Introdução

AutorMarco Aurélio Serau Junior
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Especialista em Direito Constitucional (Escola Superior de Direito Constitucional) e Direitos Humanos (Universidade de São Paulo). Professor universitário e de diversos cursos de pós-graduação, em todo o Brasil
Páginas19-24

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A presente obra reside na conversão para o formato de livro de minha Tese de Doutorado, Resolução do conflito pi-evidenciario e os direitos fundamentais, defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP) em 25.3.2015, adequada às observações efetuadas pelos professores que compuseram a insigne Banca de Defesa.

O tema ali desenvolvido diz respeito à adequada solução do conflito previdenciário, abordado em uma perspectiva de direitos fundamentais, isto é, a compreensão dos direitos previdenciários enquanto direitos fundamentais e do próprio tema do acesso à justiça como direito humano, tendo como objetivo a pacificação social, não somente a solução para os problemas do sistema judiciário.

Nossa compreensão do conflito pr evidenciar io é diversa do que prevalece no senso comum, que o identifica simplesmente ao conjunto (enorme) de ações judiciais buscando a concessão de benefícios e revisões de benefícios previdenciários ou a alguma pretensão de ativismo judicial1. Essa seria somente a expressão judicializada de uma questão de natureza sobretudo político-sociológica.

Nossa proposta de adequada resolução do conflito previdenciário, portanto, não se resume a encontrar mecanismos (necessários, por certo) de diminuição do enorme acervo judiciário de ações movidas contra o INSS. Buscamos o desenho da adequada solução do conflito previdenciário investigando suas bases sociológicas, mais do que as de ordem processual.

Em que pese a litigiosidade previdenciária, repetitiva e excessiva, já tenha se tornado objeto de preocupação científica como uma das causas/f atores da morosidade judiciária (MORAES, 2012; GABBAY; CUNHA, 2013), tais estudos ocupam ótica exclusivamente processual.

O conflito previdenciário é, porém, muito mais complexo e amplo do que aquilo que é judicia-lizado (FARIA, 1992: 63). Embora seja factível a multiplicação de demandas previdenciárias em todo o Brasil, por meio de uma grande diversidade de temas judicializados, compreendemos esse fenómeno sociológico, pouco estudado, como algo muito mais amplo, a envolver as expectativas

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e pretensões sociais a respeito dos direitos previdenciários e do alcance da cobertura da proteção social almejados, com reflexos bastante complexos para o sistema jurídico e grande impacto para a esfera judicial.

O conflito previdenciário resvala, por óbvio, na discussão sobre os limites da atuação judicial em matéria de controle/ajuste de políticas públicas. Não é uma controvérsia descontextualizada; muito ao contrário, pauta-se por todos aqueles elementos comuns que se buscam discutir nesse tema: legitimidade dos juizes e das decisões judiciais para interferir em políticas e serviços públicos; dificuldade de lidar com os arranjos orçamentários; ausência de planejamento global nas decisões judiciais, mesmo coletivas etc.

Não se pretende inovar esse aspecto da discussão sobre políticas públicas, de que o conflito previdenciário é inequivocamente denotativo. O que se estudou aqui foi o que há de singular nesse específico conflito: seus específicos atores, os bens jurídicos em disputa, as questões orçamentarias particulares, as disputas em relação à formulação e execução da legislação e políticas previdenciárias.

A complexidade desse fenómeno social, cujo elevado número de ações judiciais previdenciárias é apenas seu sintoma, indica o esgotamento ou, no mínimo, a insuficiência do modelo de atuação judicial para sua resolução, a exigir novos e mais adequados mecanismos. Ao mesmo tempo, certos aspectos e determinada agenda do conflito previdenciário demonstram a imprescindibilidade do Poder Judiciário para sua resolução e a garantia de direitos, o que impõe, diversamente, propostas de melhoria da prestação jurisdicional, assunto que não será objeto de nossa pesquisa.

A perspectiva adotada neste trabalho foi a relação de concordância e de não exclusão entre mecanismos judiciais e consensuais de resolução de conflitos2, aplicada em relação ao conflito previdenciário3. Até porque identificamos uma relação de continuidade entre as instâncias decisórias envolvidas no conflito previdenciário, e não uma relação de contraposição.

Os filtros de litigiosidade e os mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos não precisam ser identificados como cláusulas de redução do acesso à justiça. Pensou-se o tema de modo oposto: o estabelecimento de mecanismos não adjudicatórios de resolução de conflitos (consensuais ou administrativos) significa, muito mais do que contenção, redirecionamento do conflito previdenciário a outros foros, quiçá mais adequados (GABBAY; CUNHA, 2013: 154-155).

Buscamos saídas criativas e adequadas para o conflito previdenciário, preferencialmente sem o aumento de custos para o Estado e a sociedade (o que decorre naturalmente das pretensões de aumento da estrutura judiciária nacional4). No mesmo sentido, cogitamos formas de atuação minimamente formalistas, considerando-se que o conflito previdenciário possui em um de seus poios pessoas em situação de vulnerabilidade.

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Nesse desenho institucional que propusemos, sempre seria reservada ao Poder Judiciário sua missão constitucional de controle das lesões ou ameaças a direitos, mas de modo mais...

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