Internet: o conceito da atividade empresarial de provimento de acesso para fins tributários

AutorTarcísio Teixeira
Páginas205-224

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1. Introdução, exposição do problema e delimitação do trabalho

Com o advento e pulverização da internet,12 ou rede mundial de computadores, surgiu uma nova forma de se comercializar, é o chamado comércio eletrônico. E, sendo o Direito Tributário encarregado de cuidar da arrecadação do Estado e de limitar o poder estatal de tributar, surge, então, um grande desafio.

Cada vez mais se elimina grande parte dos meios físicos, que até então serviam de suporte para a atuação das autoridades fazendárias na fiscalização de ocorrências tributáveis. Com a internet há a necessidade de se repensar conceitos, como, por exemplo, mercadoria, estabelecimento, local da prestação de serviço, etc, face ao Sistema Tributário Nacional vigente.

O comércio eletrônico possibilita as mais variadas e imagináveis negociações, além da convencional prestação de serviços e o convencional comércio de mercadorias, que se utilizam da rede como mero suporte/instrumento às suas negociações.

Então, até onde se poderá tributar a partir da legislação vigente? Como fica a tributação, por exemplo, dos bens digita-lizados (programas de computador - soft-wares, músicas, livros, etc.)?

Além disso, a internet traz situações novas, por exemplo, a figura do provedor de acesso, que faz a conexão dos usuários da rede. Assim, até onde vai o poder de tri-

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butar do Estado diante da internet? Ou, até onde o Sistema Tributário Nacional alcança as novas figuras trazidas pela internet?

A princípio o ordenamento jurídico tributário alcançaria todas as negociações em que a internet funcione apenas como mero suporte, um dos instrumentos para se negociar, sendo que abstraindo esse instrumento eletrônico a legislação tributária é aplicável.

No entanto, as respostas não são tão simples, isso porque com o advento da internet surgiram novas figuras, que por sua vez desenvolvem atividades que podem ou não estar sujeitas à tributação, associado ao fato da rigidez e descentralização do sistema Direito Tributário Nacional.

As negociações na internet crescem ano a ano sendo então necessário uma revisão no Sistema Tributário Nacional, a fim de redefinir o poder do Estado na instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, para que não haja perda para os cofres públicos, mas também não haja incertezas para os contribuintes diante de eventuais arbitrariedades das autoridades públicas.

Assim, o que nos parece de maior relevância é a questão do provedor de acesso e o regime jurídico tributário a ele aplicável, tendo em vista a possibilidade de seus serviços prestados serem ou não passíveis de tributação pela legislação brasileira.

Na Europa há um sistema tributário através de um imposto único sobre valor agregado (Value Added Tax - VAT), que simplifica a tributação do comércio eletrônico, notadamente do provedor de acesso e de conteúdo.3

Por sua vez, no Brasil, diante da divisão constitucional das competências tributárias entre Estados e Municípios, notadamente quanto ao ICMS e ISS, surgem conflitos sobre qual tributo incide na atividade do provedor de acesso à internet.

O ICMS, imposto estadual, abrange a circulação de mercadorias e os serviços de comunicação, sendo que os Estados-mem-bros têm aplicado a legislação do referido tributo à atividade dos provedores de acesso a sua maneira, não fazendo a devida consideração dos conceitos trazidos pela legislação federal, especialmente a Lei 9.472/ 1997, que regula a atividade aqui tratada, o que traz insegurança e desconforto para os contribuintes que ficam sujeitos a decisões possivelmente arbitrárias das autoridades públicas.

Quanto ao ISS, sendo a atividade desenvolvida pelo provedor de acesso uma prestação de serviço, necessário será verificar se ela estaria abrangida pela previsão legal do imposto municipal, que trata da tributação de prestação de serviços de qualquer natureza.

É nesse cenário, à luz dos conceitos de Direito Privado diante do Direito Tributário, que passaremos a analisar a atividade desenvolvida pelo provedor de acesso e sua implicação para o Direito Tributário Nacional. Assim, será necessário analisar os conceitos trazidos pela legislação que trata da matéria, a fim de verificar se as autoridades administrativas não estão extrapolando no seu poder de tributar, ao desconsiderar ou desfigurar esses conceitos, o que causa dúvidas e incertezas para os contribuintes.

