A conceituação dos interesses metaindividuais - The conceptualization of the metaindividual interests

AutorGianpaolo Poggio Smanio
CargoSegundo Promotor de Justiça da Cidadania de São Paulo, Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

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Editorial

A conceituação dos interesses metaindividuais

A CONCEITUAÇÃO DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS

THE CONCEPTUALIZATION OF THE METAINDIVIDUAL INTERESTS

Gianpaolo Poggio Smanio*

Resumo: o presente trabalho conceitua interesse, interesse jurídico, interesses público e privado, distinguindo o interesse do Direito. Passa, então, a conceituar interesse individual homogêneo, interesse coletivo e interesse difuso, efetuando as distinções entre as diversas categorias de interesses mencionadas.

Palavras-chave: Interesse. Individual. Homogêneo. Coletivo. Difuso.

Abstract: the present work appraises interest, interest legal, publish and private interest, distinguishing the interest from the right. So go to appraise individual interest homogeneo, collective interest and diffuse interest, effecting differences enters the diverse categories of mentioned interests.

Keywords: Interest. Individual. Homogeneo. Collective. Diffuse.

INTRODUÇÃO

O tema proposto revela importância crescente no estudo da teoria geral do Direito, pois uma gama enorme de questões decorre da conceituação dos interesses metaindividuais. Os direitos do meio ambiente, do consumidor, da criança e juventude, do idoso, dos deficientes revelam conflitos sociais cada vez mais agudos, a merecer tratamento jurídico adequado, verificando quais os princípios aplicáveis, os critérios de solução de conflitos, enfim, demonstrando a necessidade de sua ampla discussão.

1. CONCEITO DE INTERESSE

A palavra “interesse” é plurívoca; possui diferentes sentidos. Tem, entretanto, o sentido comum de “vantagem, ganho pessoal, lucro” (Dicionário Aurélio). Trata-se, então, de uma forma de expectativa de um indivíduo em relação a alguma coisa, ou seja, é o que liga uma pessoa a um bem da vida,

* Segundo Promotor de Justiça da Cidadania de São Paulo, Doutor em Direito pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus (CJDJ), na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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em razão do valor que esse bem representa para aquela pessoa. Pelo fato de estar no campo psicológico do indivíduo, na esfera do pensamento, há indiferença por parte dos demais indivíduos e por parte do Estado sobre esse interesse, o que faz com que não possa ser exigido.

No plano fático, os diversos interesses surgem da realidade e podem ser compatíveis, concordantes, ou podem trazer conflitos, tendo em vista que a valoração fica a cargo dos diferentes sujeitos, na diversidade social.

Interesse tem, portanto, sentido mais amplo que o de direito, daí sua utilização por nós para a presente obra como uma realidade distinta do direito.

Goffredo Telles Junior (1980, p. 389-413) ensina que o Direito Subjetivo é a permissão dada por meio de uma norma jurídica. Essa permissão tem duas espécies, portanto são de duas espécies os Direitos Subjetivos: (a) de primeiro grau: são os Direitos Subjetivos comuns da existência, isto é, as permissões dadas por meio do Direito Objetivo para a prática dos atos da vida corrente; (b) de segundo grau: são os Direitos Subjetivos de proteger os direitos comuns da existência, isto é, são os direitos de defender direitos, os direitos-proteção. O Direito Subjetivo não é o interesse protegido, uma vez que o interesse não pode constituir uma permissão. O interesse é um bem, um objeto que interessa.

Maria Helena Diniz (1993, p. 226-227) expõe os motivos pelos quais direitos e interesses são distintos, da seguinte forma:

a) há interesses, protegidos pela lei, que não constituem direitos subjetivos; p. ex., no caso das leis de proteção aduaneira à indústria nacional, as empresas têm interesse na cobrança de altos tributos pela importação de produtos estrangeiros, mas não tem nenhum direito subjetivo a tais tributos; b) há hipóteses de direitos subjetivos em que não existe interesse da parte do titular, como: os direitos do tutor ou do pai em relação ao pupilo e aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular; c) na verdade, quando se afirma que direito subjetivo é um “interesse”, o que se está dizendo é que o direito subjetivo é um bem material ou imaterial que interessa; p. ex.: direito à vida, à liberdade, ao nome, à honra, etc. Ora interesse é utilidade, vantagem ou proveito assegurado pelo direito; logo, não tem sentido dizer que direito subjetivo é objeto que interessa.

