A institucionalização dos ofícios no MPU decorrentes da Lei n. 13.024, 2014 e suas possíveis implicações no âmbito do MPT: algumas questões práticas

AutorAna Cláudia Nascimento Gomes
Páginas11-39

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1. Notas introdutórias

Pode-se dizer que o Ministério Público Nacional, pós-constitucional, constituiu-se de modo ex novo. Considerando-se o modelo precedente, tem-se atualmente uma instituição (ou melhor, instituições, porque não

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há uma unidade orgânica que se constitua como um unívoco "Ministério Público Nacional") desvinculada dos Poderes Políticos; dotada de autonomia administrativa, financeira e orçamentaria; não mais vocacionada à defesa jurídica dos interesses do Estado-Administração (para a qual se constituiu uma Advocacia Pública profissionalizada, no âmbito da União e dos Estados--membros); e, finalmente, dotada de garantias e vedações subjetivas peculiares às dos membros do Poder Judiciário. O constituinte imprimiu nesse novo formato de Parquet, portanto, as marcas da independência e da imparcialidade jurídico-políticas. Tanto assim que se consagrou como princípio institucional do Ministério Público o da independência funciona2.

O paradigma constitucional, para ser devidamente concretizado, foi sendo paulatinamente transportado para as leis infraconstitucionais. Assim foi o caso, primeiramente, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/93), a qual institucionalizou outras garantias legais e processuais aos membros do MPU e, especialmente, estruturou-o internamente, em conformidade com o seu novel perfil de instituição voltada à "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis"3. Posteriormente, vieram leis que tratam de temas

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específicos (criança e adolescente, consumidor, concorrência, improbidade administrativa, idoso, pessoa portadora de deficiência etc), avançando (ou melhor, clareando) as matérias e os interesses tuteláveis pelo Ministério Público.

Sobre esses grandes assuntos ("O modelo constitucional de Ministério Público" e "os direitos e interesses tuteláveis pelo MP", além de outros correlatos), entretanto, podemos afirmar, há doutrina farta e de quilate. E a jurisprudência, mormente a constitucional, chancelou várias de suas teses4.

Recentemente, todavia, foi publicada a Lei n. 13.024/2014 (de 26.8.2014), a qual, em seus arts. 10 e 11, respectivamente, estabeleceu: "Ficam criados ofícios em número correspondente ao de cargos de membros criados por lei para cada um dos ramos do Ministério Público da União em todos os níveis das Carreiras"; e, "considera-se ofício a menor unidade de atuação funcional individual no âmbito do Ministério Público da União, com sede na respectiva unidade de lotação".

A inovação legislativa, por ocasião de sua publicação, não parecia ter gerado grandes consequências jurídicas (mormente nas searas administrativas e processuais/procedimentais, aqui, considerando-se especialmente a atuação finalística do MPU), tanto assim que, aliás, até a presente data, desconhece-se doutrina que tenha se debruçado ex professo sobre a apontada lei, abarcando as suas implicações relativamente aos

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procedimentos conduzidos no âmbito do Ministério Público da União. Mesmo porque, como é cediço, a Lei n. 13.024/2014 teve como principal objetivo instituir a nominada "gratificação por exercício cumulativo de ofícios dos membros do Ministério Público da União"; com claras repercussões remuneratórias para os seus membros. Desse modo, em termos perfunctórios, não pretendera o legislador impactar decisivamente na atividade-fim do MPU5.

Contudo, diante da regulamentação da lei pelo Procurador-Geral da República e pelo CASMPU (Conselho deAssessoramento Superior do MPU), por meio do Ato Conjunto n. 1/2014, de 26 de setembro, e transcorridos praticamente dois anos da vigência de ambos diplomas, a constatação a que chegamos é absolutamente diversa. Há sim vários e importantes efeitos desses atos normativos nos aspectos administrativos e, principalmente, processuais/ procedimentais; sobre os quais se afigura necessária uma específica reflexão, dentro de cada um dos ramos do Ministério Público da União, consideradas as suas atribuições peculiares e as suas realidades distintas.

O presente artigo visa, assim, contribuir para essa reflexão; eriçando questões pragmáticas que possam ser debatidas posteriormente por todos os membros do Ministério Público do Trabalho, até porque, evidentemente, a solução final para as mesmas deverá passar necessariamente pelo crivo da regulamentação que vier a ser editada pelo Conselho Superior (CSMPT)6. Trata-se, evidentemente, de considerações meramente iniciatórias, diante da novidade da matéria e da própria natureza de nossa reflexão.

Contudo, mesmo assim, consideramos que o momento para a feitura do presente artigo não poderia ser mais oportuno, justamente em face da "liberdade" decorrente da lacuna normativa no âmbito do MPT, o que torna o nosso tema encantadoramente espinhoso e movediço.

