Introdução

AutorRudolf von Ihering
Ocupação do AutorImportante jurista alemão
Páginas13-30

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O Direito é uma idéia prática, isto é, designa um fim, e como toda idéia de tendência, é essencialmente dupla, porque contém em si uma antítese, o fim e o meio.

Não é suficiente investigar o fim, deve-se também saber o caminho que a ele conduz.

Eis duas questões para as quais o Direito deve sempre procurar uma solução, podendo-se dizer que o Direito não é, no seu conjunto e em cada uma de suas divisões, mais que uma constante resposta a essa dupla questão.

Não há um só título, por exemplo, o da propriedade ou o das obrigações, em que a definição seja, imprescindivelmente, dupla e nos diga o fim a que se propõe e os meios para atingi-lo. Mas o meio, por mais variado que seja, se reduz sempre a uma luta contra a injustiça.

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A idéia do Direito encerra uma antítese que se origina desta idéia, da qual jamais se pode, absolutamente, separar: a luta e a paz; a paz é o termo do Direito, a luta é o meio de obtê-lo.

Poder-se-á objetar que a luta e a discórdia são precisamente o que o Direito se propõe a evitar, porquanto semelhante estado de coisas implica uma perturbação, numa negação de ordem legal, e não uma condição necessária de sua existência.

A objeção seria procedente se se tratasse da luta da injustiça contra o Direito; ao contrário, aqui se trata da luta do Direito contra a injustiça. Se, neste caso, o Direito não lutasse, isto é, se não resistisse vigorosamente contra ela, renegar-se-ia a si mesmo.

Esta luta perdurará tanto quanto o mundo, porque o Direito terá de precaver-se sempre contra os ataques da injustiça.

A luta não é, pois, um elemento estranho ao Direito, mas sim uma parte integrante de sua nature-za e uma condição de sua idéia.

Todo Direito no mundo foi adquirido pela luta; esses princípios de Direito que estão hoje em vigor têm sido indispensáveis na luta contra aqueles que não os aceitavam; assim, todo direito, tanto o de um

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povo, como o de um indivíduo, pressupõe que estão o indivíduo e o povo dispostos a defendê-lo.

O Direito não é uma idéia lógica, porém uma idéia de força; é a razão porque a justiça, que sustenta em uma das mãos a balança em que pesa o Direito, sustenta na outra a espada que serve para fazê-lo valer.

A espada sem a balança é a força bruta, e a balança sem a espada é o Direito impotente; completam-se mutuamente; e, na realidade, o direito só reina quando a força despendida pela justiça para empunhar a espada corresponde à habilidade que emprega em manejar a balança.

O direito é o trabalho sem tréguas, e não somente o trabalho dos poderes públicos, mas sim o de todo o povo. Se passarmos um golpe de vista em toda a sua história, esta nos apresenta nada menos que o espetáculo de uma nação inteira despendendo ininterruptamente para defender o seu direito penosos esforços, como os que ela emprega para o desenvolvimento de sua atividade na esfera da produção econômica e intelectual.

Todo aquele que tem em si a obrigação de manter o seu direito participa neste trabalho nacional e

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contribui na medida de suas forças para a realização do direito sobre a terra.

Sem dúvida, este dever não se impõe a todos na mesma proporção. Milhares de homens passam sua vida de modo feliz e sem luta, dentro dos limites fixados pelo direito, e, se lhes fôssemos dizer, falando-lhes da luta pelo direito – que o direito é a luta –, não nos compreenderiam, porque o direito foi sempre para eles o reino da paz e da ordem.

Sob o ponto de vista de sua experiência pessoal, têm toda a razão; procedem como todos os que, tendo herdado ou tendo conseguido sem esforço o fruto do trabalho dos outros, negam esta proposição: a propriedade é o trabalho.

O motivo desta ilusão está nos dois sentidos em que encaramos a propriedade e o direito, podendo descompor-se subjetivamente de tal modo que o gozo e a paz estejam de um lado, e a luta e o trabalho, noutro.

Se interpelássemos aqueles que o encaram sob este aspecto, certamente nos dariam uma resposta em contrário.

O direito e a propriedade são semelhantes à cabeça de Jano, têm duas caras; uns não podem ver

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senão um dos lados, outros só podem ver o outro, daí resultando o diferente juízo que formam do assunto.

O que temos dito do direito aplica-se não somente aos indivíduos, mas às gerações inteiras.

A paz é a vida de umas, a guerra é a de outras, e os povos como os indivíduos estão, em conseqüência desse modo de ser subjetivo, expostos ao mesmo erro; e, embalados em um belo sonho de uma longa paz, cremos na paz perpétua, até o dia em troe o primeiro tiro de canhão, vindo dissipar nossas esperanças, ocasionando com tal mudança o aparecimento duma geração, posterior à que vivera em deliciosa paz, que se agitará em constantes guerras, não desfrutando um só dia sem tremendas lutas e rudes trabalhos.

No...

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