Na doutrina portuguesa, a distinção vem carreada por Ferreira Monte (1996, p. 205-206), citando Mota Pinto, nos seguintes termos:

Mota Pinto, efetivamente, considera que o direito subjetivo consiste no “poder jurídico (reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa) de

livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) ou de por um acto livre da vontade, só de per si ou integrado por um acto de uma autoridade pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente se impõem a outra pessoa (contraparte ou adversário)”.

Entende que essa definição, ao partir do poder jurídico, é feita considerando seu aspecto estrutural, excluindo-se, assim, uma consideração do interesse visado pelo Direito Subjetivo, caso em que seria visto por seu lado funcional. Começa, assim, por distinguir o próprio Direito Subjetivo (como poder jurídico) de seu interesse visado. Vai mais longe, porém, ao criticar Ihering – uma vez que este confunde o Direito Subjetivo com o interesse, ao considerar aquele como o “interesse juridicamente protegido” –, e acaba por evidenciar as diferenças, salientando (também) o elemento funcional.

Ao carrear argumentos contra a doutrina de Ihering, acaba por realçar que o interesse também pode e deve ser juridicamente tutelado – não necessariamente como direito, podendo sê-lo independente deste, enunciando exemplos de casos em que se tutelam interesses sem que existam direitos: situações em que os interesses seriam tutelados pelo Direito Objetivo, por outros meios que não a concessão de Direitos Subjetivos.

Parece-nos mais adequado, portanto, falarmos em interesses difusos. Evidentemente, no entanto, quando estes estão protegidos pelas normas jurídicas, também falamos de direitos, mas relativos às massas, à sociedade e não aos indivíduos particularmente.

Notamos, apenas, que nosso Direito Positivo confunde as expressões interesse difuso e direito difuso, tratando-os indistintamente, conforme o art. 81, I, da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).

2. INTERESSE JURÍDICO

No plano jurídico, a valoração dos interesses vem fixada na norma jurídica, situando-se no mundo ético-normativo próprio do Direito. Há uma opção feita pelo Estado, que atua com autoridade sobre o indivíduo, o que transforma o interesse, o qual passa a ser qualificado juridicamente e pode, dentro de certas circunstâncias, ser protegido.

Dentro da óptica jurídica, primeiramente, podemos distinguir o interesse material do interesse processual; aquele é a necessidade, a utilidade, a pretensão juridicamente qualificada, enquanto este é instrumental, ou seja, a necessidade, a utilidade de um meio de exigir a pretensão.

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3. INTERESSE PÚBLICO E INTERESSE PRIVADO

Outra clássica distinção doutrinária ocorre entre o interesse público e o interesse privado.

No interesse público, predomina a presença do Estado, que fixa seu conteúdo soberanamente pela ordenação normativa.

Conforme Rodolfo de Camargo Mancuso (1997, p. 29-30),

a melhor explicação para o conceito de “interesse público” é fornecida por G. Vedel e P. Devolvé. Resumidamente, pensam eles que tal noção comporta uma acepção política e outra jurídica. Para compreender a primeira, dois erros devem ser evitados: (a) supor que o interesse público seja “la somme des intérêts particuliers” (isto seria absurdo, porque então se teria, por exemplo, a soma dos interesses dos produtores de bebidas com os interesses das vítimas do alcoolismo);
(b) supor que o interesse público nada tem a ver com os interesses individuais ou dos grupos sociais (na verdade, o interesse público só pode ter como beneficiários finais os homens nascidos ou a nascer; mesmo o interesse da Pátria nada mais é do que o interesse dos cidadãos de viver em liberdade e de forma honrosa). E, assim, sob essa acepção política, o interesse público se apresenta como “une arbitrage entre les divers intérêts particuliers”. Ora essa arbitragem se prende a critério quantitativo (por exemplo, na construção de uma estrada, sacrifica-se o interesse dos proprietários lindeiros, privilegiando-se os interesses dos que a usarão, porque estes são mais numerosos), ora a critério qualitativo (os doentes pobres, em certa comunidade, podem ser pouco numerosos, mas o valor do interesse à saúde pública prevalece sobre os interesses pecuniários dos demais cidadãos saudáveis; logo, a estes cabe contribuir para um fundo de assistência médica gratuita).

Ainda para esse autor, o interesse público, sob a acepção jurídica, tem por base a questão da competência para a arbitragem entre os interesses particulares.

O interesse privado está na esfera do particular, do indivíduo, cabendo a este sua defesa, beneficiando-se ou sofrendo o prejuízo. É o interesse individual que se esgota no círculo de atuação de seu destinatário, não podendo o Estado impedir seu exercício. O elemento predominante é o interesse pessoal, que é direta e imediatamente atingido, restando apenas indiretamente afetado o interesse da comunidade.

Essa distinção entre interesse...

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