Integridade e pluralismo jurídico: desafios para a hermenêutica constitucional brasileira

AutorMeliza Marinelli Franco Carvalho
CargoMestra em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Pesquisadora integrante do grupo Margens do Direito
Páginas96-121
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REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Anno CXXVIII
INTEGRIDADE E PLURALISMO JURÍDICO: DESAFIOS PARA A
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
INTEGRITY AND LEGAL PLURALISM: CHALLENGES FOR BRAZILIAN
CONSTITUTIONAL HERMENEUTICS
MELIZA MARINELLI FRANCO CARVALHO
1
RESUMO: As sociedades democráticas contemporâneas são plurais e precisam lidar com as inúmeras
divergências que emergem do multiculturalismo. As diferentes opiniões e visões de mundo deveriam
contribuir para o debate político e influenciar as decisões coletivas de uma maneira em que todos os
interesses fossem tratados com igualdade. No entanto, as decisões colegiadas do STF, que no cenário
jurídico-político brasileiro tem tido a última palavra do direito, não demonstram dar à diversidade de
expressões culturais a mesma voz; não demonstram harmonizar as divergências, mas antes intensificá-
las. Cada voto se baseia em um referente interpretativo diferente, fragmentando a unidade do direito.
Esta pesquisa objetiva, a partir dos aportes teóricos de Ronald Dworkin, problematizar a ideia de
pluralismo jurídico com a noção de integridade do direito. Além disso, serão analisados alguns
aspectos do paradigma da différence e os seus efeitos no âmbito da hermenêutica constitucional. Como
resultado, apresenta-se o pensamento de Ronald Dworkin como uma possível resistência ao pluralismo
radical da différence na medida em que pressupõe uma identidade para o direito capaz de mediar
divergências.
PALAVRAS CHAVES: Integridade, pluralismo jurídico, Différence. Ronald Dworkin.
ABSTRACT: Contemporary democratic societies are plural and must deal with the many divergences
that emerge from multiculturalism. Different opnions and views of the world should contribute to
political debate and influence collective decisions in a way where all interests are treated equally.
However, the decisions of the Supreme Court, which in the Brazilian legal and political scenario has
had the last word of law, do not demonstrate to give the diversity of cultural expressions the same
voice; they do not demonstrate to harmonize the differences, but rather to intensify them. Each vote is
based on a different interpretive referent, fragmenting the unity of the law. This research aims, from
the theoretical contributions of Ronald Dworkin, to problematize the idea of legal pluralism with the
notion of integrity. In addition, some aspects of the paradigm of différence and their effects in the
context of constitutional hermeneutics will be analyzed. As a result, Ronald Dworkin's thinking is
presented as a possible resistance to radical pluralism of différence insofar as it presupposes an
identity for the right capable of mediating divergences.
KEYWORDS: Integrity, legal pluralism, Différence, Ronald Dworkin.
Mestra em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Pesquisadora
1
integrante do grupo Margens do Direito.
96
Recebido em 02/05/2018
Aprovado em 27/07/2018
CARVALHO, Meliza Marinelli Franco. Integridade e pluralismo jurídico: desafios para a hermenêutica constitucional brasileira.
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, v. 90, n. 2, p. 96-121, jul.-dez. 2018. ISSN 2448-2307. Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/236328>.
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REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Anno CXXVIII
1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios enfrentados pelas sociedades democráticas diz respeito às
divergências morais, ainda mais intensificadas pelo paradigma pluralista que tem comandado
o modo de construção de sentido do mundo ocidental . Os diversos grupos que compõem uma
2
mesma sociedade divergem radicalmente em questões sobre política, religião, educação,
sexualidade e até mesmo sobre os fundamentos considerados legítimos para uma decisão
judicial. No Brasil, a má reputação e o fracasso do Supremo Tribunal Federal em demonstrar
imparcialidade em suas decisões acabam tornando esse problema ainda mais difícil.
Mas a questão é que essa diversidade de opiniões deve ser protegida em uma
sociedade que se considera democrática e o Estado deve propiciar uma convivência
harmônica, tratando os interesses de cada grupo com igual consideração. O direito, sobretudo,
tem um importante papel na absorção da pluralidade. A primeira noção de pluralismo jurídico
é verificável nos discursos jurídicos da primeira metade do século XX. Ela tinha o objetivo de
mostrar, como crítica à ciência positivista do direito, que o direito não está somente naquilo
que está escrito, mas nas relações sociais. Para além do direito positivo produzido pelo
Estado, a ciência jurídica deveria se voltar para o estudo do “direito vivo”: o estudo daquilo
que as partes efetivamente observam na vida, de suas condutas, de seus usos e costumes
(EHRLICH, 2002). Por isso essa versão do pluralismo se aproximou da ideia de
multidisciplinaridade (SIMIONI, 2017), incorporando a sociologia como parte importante da
ciência jurídica.
Já o discurso contemporâneo e hegemônico de pluralismo jurídico no Brasil remonta à
coexistência, no mesmo espaço geo-político, de diversas ordens-jurídicas (SANTOS, 1988, p.
72-73). Ou seja, uma pluralidade de fontes normativas dentro de uma única comunidade. Essa
concepção surgiu como uma forma de ruptura com o ideal monista do Estado moderno,
Trata-se do paradigma da différence, cujo discurso central é o de promoção da diferença. Esse sistema de
2
pensamento foi gerado no âmbito da filosofia pós-estruturalista francesa, a partir de 1986, e seus principais
representantes foram Milchel Foucault, Maurice Blanckot, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jacques Derrida e
Pierre Klossowsky.
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CARVALHO, Meliza Marinelli Franco. Integridade e pluralismo jurídico: desafios para a hermenêutica constitucional brasileira.
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, v. 90, n. 2, p. 96-121, jul.-dez. 2018. ISSN 2448-2307. Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/view/236328>.

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