Paralisação de trabalho de Interesse Coletivo e Sabotagem: Uma Leitura a partir das Liberdades Coletivas e dos Direitos Fundamentais Sociais

AutorAngelo Antonio Cabral - Mariana Del Monaco
Páginas151-1

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1. Introdução

Por um ato de força do Presidente Getúlio Vargas, com o apoio do General Góis monteiro, este ministro da Guerra, e de outras patentes militares que com o ministro da Guerra haviam se reunido a 27 de setembro de 1937, resolveu-se romper com a ordem constitucional, a pretexto de pôr fim à ameaça comunista. Dessa feita, em 10 de novembro de 1937, outorgou-se no Brasil uma nova Constituição,1

elaborada para conferir ao Presidente da República todos os poderes e uma infinidade de motivos para a intervenção nos Estados-membros.2

A "Polaca", como ficou conhecida por ter adotado por modelo a da Polônia, estabelecia um presidencialismo forte e um parlamento bicameral: o dos Deputados e o do Conselho Federal. A Câmara dos Deputados era composta por representantes eleitos de forma indireta. O Conselho Federal era composto por membros das entidades federadas e dez membros de indicação do Presidente da República.

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O autoritarismo da Constituição de 1937 chegou a tal ponto que se previa a possibilidade de o Presidente da República, discricionariamente, após a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pelo Poder Judiciário, caso entendesse relevante ou necessário para o bem-estar do povo, ou à promoção dos interesses nacionais de alta monta, submeter a lei novamente ao parlamento, e, em caso de nova aprovação por dois terços, anular a decisão do Supremo tribunal Federal.3

Nesse contexto de autoritarismo, o melhor instrumento jurídico para se fazer valer a nova ordem foi o Direito Penal, normatizado ao talante do opressor.4 Instalada a nova ordem jurídico-política, o ministro da Justiça Francisco Campos incumbiu o jurista Alcântara machado de elaborar um projeto de Código Penal. A parte geral do anteprojeto foi entregue ao governo em 15 de maio de 1938 e o projeto definitivo, com 390 artigos, foi entregue em abril de 1940.5

O Projeto Alcântara machado foi submetido a revisão por uma Comissão Composta por Vieira Braga, nelson Hungria, narcélio de Queiroz e Roberto Lyra, sob a presidência de Francisco Campos. Alcântara machado somente tomou conhecimento da comissão revisora por intermédio da imprensa e com a revisão já consumada.

O Código Penal foi baixado com o Decreto 2.848, de 7 dezembro de 1940, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942. Em 1984, pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984, houve a reforma da Parte Geral, mantendo-se incólume a parte especial, ou seja, a previsão de crimes e cominação das penas.

Há, portanto, que reavaliar os tipos penais, mormente aqueles afetos ao Direito do Trabalho, considerando-se que, desde 1988, vivemos sob a égide de um Estado Democrático de Direito. Daí a proposta de dissecarmos os tipos penais de paralisação de trabalho de interesse coletivo e sabotagem à luz da literatura e jurisprudência criminal e enfrentá-los criticamente a partir das premissas do juslaboralismo.

2. Paralisação de trabalho de interesse coletivo
2.1. Considerações Iniciais

O crime de paralisação de trabalho de interesse coletivo está tipificado no artigo 201, do Código Penal:

Paralisação de trabalho de interesse coletivo

Art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Segundo o magistério de nelson Hungria e Heleno Claudio Fragoso, observando a Exposição de motivos do Código Penal, não foram trazidos para o campo do ilícito penal todos os fatos contrários à or-

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ganização do trabalho. São incriminados, em regra, somente aqueles que se fazem acompanhar de violência ou de fraude. Na ausência desses elementos, o fato não passará, salvo exceções, de ilícito administrativo.6

A paralisação de trabalho de interesse coletivo, no entanto, não está condicionada ao emprego de violência contra a pessoa ou contra coisa. Basta que da suspensão ou do abandono coletivo do trabalho resulte interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.

