Interpretação e aplicação dos Tratados e Acordos para evitar a bitributação

AutorDouglas Camarinha González
CargoMestrando da Faculdade de Direito | USP
Páginas126-152

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Recebido em 04|08|2008 | Aprovado em 14|10|2008

Orientadora | Anna Candida da Cunha Ferraz

1 Introdução

Nesse ensaio jurídico procuraremos expor a realidade nacional e internacional que versa sobre os Tratados Internacionais de Bitributação, em especial sob o enfoque da interpretação e sua aplicação jurídica entre os Estados Partes, com as conseqüências daí decorrentes, quer para os próprios contribuintes, quer para os demais entes federativos.

O estudo em voga tem especial importância primeiramente em razão do aumento expressivo dos tratados e convenções fi rmados pelo Brasil e a comunidade internacional, bem como pela crescente demanda econômica na órbita internacional pela segurança jurídica, através dessas instituições. Segundo porque é espécie de norma jurídica que emana direito subjetivo aos nacionais de per si e, conseqüentemente, obrigações aos entes federativos, ao passo que grande parte de normas do Direito Internacional congregam as chamadas normas programáticas, onde o cidadão não tem a prerrogativa de reivindicar direito subjetivo próprio, mas aguardar e postular a concretização de tais normas internamente, como veremos a seguir.

Os anos que inauguram o novo milênio apontam para novas perspectivas mundiais e sociais, econômicas e políticas, dinamizadas, sobretudo, pelo intercâmbio mundial entre as nações em todos os níveis do saber humano, bem como pelo destino mundial do comércio que alcança consumidores de todas as nações. Esse fenômeno propulsiona a integração regional e comunitária entre as Nações, vivido entre nós pela instituição ainda incipiente do MERCOSUL, da ALCA, e da Comunidade Européia (integração das mais avançadas), entre outras. Essa revolução política cultural desafi a novas perspectivas ao Direito, em especial acarreta a proliferação de Tratados e Convenções Internacionais.

Nesse passo, o costume internacional que por séculos foi fonte preponderante do Direito Internacional, somente se viu superado pela positivação sistemática por meio de tratados, a partir do século XIX1. Luis Eduardo Schoueri2 cita estudos estatísticos de Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, nos quais se constata o fenômeno recente da proliferação dos Tratados Internacionais, pois de 1500 aC. a 1860 foram concluídos 8.000 tratados. De 1947 a 1984, foram fi rmados quase 40.000 tratados e de 1984 a 1992, contaram-se cerca de 10.000 tratados. Vê-se daí que a importância do estudo dessa fonte de Direito Internacional, sua interpretação e sua efetiva aplicação pelos nacionais e pelos Estados Partes, bem como pelos demais entes federativos da Nação.

Essa constatação é ainda realçada por duas constatações emergentes. Primeiramente pelo projeto de integração comunitária do MERCOSUL (atualmente ainda considerada pela doutrina majoritária como uma União Aduaneira imperfeita3), cujas normas e Protocolos projetam efeitos diretos aos nacionais do País.

Em outros termos, os Tratados do MERCOSUL além de ser norma jurídica primária

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de Direito Internacional, presente a situação da vida que lhe dá vida, enseja direito subjetivo aos residentes dos países dos Estados-Partes. Nesse sentido, Jan Kleinheisterkamp4 destaca o método da interpretação aplicável aos Tratados em especial ao MERCOSUL, e pontua que as normas oriundas do Mercosul adquirem, pela internalização, qualidade de direito interno do respectivo Estado-parte, a serem aplicadas pelo juiz nacional.

Outra constatação de igual ou maior importância resvala sobre os Acordos de Bitributação, em face da necessidade premente do mundo globalizado de investimentos e de concorrência internacional, ditada entre outros fatores pela segurança jurídica dos investimentos, de forma que se divisa os países que têm Acordo de Bitributação e aqueles que não o têm. No esteio dessa premissa, doutrina Schoueri, o crescimento das relações internacionais insere-se em cenário de uma concorrência internacional entre países, que, qual agentes num mercado altamente competetivo, buscam de todas as maneiras atrair investimentos internacionais. Nesse sentido, a celebração de tratados internacionais - inclusive aqueles em matéria tributária - já não mais se apresenta como uma opção, mas uma necessidade das nações inseridas no cenário internacional5.

