A Integração do Cone Sul: Reflexão Histórica sobre as Influências Internas na Política Externa

AutorEstevão Campaner Delldotto
CargoIntegrante do Grupo de Pesquisa PATRIAS na UniBrasil
Introdução: A Importância do Estudo da Integração Regional

Tendo em vista o momento atual da integração1 dos estados-nações do Cone Sul e o recente surgimento do Parlamento do MERCOSUL, vislumbra-se a necessidade de um estudo que tenha um aprofundamento de como a integração dos estados-nações da sub-região chegou a este ponto por intermédio da democracia, especialmente se observarmos que a idéia de um parlamento para o MERCOSUL é fundamentalmente entrelaçada ao regime político democrático e que a maioria das organizações internacionais existentes hoje possui uma clausula democrática.

Devido ao fato desta integração do Cone Sul, e consequentemente do MERCOSUL, não ter surgido sem nenhum legado histórico, torna-se necessário o estudo da base que fundamentou todo o processo. Nesta está à transição dos regimes militares autoritários internos de cada estado-nação, para os regimes democráticos vigentes atualmente. Assim como analisar qual a relação dos regimes democráticos com os processos de integração, a partir do estudo do Cone Sul. Nisto está a importância do estudo da integração desta sub-região, pois tornar-se um estudo de caso da influência da democracia na integração de estados-nações.

O estudo da mudança dos regimes políticos internos é importante, pois cada governo mesmo que democrático possui uma característica própria de condução das mais variadas políticas governamentais, dentre elas as políticas externas, como fica evidente na célebre frase do embaixador Celso LAFER “Toda política externa constitui um esforço, mais ou menos bem sucedido, de compatibilizar o quadro interno de um país com seu contexto externo”2. Acreditando nesta linha de pensamento o trabalho tentará demonstrar o que a democracia, como quadro interno, gerou na integração regional, entendida na frase como contexto externo.

Portanto, frente aos acontecimentos que marcaram as ultimas duas décadas na integração do Cone Sul, período que gerou as recentes democracias dos estados-nações integrantes da sub-região, faz-se necessário o estudo como mais uma forma de consolidar a manutenção das recentes democracias destes estados-nações, que vivem em uma constante insegurança política interna, devido à ascensão de governos populistas na sub-região, como é o caso de Evo Morales na Bolívia.

Desta forma com os estudos realizados em uma sub-região, como o Cone Sul, pode-se chegar a conclusões que levem a uma confirmação da democracia como o regime político interno que torna as relações internacionais, como um todo, menos vulneráveis as vontades de uma minoria que esteja nos governos locais. Além de ser o regime político que garanta os direitos fundamentais nas pautas internacionais de negociações.

E como é colocado por Rubens RICUPERO3 o tema da integração regional do Cone Sul, torna-se muito importante para o Brasil, pois este através das decisões do Instituo Rio Branco muda o foco de sua política regional, que antes subordinava os acontecimentos sub-regionais à vontade dos EUA e a agora passou a apreciar as necessidades locais, porém com a eminência da Associação de Livre Comércio das Américas (ALCA) é importante voltar a discutir a integração regional e seu histórico, para que assim discuta-se não apenas a ALCA ou a manutenção do MERCOSUL, mas sim o que é melhor para a sub-região do Cone Sul e seus integrantes.

1. Breve Histórico: Os Interesses e as Amizades Marcados na História

O termo democracia, segundo Norberto BOBBIO4, já sofreu várias alterações em seu significado desde que foi utilizado pela primeira vez, atualmente ele é entendido como uma forma de governo onde a vontade popular está presente nas decisões políticas, através dos representantes, eleitos por meio do voto. Desta forma espera-se que nos Estados-Nações que possuem este regime político existam políticas que considerem a vontade da maioria e não de uma minoria da população. Porém é importante lembrar sobre as transformações da democracia durante a história, expressa na brilhante afirmação que Antônio de Pádua Fernandes BUENO e Julius Moreira MELLO fazem na conclusão de seu artigo A Carta Democrática Interamericana e a Eterna Novidade da Democracia: “A democracia, todavia, é sempre uma novidade: ela é uma prática, um processo: na História, ela já foi considerada compatível com a escravidão; com a existência de uma religião oficial; com a exclusão das mulheres da vida política. E se transformou - e segue a transformar-se. Por ser histórica, ela é uma eterna novidade – suas características sempre mudam com o homem.”5

Em grande parte da América Latina este regime foi suprimido em meados do século XX quando em seu lugar instaurou-se um regime militar autoritário. O regime era militar, pois quem estava no poder era um grupo de militares, e autoritário, pois a vontade deste grupo era imposta, por intermédio do aparato estatal (polícia, justiça, forças armadas, etc), ao restante da população.

