INSURGÊNCIAS NAS TRAJETÓRIAS EM DIÁSPORA DE UNIVERSITÁRIAS HAITIANAS EM BELO HORIZONTE, BRASIL

AutorCamila Rodrigues Francisco, Claudia Mayorga
Páginas57-84
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GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 57-84 | 1. sem 2020
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INSURGÊNCIAS NAS TRA JETÓRIAS EM DIÁSPORA DE
UNIVERSITÁRIAS HAITIANAS EM BELO HORIZONTE, BRASIL
Camila Rodrigues Francisco1
Claudia Mayorga2
Resumo: A palavra insurgência, em seu significado dicionarizado, evoca uma
organização que vai contra um movimento hegemônico; é utilizada sobretudo
em contextos de rebelião contra um sistema social e político. Este artigo objetiva
pensar como o deslocamento territorial de mulheres haitianas, motivado por
questões estudantis, aponta para insurgências sobre a forma como as coisas são
em um momento histórico, político e econômico, e em vários níveis. Confluímos
com uma proposta teórica de insurgência como uma transgressão de um estado
de coisas que se propõe instituído, articulando-a com os relatos das duas
universitárias haitianas interlocutoras da pesquisa de mestrado aqui mencionada.
Palavras-chave: Diáspora haitiana; estudantes haitianas; migrações estudantis.
Abstract: In the dictionar y, the word insurgence means some kind of organization
that goes against a hegemonic movement and it is used mainly in contexts of
rebellion against a social and political system. With this article, we show that
the territorial displacement of Haitian women indicates an insurgence in the
way things work at a given political, historical and economic time. We propose
a theoretical framework wherein insurgency is a transgression of a currently
instituted state of things, and apply it to the repor ts provided by the final project
of a master’s degree from two Haitian women who are university students.
Keywords: Haitian diaspora; university and diaspora; gender and diaspora;
Haitian students.
Introdução
A palavra insurgência, em seu significado dicionarizado, evoca uma orga-
nização que vai contra um movimento hegemônico estabelecido. É utilizada
1 Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, Brasil. E-mail:
cfmilarodrigues@gmail.com. Orcid: 0000-0002-9867-9095
2 Doutora em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid, Espanha. Professora do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil. E-mail: claudiamayorga@ufmg.br.
Orcid: 0000-0003-1728-0726
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sobretudo em contextos de revolta, rebelião contra um sistema político,
social e/ou de crenças fortemente construído.
É um termo apresentado para descrever processos históricos que se
apresentam como uma transgressão ao poder vigente. Em artigo que
discute o efeito das atividades insurgentes no período da ditadura civil-
-militar no Brasil no campo da Psicologia, Domênico Hur e Fernando
LacerdaJúnior (2017, p.29) localizam, no Brasil, as seguintes lutas insur-
gentes contra o Estado:
os movimentos de resistên cia escrava no período col onial, como a Guerra do s Palmares,
movimentos independentistas no período imperial, como a Inconfidência Mineira de
Tiradentes, movimentos insurrecionais religiosos no período imperial e republicano,
movimentos pela terra e dos trabalhadores no período republicano, entre muitos outros.
Trata-se inclusive de um termo em disputa, ora apropriado em seu sen-
tido estrito de movimento político de transformação – que busca se tornar
hegemônico – por uma minoria, ora como uma tipificação criminosa –
como ocorre no campo jurídico brasileiro3.
Podemos encontrar debates teóricos de apropriação do termo nas ciên-
cias humanas e sociais4, sobretudo a partir da obra do antropólogo estadu-
nidense James Holston, da qual parte o conceito de cidadanias insurgentes
para pensar sobre tais formações dentro da democracia brasileira. Para fins
deste artigo, confluímos, portanto, com a perspectiva do termo insurgên-
cia como uma dissidência ou transgressão de um estado de coisas que se
propõe hegemônico, instituído. O sociólogo francês René Lourau discute
a dialética do instituído e instituinte a partir dos paradigmas teóricos de
sua obra sobre a Análise Institucional, citado no trabalho da pesquisadora
brasileira Roberta Romagnoli (2014, p.47):
Ou seja, a instituição se e ncontra em algum lugar entre o revolu cionário do instituinte
e o conservador do instituído; contra as forças instituintes e sua rebeldia , a institu-
cionalização busca fo rmas mais estáveis, rígidas e durado uras; e contra o instituído e
3 A Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953, também chamada de Lei da Segurança Nacional, tipifica, em seu
artigo terceiro, como crime, a insurreição armada contra o estado (BRASIL, 1953).
4 Discussão acerca dos espaços públicos urbanos como contextos insurgentes de cidadania (REGINENSI;
MENEZES, 2009); reflexão sobre a própria cidadania brasileira a partir do conceito de Houston (SILVA, 2017);
debate em torno de como a aliança eventual entre a esquerda e o Estado tem produzido, não necessariamente
por intenção, um “apaziguamento” das forças insurgentes ao longo da história, processo que envolve também
uma captura das subjetividades (LACAZ, 2018); e ainda o espaço público em disputa a partir das performances
de cidadania com o movimento de
Slam Resistência
em São Paulo (FREITAS, 2020).

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