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2. A regulamentação dos ofícios pelo casmpu - o ato-conjunto n 1/2014 e os seus arrimos jurídico-constitucionais: os princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade do ministério público

Atendendo tempestivamente a determinação constante do art. 14 da Lei n. 13.024/20147, o PGR e o CASMPU editaram o mencionado "Ato-Conjunto n. 1/2014" (DOU 26.9.2014), regulamentando em termos gerais (isto é, para todos os ramos do MPU), os chamados ofícios. Assim, ao reverso da lei (frise-se, basicamente centrada na institucionalização da gratificação remuneratória), esse diploma normativo atentou consideravelmente para essas inovadoras "estruturas orgânicas" do Ministério Público da União, definindo-as e operacionalizando-as. O ato regulamentar é, pois, extenso, possuindo mais de 70 (setenta) artigos (e, justamente por isso, não será aqui comentado artigo por artigo).

Observando aqueles dispositivos que mais repercussões pragmáticas consideramos gerar, citamos o seu art. 2a, inciso II (ofício é "menor unidade de atuação funcional individual no âmbito do MPU, com sede nas unidades" respectivas); o art. 25 ("Uma vez distribuídos os feitos aos ofícios, a estes permanecem vinculados, ainda que vago o ofício, ausente por qualquer motivo o seu titular ou suspensa a designação") e o art. 26, estipulando as hipóteses em que será designado membro para atuação em substituição (ofício vago; ofício provido com designação suspensa e quando o titular de ofício provido estiver em gozo de férias, licenciado, afastado ou, por qualquer motivo, ausente por período superior a 3 dias úteis).

Os pressupostos jurídico-constitucionais que sustentam a criação dos ofícios e dos atos de designação para atuarem substituição nos direcionam os olhos para os princípios institucionais da indivisibilidade e da unidade do MP e para o princípio da continuidade da prestação do serviço público. Afinal, o Ministério Público, como órgão constitucional (dotado, aliás, de uma especial posição em termos jurídico-políticos8), presta um serviço público

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de inegável importância à sociedade: realiza a tutela de seus interesses jurídicos. E, como tal, a sua atuação também não pode sofrer solução de continuidade; aplicando-se ao Parquet aquele princípio de natureza jus administrativa, obviamente, com as especificidades inerentes ao fato de não se tratar de operações meramente materiais da Administração Pública9 e ao regime jurídico próprio a que submetem os respectivos membros desse "poder"10.

Com efeito, a continuidade da atuação ministerial, inclusivamente de modo institucionalmente concatenado, tem mesmo estreita conexão com o princípio da indivisibilidade, cujo conteúdo axiológico invoca a identificação (pelo público externo, pelo jurisdicionado, pelo investigado etc.) da instituição como um todo com cada membro em particular; e, nessa medida, a possibilidade de que eles se façam substituir uns pelos outros, no curso de processos e procedimentos, sem quaisquer prejuízos processuais11. Como bem resume José Adércio Leite Sampaio, "quando atua um integrante da instituição é a instituição inteira que se manifesta"12.

Aquelas normas - recordemos: os princípios institucionais da indivisibilidade e da unidade do MP e o princípio jus administrativo da continuidade

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da prestação do serviço público-, de conteúdo basicamente mandamental, por sua vez, orientam-se para o estabelecimento de uma atuação unificada e objetiva do MPU; ou seja, considerando-se a sua característica de "instituição (una e) permanente". Nesse sentido, ao instituir a Lei n. 13.024/2014 a atuação ministerial por meio de ofícios, pretendeu-se assentar (e a conduzir), em nossa ótica, uma maior objetivação dessa ativação (na medida em que há uma "despersonalização" daqueles, não se confundindo com a pessoa do membro que neles eventual ou permanentemente oficiam13). Daí porque, para nós, os procedimentos (judiciais e extrajudiciais que integram o seu acervo) vinculam-se doravante aos ofícios; mas, não, aos membros que, na qualidade de MP, indivisivelmente, exercerão as suas atividades.

Entretanto, essa recente objetivação, por sua vez, contrasta (ou pretensamente conflitual) com os outros princípios institucionais do MP, os quais apontam no sentido de sua "atuação subjetivada": os princípios da independência funcional e do promotor natural (corroborados e também instrumentalizados pela consagração constitucional de um conjunto de garantias e vedações análogas àquelas dos membros do Poder Judiciário). Afinal, o sistema constitucional não só repulsa a figura do acusador de exceção14, como também solidifica profundamente a concepção de autonomia

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e de liberdade que este tem de possuir no exercício daquela posição judicial15.

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