A Convenção Interamericana contra a Corrupção: uma breve análise

AutorLarissa Ramina
Páginas1-11

Page 1

1 Introdução

O fenômeno da corrupção existe desde a Antiguidade como uma das formas de comportamento mais conflitantes com a boa administração dos interesses públicos. 1No entanto, com o passar dos tempos, circunstâncias históricas, políticas e econômicas vêm alterando a sensibilidade pública frente a tais comportamentos. Na esfera internacional, Page 2 a corrupção tem sido alvo de grande atenção nos últimos vinte e cinco anos, por conta, principalmente, do processo de globalização econômica, que viabilizou a prática da corrupção além das fronteiras nacionais, a chamada corrupção transnacional.

O aumento dos negócios transfronteiriços propiciou o surgimento frequente de situações nas quais funcionários públicos interagem com investidores internacionais em transações que envolvem montantes milionários, criando oportunidades para subornos2. Para agravar esse quadro, a liberalização das operações financeiras dificulta os controles internacionais, especialmente devido à existência de centros financeiros offshore, que proporcionam meios de esconder, lavar ou reciclar o produto de transações ilícitas.

Essas circunstâncias, aliadas ao problema da competitividade entre as empresas, fizeram emergir uma espécie de consenso da comunidade internacional3 na urgência para ações concretas visando o combate efetivo da corrupção, tornando-a um problema internacional, dependente de cooperação entre Estados em desenvolvimento e Estados desenvolvidos, visto que a corrupção atinge ambos, sem discriminação.

A Assembleia Geral das Nações Unidas abordou o tema da corrupção em transações comerciais internacionais, pela primeira vez, na Resolução 3.514, de 15 de dezembro de 1975. Na constância da citada Resolução, numerosos instrumentos que consideram, no todo ou em parte, o tema da corrupção foram adotados por um amplo espectro de organizações internacionais.

Na perspectiva da cooperação regional, a Organização dos Estados Americanos tem se destacado na promoção do combate contra a corrupção, em sua dimensão doméstica e internacional. A Convenção Interamericana contra a Corrupção4, adotada em 1996, representa o primeiro instrumento internacional a tratar o tema da corrupção transnacional5. Segundo a percepção da OEA, a corrupção constitui um mau que Page 3 compromete a legitimidade das instituições públicas, atenta contra a ordem moral e a justiça, contra o desenvolvimento integral dos povos, provoca distorções na economia, vícios na gestão pública, constitui um dos instrumentos de que se serve o crime organizado, além de ameaçar e corroer as atividades comerciais e financeiras legítimas (Preâmbulo).

Segue uma breve análise do texto da Convenção da OEA contra a Corrupção.

2 A Convenção Interamericana contra a Corrupção

As negociações para adoção da Convenção Interamericana contra a Corrupção foram concluídas em 29 de março de 1996, e sua entrada em vigor ocorreu em 7 de março de 1997. A Convenção conta hoje com vinte e oito Estados Partes6.

Os propósitos da Convenção da OEA são a implementação, pelos Estados, de mecanismos de prevenção, investigação, punição e erradicação da corrupção, e sua cooperação no sentido de assegurar a eficácia de tais mecanismos (Preâmbulo e Artigo II).

Assim, a Convenção Interamericana insere-se na lógica das iniciativas governamentais para combater a corrupção, que podem ser divididas em ações para prevenir e ações para tipificar o delito. Relativamente às primeiras, a Convenção Interamericana prevê, em seu Artigo III, uma série de "medidas preventivas" que as Partes concordam em considerar, com o objetivo de reduzir as oportunidades para a prática de atos de corrupção. Essas medidas incluem, entre outras, a adoção de códigos de conduta para o desempenho de funções públicas e mecanismos que os tornem efetivos (§ 1 e 2); sistemas para a declaração das receitas, ativos e passivos por parte de pessoas que desempenhem funções públicas e sua divulgação (§ 4); sistemas de recrutamento de funcionários públicos e de aquisição de bens e serviços pelo Estado comprometidos com a transparência, equidade e eficiência (§ 5) e a proibição de leis que permitam a dedução fiscal de despesas relacionadas com a corrupção (§ 7). Por fim, a Convenção Interamericana não menospreza o papel a ser desempenhado pelas empresas, prevendo a adoção de práticas contábeis detalhadas e transparentes (§ 10); pela sociedade civil e pelas organizações não-governamentais (Artigo III, § 11) na prevenção do crime. Page 4

Por sua vez, os esforços internacionais para tipificar o delito têm nos Estados os principais atores. A seguir, serão abordados alguns dispositivos da Convenção relativos às definições das condutas proibidas, aos fundamentos previstos para exercício da jurisdição estatal, às obrigações de cooperação internacional e à implementação e sanções.

2. 1 Definição das condutas proibidas

A proibição de determinadas condutas mediante a ameaça de sanções penais requer definições claras. Quando se trata de punir a corrupção, desde logo há que se enfrentar a ausência de consenso com relação ao seu conceito, já que ao definir o delito, diferentes aspectos podem ser considerados. Primeiramente, a corrupção tem dois lados, o passivo e o ativo7. Em seguida, mais recentemente a corrupção veio a cercar os comportamentos no âmbito exclusivamente privado, fazendo com que o setor privado também se tornasse, em alguns instrumentos, um elemento na definição de corrupção8. É o caso das Normas de Conduta elaboradas no âmbito da CCI. Todavia, apesar dessa diversidade, existe um núcleo comum no direito comparado, no sentido de considerar que algumas práticas constituem atos corruptos. Atualmente, o exemplo de maior relevância de ato de corrupção é o suborno. Variações existem, tais como o suborno ativo e o passivo, e também o suborno transnacional, que consiste no suborno de um funcionário público por negociadores ou empresas de outro país, com o objetivo de obter vantagens em seus negócios internacionais9. A Convenção da OEA abrange os lados ativo e passivo do delito, incluindo desde a corrupção puramente doméstica até sua dimensão internacional, mas dirige-se exclusivamente à corrupção no exercício das funções públicas.

Como se pode observar, o escopo da Convenção é amplo. Em seu Artigo VI, identifica os atos de corrupção para os quais serão aplicadas as disposições do texto. O Artigo VI, § 1 alíneas (a) e (b) da Convenção definem o suborno como um ato de corrupção. De acordo com a definição proposta, o delito é constituído pelos seguintes elementos: (1) a solicitação ou a aceitação e/ou a oferta ou outorga (2) direta ou indiretamente por ou a um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas (3) de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade (4) em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas. Page 5

Da perspectiva da técnica legislativa, é interessante notar que o provedor do suborno não está expressamente incluído como um elemento da definição do delito. No entanto, a Convenção prevê, em seu Artigo V, § 2º, que "cada Estado Parte poderá adotar as medidas que sejam necessárias" para processar seus nacionais que tenham cometido o delito, o que presumivelmente incluiria seus próprios funcionários públicos e as empresas transnacionais. Como decorre da definição de ato de corrupção adotada pela Convenção da OEA, são elementos do crime tanto a solicitação ou aceitação, quanto a oferta ou outorga de propinas por ou a funcionários públicos, abrangendo, assim, o lado ativo e o lado passivo do crime. Nesse último caso, é irrelevante se o provedor do suborno é nacional ou não. Sendo estrangeiro poder-se-ia falar de corrupção transnacional passiva.

De mais a mais, a Convenção abrange solicitações de suborno feitas direta ou indiretamente por funcionários públicos, assim como pagamentos ilícitos feitos por ou em nome de indivíduos ou empresas. O beneficiário da transação criminosa pode ser o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT