A intima relação entre o direito e economia

AutorSandra Barbon Lewis
Páginas231-249

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O relacionamento entre Direito e Economia sempre foi um romance que fez tremer as bases do mundo civilizado, desde os primórdios da história do homem.1

As relações sociais através de suas inúmeras transformações, motivadas pelo advento de novas necessidades no seio social

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foram aprimoradas, principalmente após o século XVI.

Duas facetas da atividade humana começaram mais adredemente a se desenvolver e relacionar, como componentes de universos distintos, mas ao mesmo tempo complementares.

Por um lado, as relações económicas evoluíram de simples modelo de trocas2 de excedentes agrícolas nas praças das aldeias europeias da idade média3 para a criação de conceitos elaborados, como mercado consumidor, exportação, produção industrial, etc. O comércio desenvolveu-se com o advento das Cruzadas,4 pela necessidade de transporte de mercadorias e bens para os Cruzados.

Posteriormente, os Estados Nacionais começaram a se formar e erigiram modelos de gestão económica, buscando estabelecer e estreitar relações com os rincões mais distantes do mundo, lançando as bases do mercantilismo, trazendo como consequência imediata o colonialismo, eminentemente predatório e escravista, voltado para a obtenção de recursos para as metrópoles.

Neste modelo, interessante dicotomia se estabeleceu, de um lado os países colonialistas como a Espanha e Portugal5 e de outro os países provedores de bens de consumo e comércio, como Inglaterra e as Repúblicas Italianas de então.6

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O crescimento da atividade mercantil trouxe o surgimento de grandes centros urbanos que se transformaram em elementos aglutinadores dos negócios e referência para várias relações sociais que daí decorriam, erigindo as primeiras universidades, trazendo o modelo das corporações de ofício existentes na Idade Média, nascendo então todo um modelo social que impôs a elaboração de elementos normativos para regular as interações decorrentes.

Deve-se lembrar que na Idade Média, o modelo jurídico existente era baseado no pluralismo jurídico, ou seja, cada pequeno reino, feudo existente regia-se por leis próprias, que eram escritas ou não, tendo uma certa preponderância sobre todos o Direito Canónico.

As relações entre o Direito e a Economia evoluíram de modo peculiar, havendo grandes transformações deste relacionamento na Inglaterra com a Carta de João Sem Terra de 1215, uma vez que o poder do rei absolutista passou a ser limitado em vários aspectos, principalmente os relativos ao poder de tributar e ao direito de propriedade.

Mais tarde, John Locke em seu Segundo Tratado de Governo colocou uma noção clara dos limites do poder do soberano em relação às liberdades do indivíduo, que teve especial destaque no campo económico, estabelecendo que o poder monárquico deveria seguir uma estrita legalidade e que o súdito não estaria obrigado a obedecer quando houvesse um manifesto extravasamento deste poder, atribuindo importância maior ao exercício do poder legislativo. Em seu texto atribuiu grande relevância ao direito de propriedade,7 alçado como um genuíno direito natural.8

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Interessante denotar que o desenvolvimento do "direito" em detrimento do poder monárquico ganhou contornos na Inglaterra, adquirindo o particular cada vez mais prerrogativas em contraposição ao poder do Parlamento e da Monarquia.9

Com a Revolução Americana e depois a Revolução Francesa, a burguesia, classe composta de comerciantes e dos primeiros industriais, põe em cheque o poder monárquico, derruba e decapita o rei, buscando uma série de novos direitos, os chamados de primeira geração, liberdade e igualdade, de caráter formal, o que no campo económico significava primordialmente liberdade de mercado em detrimento do poder estatal.

Essas liberdades e a noção de igualdade eram meramente formais, no sentido que rapidamente houve o crescimento de uma classe burguesa abastada, possuidora e concentradora de capital, que explorava o trabalho, em um primeiro momento servil e depois assalariado, lançando bases para a revolução industrial que viria logo após a este período.10

Para o Direito, a Revolução Francesa trouxe algumas mudanças.

Em primeiro momento, o grande descrédito da sociedade em relação ao sistema jurídico, uma vez que os juizes eram membros das classes sociais tidas como detentoras do poder, nutrindo um clima de grande desconfiança da sociedade com o judiciário, propiciando as bases da Escola da Exegese, pela qual era estritamente proibido ao magistrado interpretar a lei, devendo manter-se estritamente na aplicação da lei, considerando-se qualquer posicionamento hermenêutico como usurpação da ati-vidade legislativa.