Em sentido contrário, magalhães noronha afirmava que "[d]eixa bem claro a disposição em exame que só pune a suspensão do trabalho ou a parede quando há violência (força física) contra a pessoa ou contra coisa". Referido autor entendia também ser patente que a violência devia ocorrer quanto durasse a lei ou a parede, pois, se usada antes, o crime estaria tipificado no art. 197, II, do Código Penal (atentado contra a liberdade de trabalho).7 O escólio de noronha, no entanto, não convenceu a jurisprudência da época:

Pratica o delito do art. 201, do CP o bancário que participa de suspensão ou abandono coletivo do trabalho, porque tal serviço reveste-se de cunho de interesse coletivo, porém nenhum cabimento tem a exasperação prevista no art. 31 da Lei de Segurança nacional se o delito não foi praticado com ameaça ou subversão da ordem pública ou social" (TJGB - AC - Rel. Ivan Castro de Araújo e Souza - RF 210/320)8.

Divergências históricas à parte, vale relembrar o conceito de obra pública para fins penais, talhado, à época da imposição do Código:

Obra Pública a que se refere o art. 201 é a que a administração pública manda executar por pessoas estranhas ao quadro de seus funcionários. Se a obra pública é executada por funcionários públicos, o crime é o do art. 18 da Lei 1.521, de 1951. Se a greve ou o lock-out obedecem a fim político-social, o simples fato de instigá-los ou prepará-los é crime previsto no art. 13 da referida lei.9

Seguindo com as lembranças históricas, serviço de interesse coletivo é:

Todo aquele que afeta as necessidades da população em geral, como, por exemplo: serviços de iluminação, de água, de gás, de energia motriz, de limpeza urbana, de comunicações, de transportes (terrestres, marítimos, fluviais ou aéreos), de matadouro, de estiva, etc. O que se quer garantir é a continuidade, indispensável ao curso normal da vida civil, de serviços (dependentes, ou não, de concessão do Governo) correspondentes às necessidades primárias do povo.10

À época, Cesarino Junior criticava severamente o dispositivo acima por não prever como o crime o fato de excitar ou dirigir a greve ou o lockout que resulte na paralisação de trabalho de interesse coletivo, mas, já advertia Hungria, estas pessoas enquadravam-se pela coautoria, agravando-se a pena à luz do antigo artigo 45, do Código Penal.11

Como se pode ver, o Código Penal dispensou tratamento distinto para a greve em empresas privadas (art. 200, "Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa: e em empresas públicas") e empresas públicas ou pelo menos que executem serviços de interesse coletivo (art. 201).

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Contemporaneamente, Cezar Roberto Bitencourt12 faz coro com nelson Hungria ao afirmar que, sob a égide da Constituição Polaca, o legislador de 1940 criminalizou a prática de greve ou do lockout, pacíficos ou não, de atividades públicas ou de interesse social.

Após a imposição do Código Penal, inúmeras leis disciplinaram o direito de greve, ampliando ou restringindo esse direito, dentre as quais se destacam:

i) a Lei n. 4.330/1964 que, segundo Paulo José da Costa Junior, teria revogado o crime previsto no art. 201, admitindo-a apenas em atividades fundamentais;13

ii) a Lei n. 7.789/1989, a atual Lei de Greve, que revogou a Lei n. 4.330, disciplinou a greve, definiu as atividades essenciais e regulou o atendimento das atividades inadiáveis da comunidade.

Na doutrina penal, portanto, parece não existir dúvidas de que, após a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei 7.789/1989, o tipo penal está revogado. Prevalece, atualmente, o entendimento de Alberto Silva Franco de que caso seja usada violência ou grave ameaça para a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo, então o delito cometido será aquele do art. 200 do CP. Em conclusão, a penalização ou tipificação da conduta antes descrita no revogado art. 201 como crime é que ficará na dependência da lei complementar a que se refere o art. 37, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, à qual cometeu a tarefa de estabelecer os limites do direito de greve e as sanções cabíveis.14

Considerando, entretanto, que a doutrina penal continua a abordá-lo e comentá-lo em todos os manuais e códigos comentados, faremos a sua descrição jurídico-penal para, somente ao final, trazermos nossas considerações juslaborais pela inconstitucionalidade do artigo em análise.

2.2. Bem Jurídico Tutelado

O bem jurídico-penal protegido pelo art. 201 do Código Penal não é a liberdade de trabalho. Afinal, a greve e o lockout não são o exercício do direito de trabalhar, mas a sua negação, isto, é greve e lockout simbolizam o não trabalho.15

O bem jurídico, portanto, são a regularidade e a moralidade das relações trabalhistas, especialmente aquelas afetas às obras públicas e aos serviços de interesse coletivo. São a correção e amoralidade que devem orientar a execução dos contratos de trabalho, o que não se pode confundir com "liberdade de trabalho".16

Daí porque a simples greve ou suspensão de...

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