Inseguranças, incertezas e o desalento pós-moderno: o estado de crise nos últimos textos de Zygmunt Bauman

AutorRodolfo Rodrigo Santos Feitosa
CargoDoutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas1-18
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.2, p.01-18 Mai.-Ago. 2018
ISSN 1807-1384 DOI: 10.5007/1807-1384.2018v15n2p1
Artigo recebido em: 29/04/2017 Aceito em: 04/04/2018
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
INSEGURANÇAS, INCERTEZAS E O DESALENTO PÓS-MODERNO: O ESTADO
DE CRISE NOS ÚLTIMOS TEXTOS DE ZYGMUNT BAUMAN
Rodolfo Rodrigo Santos Feitosa
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Resumo:
A realidade social contemporânea é marcadamente associada a circunstâncias que
geram um “permanente estado de crise”. Zygmunt Bauman se destacou pela atenção
dedicada à compreensão do status de crise na modernidade líquida. O presente
ensaio lança luz sobre duas de suas últimas obras, a saber, Estado de Crise e
Estranhos à nossa porta. Os argumentos e ideias destacados à discussão
representam possibilidades a abordagens interdisciplinares que interpelem a condição
humana e as práticas sociais hodiernas. Neste sentido, a perda do poder de agência
do Estado, a difusão dos riscos e vulnerabilidades decorrentes, assim como as
condutas de estranhamento e desconfiança à alteridade, são questões debatidas à
luz de outras obras do autor e em diálogo com contribuições recentes da teoria social.
A reflexão aponta o caráter indissolúvel da crise na pós-modernidade como fonte de
tensão que articula incertezas, inseguranças e vulnerabilidades, asseverando o
individualismo e a hostilidade em determinados contextos, sendo a autocrítica social
um caminho viável para se evitar esses problemas.
Palavras-chave: Estado. Democracia. Migração. Globalização.
1 INTRODUÇÃO
Entre os elementos que caracterizam a sociedade contemporânea, sua
“condição de instabilidade” é algo marcadamente difícil de ser ignorado. É razoável
afirmar que um diagnóstico de tal condição dificilmente seja elaborado tomando como
base um único vetor causal. Mesmo o fenômeno da globalização, frequentemente
articulado ao apanágio da volatilidade na história social recente, é inviável como
recurso explicativo isolado. Não por acaso, os aspectos e sentimentos sociais, direta
e indiretamente relacionados à dificuldade de se estabelecer constâncias ordeiras na
sociedade contemporânea, têm desafiado os analistas desde os anos 1970 (HELD;
MCGREW, 2001). Neste sentido, sobressaem as interpelações acerca das
transformações nos comportamentos sociais e as consequências decorrentes para as
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Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano em Petrolina, PE, Brasil E-mail:
rrfeitosa@gmail.com
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sociabilidades e os modos de vida cotidianos.
Ao debruçar-se analiticamente sobre essa particular “condição instável”
vivenciada pela sociedade atual (sujeitos, instituições e relações), Zygmunt Bauman
construiu um legado teórico de grande importância não apenas à sociologia, mas ao
vasto campo das ciências humanas. Em seus escritos, o recurso à construção de
diálogos com variados pensadores e pensamentos mostrou-se instrumento de
elucidação de uma realidade deveras complexa, detentora de seu próprio “mal-estar”
e única na série de incertezas que compila (BAUMAN, 1998). A “condição de crise”
pós-moderna é ampla, ao abarcar estruturas, indivíduos e valores promove não
apenas alterações severas nas instituições e práticas sociais, mas acaba
reconfigurando ideais e utopias de sociedade, isto é, as nossas próprias projeções de
futuro para a humanidade.
O horizonte de crise sem fim tem vínculos diretos com as agitações deixadas
pela passagem da embarcação da modernidade, embora não se resuma a uma
simples decorrência dos inconclusos programas desse momento anterior. Lembremos
que, “mais do que tudo, os projetos modernos de perfeição global tiraram seu ímpeto
do horror à diferença e da impaciência com a alteridade” (BAUMAN, 1999, p. 272),
sendo eles mesmos responsáveis pelo efeito paradoxal de difusão de diferenças e a
decorrente fragmentação social. Toda a ambivalência gestada na era moderna não se
esvai na pós-modernidade, ao contrário, se estabelece reconhecida em suas
características e nas problemáticas que lhes circundam, muitas das quais promotoras
dos vazios dos sujeitos de nosso tempo e de suas identidades indeterminadas. No
horizonte da liquidez, “[...] as identidades talvez sejam as encarnações mais
aguçadas, mais profundamente sentidas e perturbadoras da ambivalência
(BAUMAN, 2005, p. 38, grifo do autor).
O arrojo moderno pela classificação e pela ordem deixaram marcas
entranhadas, especialmente pelas violências e submissões que foram designadas em
seu nome. Ao mesmo tempo, herdamos lacunas e cisões pertinentes aos processos
de integração social que, eivados por sensações de insegurança e abandono,
compõem parte considerável das nossas percepções sobre a alteridade e o modo
como lidar com elas, sobretudo diante das incertezas que se avolumam. Consciente
ou inconscientemente, as ações no cotidiano revelam os sentimentos predominantes
acerca da alteridade, bem como expressam nossa visão aturdida frente a questões
para as quais não dispomos de instrumentos resolutivos, mas que recaíram como

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