Surgem o iluminismo e o positivismo, tudo se explica por meio da ciência e da razão. As sociedades industriais crescem vertiginosamente, lançando uma nova etapa do desenvolvimento económico. No campo social, o abismo11 cresce com o mo-

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delo liberal de Estado, sem interferência no campo económico. Surgem as primeiras agremiações de trabalhadores, que iniciam a luta por melhores direitos e condições de trabalho.12

Desponta a noção do Estado Social, aquele que protege a população proporcionando o bem-estar social, impulsionado pela luta pelos direitos de segunda geração, de cunho prestacional, capitaneados por aqueles considerados básicos: saúde e educação.

Requer-se agora a intervenção do Estado na economia, seja para garantir os direitos sociais emergentes ou para moldar a soberania que estava nascendo.

O positivismo jurídico, diferenciado do positivismo filosófico de Comte, começa a firmar-se no horizonte jurídico-filosó-fico, em muitos aspectos como instrumento legitimador das elites, que buscaram atribuir status jurídico privilegiado para a propriedade e para a livre iniciativa.

Karl Marx lança as bases do pensamento socialista, elegendo como motor das transformações sociais a luta de classes que agora se assoma nos grandes centros industriais da Europa e do novo mundo.

Em contraposição, Max Weber escreve A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo em 1904 e 1905, colocando importantes considerações acerca do capitalismo, colocando este na qualidade de componente essencial da vida moderna, desmis-tificando o sistema como um dos grandes vilões da história, buscando demonstrar que o capitalismo faz parte de todas as culturas humanas, desde as mais antigas.13

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Este posicionamento valoriza-se, uma vez que legitima a constituição de mecanismos e garantias jurídicas para o acúmulo da propriedade privada e da atividade comercial em detrimento de fórmulas jurídicas que combatessem as desigualdades sociais, com a elaboração de uma burocracia estatal capaz de amparar os anseios da sociedade.

Em 1891, o Papa Leão XIII edita a encíclica Re rum Novarum, que surpreendentemente tem um conteúdo socializante, pregador da conquista dos direitos sociais pelos trabalhadores.14

A sociedade civil busca novos horizontes. Os conflitos sociais tornam-se mais intestinos, em vários países as tensões acumulam-se, os antigos impérios coloniais principiam a sucumbir, de forma a trazer no bojo dos conflitos, inúmeras transformações sociais.

Grandes paradigmas constitucionais transformaram-se, onde os direitos fundamentais ganharam nova relevância na luta contra o processo de dominação e controle económico.

A unificação da Alemanha e da Itália trouxe novos atores de peso para ordem económica mundial, tendo como momento posterior de ruptura a I Guerra Mundial, que antes de seu término, viu duas grandes revoluções que influenciaram o mundo economicamente e ideologicamente.

A primeira foi a Revolução Russa de outubro de 1917, com a deposição sangrenta do Czar Nicolau II, pela primeira vez o mundo viu assombrado o proletariado assumir o poder de uma potência adormecida e agrária que era a Rússia de então, para transformar-se em um gigante industrial e militar que influenciaria cotidianamente as relações de poder no plano geopolítico pelos próximos 70 anos.

A segunda, igualmente em 1917, foi a revolução mexicana que, no plano do Direito, foi de extrema importância, uma vez que a Constituição Mexicana passou em sua formação a privilegiar os direitos do cidadão, em uma perspectiva socialista, com implementação da reforma agrária e o controle de setores da economia nacional, colocando um novo paradigma político-ideo-lógico.15

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As classes trabalhadoras, munidas do ideário socialista, passam a exigir uma gama maior de direitos para si, de forma a causarem no interregno entre a I e a II Guerras Mundiais diversas convulsões sociais, que tiveram maior impacto em 1929 com a quebra da Bolsa de Nova York, causando um abalo económico que tem seus efeitos até os dias de hoje em diversos pontos do globo.16

A crise de 1929 trouxe uma série de efeitos interessantes tanto no plano económico como no social. Em um primeiro momento, verifica-se um monstruoso aprofundamento da pobreza e da desigualdade social em todos os países, sendo especialmente dramática nos países industrializados.17

Convém destacar que sempre que há movimentos sociais de importância no seio de uma determinada sociedade, a possibilidade de mudanças significativas no sistema jurídico é maior.

Isto se verifica quando se experimentou a reação de diversos governos, tanto nos países capitalistas como nos países governados por regimes fascistas e socialistas, no sentido de estabelecer modelos de intervenção estatal na economia nacional, buscando-se meios de combater a penúria pela qual passava a humanidade naquele momento.

Fórmulas de centralização e controle estatal da economia foram implantadas, havendo alguns modelos de sucesso, como a política do New Deal implantada nos Estados Unidos pelo governo Roosevelt18 e

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alguns de fracasso, como...

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