República por Michel Temer, em um verdadeiro golpe par-
lamentar (PRONER et al., 2016; SANTOS, 2016; SOUZA, 2016)
chancelado pelo Poder Judiciário e apoiado pela mídia e setores
mais conservadores da sociedade, têm início práticas e mais práticas
de retrocesso em direitos. De se lembrar que a Comissão de Anis-
tia do Ministério da Justiça, apesar de ser uma comissão de Estado,
teria toda sua composição imediatamente alterada dois dias após a
Presidência da República se xar de forma denitiva. Políticas de
direitos humanos em curso foram suspensas; manifestações públi-
cas do Ministro da Justiça a favor de mais armas e menos pesquisas;
propositura de uma verdadeira proposta de emenda à Constituição
“desconstituinte” (nas palavras de CATTONI DE OLIVEIRA, 2016,
p. 1), com restrições a direitos sociais e econômicos em nome de
uma austeridade bancada pelas classes populares e que não atinge
nem o próprio governo (CBN, 2016, p. 1). Não faltariam exemplos
vindo do Poder Executivo com o apoio do Congresso Nacional mais
conservador já eleito no Brasil (SOUZA; CARAM, 2016, p. 1).
Por outro lado, o Poder Judiciário não caria atrás em termos
de retrocessos quanto a direitos no Brasil. As inúmeras críticas di-
rigidas por diversos setores da comunidade jurídica aos excessos da
Operação Lava Jato (passando por prisões preventivas em troca de
delações premiadas, conduções coercitivas ilegais até o grampo da
Presidenta da República) (FREITAS, 2016, p. 1), os excessivos pri-
vilégios estabelecidos em termos de subsídios não só elevados, mas
que ultrapassam o teto constitucional para abrigar privilégios como
o auxílio moradia (MEYER; CATTONI DE OLIVEIRA; BUSTA-
MANTE, 2016, p. 1) são somados a decisões judiciais afrontosas não
só do próprio texto constitucional, como da legislação doméstica
e de tratados internacionais de direitos humanos e normas de jus

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