Contudo, ao se fazer uma análise da hipótese de incidência de um tributo, deve-se buscar sempre seu fundamento legal, a começar pela Constituição Federal. Logo, no que toca a atividade de provimento de acesso à rede mundial de computadores isso não pode ser diferente.

2. Conceito de provedor de acesso

Apesar de concentrarmos nossas forças no estudo da atividade do provedor de acesso e seu regime jurídico tributário, mister se faz a distinção do provedor de acesso e do provedor de conteúdo, tendo em

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vista que às vezes tais figuras se confundem em uma única.

Provedor de acesso é aquele que coloca à disposição do usuário o acesso à internet, mediante o uso de um programa que faz conexão telefónica (sistema de cabo, satélite, etc), quer dizer, é o canal de contato que cria a conexão do usuário com a internet.4

Enquanto que provedor de conteúdo, ou provedor de produtos e serviços, é aquele que na internet coloca à disposição do usuário a possibilidade de adquirir diversos serviços (por exemplo, acesso à informações) e produtos (físicos ou digita-lizados). A respeito de serviços são comuns os provedores que disponibilizam, por exemplo, armazenamento de home page.

Pode ocorrer, e com muita frequência ocorre, do provedor de produtos e serviços ser o mesmo que fornece o acesso, isto é, um único provedor exerce a função de provedor de acesso e de provedor de produtos e serviços, sendo que a forma mais utilizada para referir-se a esse modelo é provedor de internet.

Acontece que, quanto aos provedores de conteúdo (de produtos e serviços) e as negociações por eles realizadas, não há grandes dificuldades da aplicação da legislação tributária vigente, tendo em vista que a internet é apenas umas das formas de comercialização, sendo que ao se abstrair o suporte da rede mundial de computadores a legislação vigente é, em regra, plenamente aplicável. Ou seja, se houver circulação de mercadoria há incidência de ICMS, se houver prestação de serviço há incidência de ISS.

Então, começamos o século XXI no Brasil com um relevante debate sobre o regime jurídico do provedor de acesso à internet, onde a doutrina e a jurisprudência têm se debatido. De um lado, no sentido da tributação da atividade desses provedores pelo ICMS (por ser considerada uma atividade de prestação de serviços de comunicação). De outro lado, pela tributação pelo ISS (por considerar uma prestação de serviço não comunicacional). Há, ainda, outra posição no sentido de que tal atividade não é hoje tributável diante da legislação vigente.

Assim, percebe-se que no que tange ao provedor de acesso a aplicação da legislação tributária não se revela tão simples como no caso do provedor de conteúdo, pois, a princípio, haveria as três possibilidades apontadas acima. Logo, mister será uma profunda análise das hipóteses possíveis pelo ordenamento jurídico tributário brasileiro à luz da Constituição Federal.

3. O ICMS e o serviço de comunicação

As competências tributárias dos entes políticos (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), foram repartidas pela Constituição Federal, estando no Título VI - Da Tributação e do Orçamento, Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional, arts. 153 a 156.

A competência dos Estados para tributação do ICMS quanto às operações de prestação de serviços de comunicação está prevista na Constituição Federal no art. 155, II,5 que por sua vez está regulamentado pela Lei Complementar 87/1996.6 Ambas as

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normas tratam de forma exaustiva dos elementos que definem o ICMS, cabendo às leis estaduais instituírem o tributo.7

Em contraponto à competência estadual para instituir o ICMS, a Constituição Federal, no art. 21, XI,8 traz a competência da União para explorar serviços de telecomunicações, de forma direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, que obedecerá a lei que irá dispor sobre a organização dos serviços, criação de um órgão regulador e outras questões institucionais.

Cumprindo o referido dispositivo constitucional, os serviços de telecomunicações atualmente são regulamentados pela Lei 9.472/1997 - Lei Geral das Telecomunicações, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Prevê a lei:

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1°. Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioe-letricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou...

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