O surgimento deste regime em parte da América Latina está intrinsecamente ligado ao surgimento de uma nova sub-região geopolítica dentro do continente latinoamericano, o chamado Cone Sul, como colocam Maria Celina D’ARAUJO e Celso CASTRO na introdução do livro Democracia e Forças Armadas no Cone Sul:

... Cone Sul, entendido aqui como um conjunto de seis países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Trata-se de uma unidade que tantas outras, pode ser facilmente criticada, mas que, para nossos objetivos, possuí em sua definição dois elementos históricos fundamentais. Em primeiro lugar, todos esses países viveram, em décadas recentes, sob governos militares autoritários. Desse modo, experimentaram questões relacionadas ao envolvimento direto da instituição militar na política, à transição de governos militares para governos civis, à consolidação das novas democracias e à discussão do papel que as Forças Armadas devem assumir nesse novo cenário. Em segundo lugar, esses países vivem hoje um esforço comum de integração em um bloco regional, através do Mercosul. Ou seja, existe uma coincidência entre o que estamos tratando por Cone Sul e o Mercosul (considerando que Chile e Bolívia são membros associados).6

Esta supressão do regime democrático começou em 1954 no Paraguai, 1964 na Bolívia e no Brasil, 1973 no Chile e no Uruguai, e em 1976 na Argentina. E terminou em 1982 na Bolívia, 1983 na Argentina, 1985 no Brasil e no Uruguai, 1989 no Paraguai, e em 1990 no Chile, como está presente no livro de D´ARAUJO e CASTRO7, ou seja, foram trinta e seis anos sem que todos os estados-nações da sub-região tivessem ao mesmo tempo democracias legítimas.

O regime militar autoritário manteve-se no Brasil de 1964 até 1985, como foi descrito anteriormente. E durante este período foram seis pessoas que ocuparam o cargo máximo do Itamaraty: Vasco Leitão da Cunha, Juracy Magalhães, Magalhães Pinto, Gibson Barboza, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro. Tiveram algumas questões que se destacaram na relação do Brasil com o Cone Sul durante este período, dentre elas está à questão Itaipu-Corpus que trouxe uma grande aproximação com o Paraguai ao mesmo tempo em que marcou a maior tensão diplomática com a Argentina, pois o estado-nação vizinho temia prejuízos com a construção de Itaipu.

Outras questões que permearam as relações externas sub-regionais do Brasil na época foram os apoios aos diversos governos militares que se implantaram na subregião durante o período, mostrando assim uma das principais características da política externa brasileira, a não-interferência. A integração com o Uruguai em questões de transporte e comunicação e o receio da presença, financiada por Cuba, de Ernesto “Che” Guevara no Departamento de Santa Cruz, território boliviano próximo à fronteira do Brasil.

Entre os demais países tivemos as negociações para a navegação no Rio Paraguai, esta tida como uma das principais questões geopolíticas brasileiras para a América do Sul na época e uma das mais relevantes atualmente, como escreve Eliana ZUGAIB, no estudo elaborado para a XLVIII Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco e da FUNAG, A Hidrovia Paraguai-Paraná e seu Significado para a Diplomacia Sul-americana do Brasil8, outras questões são: a aproximação do Uruguai com a Argentina, o Projeto de Corpus (hidrelétrica binacional da Argentina com o Paraguai) e a situação de maior conflito que foi a Questão do Canal de Beagle, onde ocorria uma disputa territorial em que o Chile e a Argentina chegaram a acionar as suas forças armadas.

Desta forma a política regional ficou seriamente comprometida, pois os regimes militares autoritários mantiveram-se fechados na busca de interesses unilaterais. Uma prova desta característica é que logo após a abertura democrática ocorrer em todos os estados-nações, ocorreu a assinatura do Tratado para a constituição do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai (Tratado de Assunção), no dia 26 de março de 1991, na época os quatro estados-nações eram denominados como Estados Partes, sendo o Paraguai o depositário do tratado, e Bolívia e Chile vieram a ser parceiros posteriormente deste grupo (hoje vemos as pretensões venezuelanas de participar do bloco, mas nada definido até o presente momento).

Apesar do MERCOSUL mostrar que os interesses sub-regionais começaram a ter maior relevância, os interesses unilaterais continuaram a ser defendidos de forma veemente, como é o caso, por exemplo, da indústria de celulose finlandesa que está sendo construída no Uruguai e é o motivo de uma disputa com a Argentina que se diz prejudicada com a construção. Isto esta muito bem disposto no artigo de Miryam COLACRAI, Cuando la Participación Popular...

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