Ademais, a evolução legislativa brasileira em compasso com as mudanças internacionais, tem priorizado a adoção do princípio da universalidade de tributação da renda tanto para pessoas física quanto jurídica, até como meio de combater a elisão e evasão fi scal praticadas por empresas constituídas no exterior, subsidiárias de empresas nacionais. É o que se infere da Lei Complementar n. 104 que adicionou parágrafo ao artigo 43 do Código Tributário Nacional6, as disposições da Lei n. 9.249/95 (art. 25), Lei n. 9.532/97 e MP 2.158-35.

Tais circunstâncias endossam a interação do estudo e a interpretação sobre os tratados em geral, quer referentes aos Tratados de bitributação; tratados multilaterais sobre tributação7, bem como os de comércio - como os referentes a Organização Mundial do Comércio, fruto da Rodada Uruguai do GATT, aprovado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo n. 30 de 15/12/94 e mandado executar pelo Decreto n. 1344 de 30/12/94. Pois, como visto os Tratados Internacionais representam fonte de direito internacional cada vez mais presente na vida moderna e aos operadores do Direito.

Passamos, assim, a examinar a interpretação dessa especial seara do direito, partindo da premissa interpretativa de que a

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rigor a interpretação só ganha legitimidade real quando colocada em relação com problemas jurídicos concretos, atrelado a fi losofi a de Hering de que o direito é a sua realização prática. Segue daí que somente na aplicação aos fatos da vida e na concretização revelar-se-á por completo o conteúdo significativo de uma norma, e sua função social de reger situações concretas.

2 Natureza Jurídica dos Tratados e Acordos Internacionais no ordenamento jurídico nacional

A base metodológica do presente estudo finca-se na interpretação crítica e sistemática da ordem jurídica nacional, na doutrina clássica e moderna do Direito Internacional Público, na jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, corroborado ao dever ético de constante questionamento do jurista sobre a legitimidade dos posicionamentos e diretrizes reinantes sobre o tema. Eis que a contribuição da doutrina é processo dialético legítimo do direito, em perene continuidade.

A divisão entre tratado, acordo e convenção é imprecisa na doutrina e na prática consular. O termo tratado é geralmente utilizado para os acordos internacionais mais solenes e de conteúdo predominantemente político, enquanto os termos acordo, convenção e convênio, dentre muitos outros, se prestam a nomear instrumentos especializados em determinada matéria como a comercial ou a tributária8. De qualquer forma, tratados ou convenções são instrumentos de Direito Internacional Público, são suas fontes, ou seja, são vozes desse ramo do Direito, e como tal, segue sua interpretação, bem como a sua aplicação.

O modo pelo qual os tratados e convenções internacionais adaptam-se ao direito é matéria reservada à constituição de cada Estado. A Constituição da República não explicita o modo de recepção do Tratado ao ordenamento nacional; não rege diretamente sua seara jurídica. Trata do tema dos tratados indiretamente, no rol dos direitos e garantias fundamentais, nas atribuições dos Poderes, bem como no controle de constitucionalidade, respectivamente arts. 5º, § 3º; 49, I; 84, VII e 103, III, b). Passamos, pois, a sua análise.

A Constituição Federal destina preceito específico referente os Direitos Humanos, através da EC nº 45, que acrescentou in verbis:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Vê-se, pois, que a própria Constituição Federal divisa os Tratados referentes aos Direitos Humanos dos demais, por certo, em face da repercussão histórica e da própria evolução dos Tratados de Direitos Humanos no Direito Internacional Público, que tem em mira garantir o exercício dos direitos da pessoa humana, consagrados sobretudo no pós-guerra. Sua evolução é delineada por declarações internacionais em geral sem caráter vinculativo9, baseada em normas programáticas e compromissos internacionais em que os países signatários reconhecem direitos humanos e os seus valores fundamentais. É o que

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ocorre com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 10 de dezembro de 1948; subscrita pela Assembléia Geral das Nações Unidas pela Resolução nº 217 A, e assim pelo Brasil.

Alexandre de Moraes pondera que a evolução dos direitos humanos é relativamente recente, iniciando-se com importantes declarações sem caráter vinculativo, para posteriormente assumir a forma de tratados internacionais, no intuito de obrigarem os países signatários ao cumprimento de suas normas10.

Diante da inovação constitucional positivada pela EC nº 45, supra delineada, em sede de direitos humanos é possível a incorporação do tratado ou convenção internacional com o status de emenda constitucional, desde que submetido ao quorum e forma de aprovação próprio de emenda constitucional. Nesse sentido, ensina Anna Candida da Cunha Ferraz que a inovação constitucional contida no § 3º do artigo 5º não cogitou de disciplinar matéria nova, mas de atribuir novo formato ou nova categoria, mediante procedimento específi co, atribuindo-lhe agora status de equivalência...

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