Interesses Tuteláveis pela Greve no Direito Brasileiro

AutorRaimundo Simão de Melo
Páginas292-299

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1. Introdução

Questão das mais importantes, porém controvertidas no âmbito do direito coletivo do trabalho, diz respeito a saber quais interesses podem os trabalhadores brasileiros defender por meio da greve.

Indaga-se, então, se, no direito brasileiro, especial-mente com base na Constituição Federal de 1988, a greve deve ser utilizada apenas para a defesa de direitos estritamente trabalhistas, na busca de um acordo ou convenção coletiva de trabalho, ou também se pode ser usada para tutelar outros interesses, como, por exemplo, interesses políticos com repercussão na vida econômica e social dos trabalhadores.

2. Posição da organização internacional do trabalho (OIT) sobre o tema

Em âmbito internacional, o Comitê de Liberdade Sindical e a Comissão de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm rejeitado a tese de que o direito de greve deva limitar-se aos conflitos de trabalho suscetíveis de finalizar uma convenção coletiva de trabalho. Para esses órgãos, as reivindicações a se defender com a greve podem ser de três categorias: a) as de natureza trabalhista, que buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; b) as de natureza sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e de seus dirigentes; c) as de natureza política, que têm por fim, embora indiretamente, a defesa dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores.

Quanto às duas primeiras categorias acima citadas, não há divergências, porquanto não se põe em dúvida a legitimidade do uso do instrumento da greve para tal fim, ou seja, para a defesa de interesses trabalhistas e sindicais. Com relação à última categoria de interesses políticos, existem divergências, que devem ser resolvidas por meio de interpretação do direito de cada país, especialmente do direito constitucional.

3. A greve na constituição federal de 1988

No Brasil, o art. 9º da Constituição Federal de 1988 diz que “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (grifo nosso).

Como se vê no texto acima, a Constituição Federal do Brasil reconhece o direito de greve como um direito amplo e fundamental dos trabalhadores genericamente considerados. Todavia, parte da doutrina trabalhista e da jurisprudência tem procurado restringir o seu uso a partir da definição que lhe deu o art. 2º da Lei
n. 7.783/1989, que a direciona ao empregado e ao empregador na relação estrita trabalhista, dizendo que somente pode ser usado o direito de greve para buscar a assinatura de um instrumento coletivo de trabalho com o setor patronal.

4. Análise do tema à luz da constituição federal de 1988

Cabe, assim, fazer uma análise do conteúdo do art. 9º da Constituição Federal do Brasil, o qual assegura que cabe ao trabalhador decidir sobre a oportunidade de exercer o direito de greve e sobre os interesses a serem por ele tutelados. Assim, o melhor caminho, como nos parece, não é se fechar no texto da regulamentação da Lei n. 7.783/1989, que restringe o exercício da greve à tutela de direitos apenas trabalhistas, quando se refere à paralisação de serviço de empregador (art. 1º). Observe-se, no sentido de adotar exclusivamente a mensagem da lei ordinária, a seguinte manifestação doutrinária:

A locução ‘interesses’, não acompanhada da qualificação desses interesses, é ambígua. Pode-se pensar, com razão, que tais interesses são os que podem ter o cidadão comum, enquanto membro da

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comunidade social. Mas esses interesses não podem ser outros senão os do trabalhador enquanto sujeito de um contrato de trabalho, membro do pessoal de uma empresa. Há de se distinguir entre trabalhador enquanto cidadão e cidadão enquanto trabalhador. interpretação contrária poderia chegar até à afirmação de que a greve defende interesses de todo tipo, sejam trabalhistas, sejam políticos. Se recorrermos à interpretação sistemática, o apoio à conclusão que circunscreve a greve à defesa de interesses profissionais apresenta-se mais consistente (BARROS, 1977,
p. 34).

Mas nos parece, data venia, que uma lei ordinária não pode mudar a essência de um direito assegurado na Lei Maior (o amplo direito de greve), restringindo-o. É que o art. 9º da Constituição Federal diz expressamente que “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (grifo nosso)”.

A expressão do texto constitucional não é ambígua, ao contrário, é clara e enfática ao assegurar aos trabalhadores o direito de decidirem os interesses que devam ser defendidos pela greve, como, igualmente a sua oportunidade.

É claro que a greve não é um direito absoluto, porque não existem direitos absolutos num Estado Demo-crático de Direito, em que os outros direitos do cidadão devem conviver harmoniosamente com o direito de greve.

A greve, como se sabe, representa um dos aspectos mais importantes da liberdade sindical reconhecida pelo art. 8º da Constituição Federal do Brasil, como reconhece a boa doutrina constitucionalista.

A respeito do tema, preleciona José Afonso da Silva que:

A Constituição assegura o direito de greve, por si própria (art. 9º). Não o subordina a eventual previsão em lei. É certo que isso não impede que a Lei defina os procedimentos do seu exercício, como exigência de assembleia sindical que a declare, de quorum para decidi-la e para definir abusos e respectivas penas. Mas a Lei não pode restringir o direito mesmo, nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devam ser defendidos. Tais decisões competem aos trabalhadores, e só a eles. Diz-se que a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe. Lei que venha a existir deverá ser de proteção do direito de greve, não deve ir no sentido de sua limitação, mas de sua garantia e proteção. Quer dizer, os trabalhadores podem declarar greves reivindicatórias, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a socie-dade requeira, ou greves de protestos (SILVA, 1989,
p. 268, grifo nosso).

Esclarecedora, também, é a lição de Fábio Konder Comparato, ao analisar o alcance do direito de greve na atual Constituição Federal do Brasil, assim afirmando:

A única restrição admissível de uma liberdade constitucional só pode advir da própria Constituição (COELHO, 1995, p. 55).

Ainda, sobre o tema manifesta-se Carlos Henrique

Bezerra Leite, quando enfatiza:

Sem embargo da cizânia doutrinária existente, afigura-se-nos que a Constituição não estabelece qualquer limitação sobre a oportunidade e os interesses que podem ser defendidos por intermédio da greve (...) (LEITE, 2000, p. 38).

A doutrina portuguesa, cuja Constituição influenciou o constituinte brasileiro de 1988 a respeito do direito de greve, assim se manifesta sobre esse importante tema:

A caracterização constitucional do direito à greve como um dos direitos e garantias significa, entre outras coisas: a) um direito subjetivo negativo, não podendo os trabalhadores serem proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhe termo; b) eficácia externa imediata em relação a entidades privadas, não constituindo o exercício do direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito; c) eficácia imediata, no sentido de direta aplicabilidade, não podendo o exercício deste direito depender da existência de qualquer Lei concretizadora (CANOTILHO, 1991, p. 309).

Desse modo, pode-se afirmar que, conforme o disposto no art. 9º da Constituição Federal brasileira, o direito de greve, embora não seja um direito absoluto e irrestrito, está assegurado de forma ampla aos trabalhadores para a defesa dos seus interesses, quer trabalhistas stricto sensu, quer profissionais lato sensu, aqui

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considerados aqueles que constituem o chamado piso vital mínimo do cidadão, consagrados no art. 6º da Constituição Federal. Entendimento contrário é, a nosso ver, incompatível com a norma constitucional que assegura...

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