A tributação internacional dos preços de transferência. A Contribuição da OCDE

AutorAdriano da Nobrega Silva
Páginas76-96

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Introdução

O fenômeno da globalização traz importantes conseqüências em todos os campos sociais, especialmente no econômico. Um de seus reflexos mais imediatos é o aumento das transações internacionais, mormente as realizadas intercompanhias ou entre partes relacionadas. Isso traz implicações no poder tributante dos Estados, especialmente em relação ao que vem sendo denominado na doutrina especializada de preços de transferência.

O objeto do presente estudo é a contextualização da temática dos preços de transferência e suas relações com o problema da dupla tributação internacional. Para tanto, serão abordados:

  1. os fatores que levam uma empresa a investir no plano internacional;

  2. a possibilidade de tributação de lucros tramsnacionais, tanto no Estado em que se localiza a fonte dos rendimentos como naquele em que está situada a residência da empresa investidora, com a conseqüente dupla tributação internacional dos mesmos lucros e a oneração em demasia das empresas multinacionais;

  3. a inadequação da via unilateral para a resolução de tal problema;

  4. os mecanismos bilaterais que podem ser utilizados para evitar essa dupla tributação;

  5. a utilização do princípio da livre concorrência como parâmetro para a definição da parcela de lucros gerada em cada Estado; e

  6. uma breve exposição sobre a contribuição da OCDE no que se refere à forma proposta em seu Modelo de Convenção para a tributação dos lucros e para a determinação dos preços de transferência.

1. Globalização econômica e dupla tributação internacional

No início do século XX, os principais países industrializados haviam atingido elevado grau de integração econômica. Entretanto, o mesmo foi de certo modo paralisado após a I Guerra Mundial, tendo diversos países instituído elevadas barreiras tarifárias aoPage 78 comércio internacional. A II Guerra Mundial também dificultou a realização de investimentos internacionais, com a devastação em larga escala dos meios de produção1.

O movimento de integração econômica começou a ser recuperado a partir da década de 50, tendo, atualmente, atingido níveis expressivos, ao se constatar que 65 mil empresas são transnacionais, operando por meio de 850 mil filiais, detendo um patrimônio de US$ 25 trilhões, sendo responsáveis por 54 milhões de empregos, auferindo um faturamento de US$ 19 trilhões e realizando 66% das exportações mundiais, o que evidencia que a globalização decorre não só de questões macroeconômicas, mas também de aspectos microeconômicos2.

A realização de investimentos privados no exterior se dá em virtude de dois principais objetivos: a busca de maior segurança do investimento – a qual leva em conta não apenas questões econômicas, mas também o que recentemente vêm sido denominado como risco país – bem como a busca de maior rentabilidade para o investimento – a qual vai depender do desempenho da economia do país no qual foi realizado o investimento e também das políticas reguladoras dos governos envolvidos3. Além desses aspectos, podem ser apontados, ainda, a crescente liberalização ocorrida na maior parte dos países e a criação de blocos regionais4.

Pode-se afirmar que, ao investir no plano internacional, a empresa leva em conta o fato de possuir vantagens monopolísticas ou de ser titular de direitos exclusivos que a tornem competitiva em outros mercados, bem como considera a possibilidade de internalizar os resultados de sua atividade internacional, sendo, portanto, esse investimento uma das formas de melhor organizar suas atividades como forma de minimizar seus custos5.

Nesse cenário, a tributação adquire uma dupla importância: os países precisam conciliar o interesse em taxar os lucros provenientes de seus territórios ao mesmo tempo emPage 79 que devem buscar modos de impedir a incidência de diversos impostos, provenientes de mais de uma jurisdição fiscal, sobre a mesma renda6.

É possível a tributação de uma mesma renda em mais de um ordenamento jurídico sempre que se verifica a conexão de ambos. Para a identificação dos possíveis elementos de conexão entre ordenamentos jurídicos distintos, deve ser tomado em consideração um dos seguintes aspectos: o(s) sujeitos envolvidos, o objeto da relação jurídica e o ato jurídico praticado7. No plano tributário, relevam, quanto ao sujeito, os

critérios da nacionalidade ou da residência e, quanto ao objeto da relação jurídica, o critério da fonte dos rendimentos, detalhados a seguir.

1. 1 O princípio da tributação segundo a residência

Este é o princípio segundo o qual os indivíduos e as pessoas jurídicas são tributados no país de sua residência, ou seja, a qualidade de residente em determinado país é determinante para a identificação do regime tributário aplicável. É necessário, portanto, que se defina quem tem, ou não, esta qualidade.

Nesse sentido, o modelo de Convenção da OCDE define residente como qualquer pessoa a qual, em observância às leis de seu Estado, encontra-se obrigada ao pagamento de tributo em razão de domicílio, residência, sede de direção ou outro critério assemelhado8.

A seguir, estabelece que, quando houver definição de residência para um indivíduo em mais de um dos Estados contratantes, essa será definida do seguinte modo9:

  1. esta pessoa será considerada do Estado Contratante em que disponha de uma habitação permanente. Se dispuser de uma habitação permanente em ambos os Estados Contratantes, será considerada como residente do estado contratante com o qual suas ligações pessoais e econômicas sejam mais estreitas (centro de interesses vitais);

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  2. se o Estado Contratante em que tem o centro de seus interesses vitais não puder ser determinado, ou se não dispuser de uma habitação permanente em nenhum dos Estados Contratantes, será considerada como residente do Estado Contratante em que permanecer habitualmente;

  3. se permanecer habitualmente em ambos os Estados Contratantes ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerada como residente do Estado Contratante de que for nacional;

  4. se for nacional de ambos os Estados Contratantes ou se não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes dos estados contratantes resolverão a questão de comum acordo.

    No caso de pessoas jurídicas ou outras entidades residentes de ambos os Estados Contratantes, estas serão consideradas residentes do Estado contratante em que estiver situada a sua sede de direção efetiva10.

1. 2 O princípio da tributação na fonte

Em relação aos impostos sobre a renda e sobre o capital, há, na definição de seus respectivos fatos geradores, uma relação jurídica que consiste no auferimento, conforme o caso, de renda ou de capital por residentes ou não em determinado Estado. Caso tal auferimento se dê por um residente, o mesmo se encontra sujeito aos impostos em função de sua residência e, portanto, há conexão com apenas um ordenamento jurídico, não se tratando, no caso, de questão a ser solucionada pelo Direito Internacional.

Contudo, a situação se modifica quando se trata de tal auferimento por nãoresidentes. Se está, nesse caso, diante de uma relação jurídica em que a fonte dos rendimentos ou do capital auferido se localiza em um Estado que não o da residência do beneficiário. Nesse caso, os países importadores de investimentos tributam tais rendas ou benefícios do capital justamente por haver a conexão da fonte pagadora com seus respectivos ordenamentos jurídicos11.

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1. 3 Resolução do problema

Caso um Estado promova a tributação de seus residentes (a chamada sujeição passiva plena) e outro Estado promova a tributação dos não-residentes na medida em que os rendimentos ou frutos do capital provenham de fontes situadas em seus territórios (a chamada sujeição passiva limitada), haverá dupla tributação internacional na medida em que o residente do primeiro Estado aufira rendimentos provenientes do segundo.

Obviamente, os Estados exportadores de investimentos – em sua maioria, países desenvolvidos – têm interesse em que os residentes em seus territórios sejam tributados apenas segundo o princípio da residência, ao passo que os importadores de investimentos – grupo constituído, em grande parte, por países em vias de desenvolvimento – tendem a aplicar a tributação dos não-residentes segundo o princípio da fonte.

Uma das formas de se solucionar a questão da dupla tributação internacional é a adoção de medidas unilaterais (internas), tais como:

— A concessão de isenção, ao se definir a base de cálculo do imposto, de toda ou parte da renda ou patrimônio proveniente de fonte estrangeira, exigindo-se, normalmente, que os citados fatos econômicos tenham sido tributados efetivamente no outro Estado;

— A atribuição ao residente do país de um crédito com base no valor do tributo devido no estrangeiro;

— Permitir a dedução, na base de cálculo do imposto, do valor do tributo pago no exterior; e

— O Estado da fonte prever uma redução da alíquota do imposto se a renda ou os capitais situados no exterior são tributados no país da residência.12

Diz-se que os Estados que promovem a tributação das rendas obtidas por seus residentes no exterior adotam o princípio da world-wide income taxation, ou princípio da tributação em bases universais, ao passo que aqueles que promovem a isenção ou,Page 82 simplesmente, não prevêem a incidência de tributo...

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