Inovadora e democrática. Mas e aí? Uma análise da primeira fase da consulta online sobre o Marco Civil da Internet
Autor | Rachel Callai Bragatto - Rafael Cardoso Sampaio - Maria Alejandra Nicolás |
Cargo | Cursa doutorado em Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Doutor em Comunicação e Política pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) |
Páginas | 125-150 |
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 29 - Jan./Abr. de 2015
125125 – 150
Inovadora e democrática.
Mas e daí? Uma análise da
primeira fase da consulta online
sobre o Marco Civil da Internet
Rachel Callai Bragatto1
Rafael Cardoso Sampaio2
Maria Alejandra Nicolás3
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a primeira fase do processo de consulta pública do Marco Civil
da Internet, iniciativa que convocou cidadãos e grupos organizados para discutir e elaborar um
projeto de lei sobre o tema. Mediante a análise de conteúdo das propostas enviadas ao fórum
online (n=686) e de entrevistas, buscou-se: (1) situar o contexto político e social em que se deu
o debate; (2) identificar temas, palavras-chaves, autoria e frequência; (3) mapear e observar a
variedade e amplitude de atores envolvidos; (4) verificar os desdobramentos das contribuições
da primeira etapa na fase subsequente. Os resultados indicam que houve um ambiente bastante
deliberativo com muita reciprocidade, respeito e argumentações. Por outro lado, poucos cidadãos
participaram dessa fase, visto que houve uma concentração de parte significativa das contribui-
ções em poucos usuários e a prevalência de uma visão libertária. Concluiu-se que a consulta foi
democraticamente relevante, mas excessivamente restrita em sua publicidade e alcance.
Palavras-chave: Marco Civil da Internet. Consulta Pública Online. Deliberação Online.
1 Cursa doutorado em Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Faz parte do grupo de pesquisa
Instituições, Comportamento Político e Novas Tecnologias (GEIST) da mesma universidade. Bolsista Capes.
E-mail: rachelbragatto@gmail.com.
2 Doutor em Comunicação e Política pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Realiza estágio pós-doutoral
no Grupo de Estudos em Mídia e Esfera Pública (EME) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Bolsista Fapemig. E-mail: cardososampaio@gmail.com.
3 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora do curso de Administração e
Políticas Públicas Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP), Universidade Fede-
ral da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: alejandranicolas@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p125
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Rachel Callai Bragatto, Rafael Cardoso Sampaio e Maria Alejandra Nicolás
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1 Introdução
Até dezembro de 2009, existiam 26 propostas para a regulamentação da
internet no Congresso Nacional. No entanto, a reação da sociedade civil a um
deles, o Projeto de Lei nº 84/1999, conhecido como AI-5 Digital, motivou o
Ministério da Justiça a iniciar um processo de consulta pública por meio da
internet para a construção de uma lei, o chamado Marco Civil da Internet. O
debate deu-se online, em duas fases, e resultou em um projeto assinado pela
Presidente Dilma Rousse, encaminhado ao Legislativo em agosto de 2011,
aprovado e sancionado apenas em 2014. A Lei nº 12.965 é hoje a responsável
por estabelecer “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet
no Brasil”. No momento, discute-se a regulamentação da legislação.
Ainda que se tenha em mente que no Brasil a universalização do acesso à
internet ainda não seja realidade4, e, portanto, a possibilidade de participação
de parcela dos cidadãos na consulta online seja limitada, a consulta sobre o
Marco Civil da Internet é considerada uma das mais bem-sucedidas no Brasil
pelo seu formato colaborativo, pela forma como conseguiu envolver diferentes
setores da sociedade e do governo e por ter sido uma das primeiras experiên-
cias de tal tipo no contexto brasileiro (LEITE; LEMOS, 2014; STEIBEL,
2012; SEGURADO, 2011).
Nesse sentido, o artigo faz parte de um longo estudo sobre a elaboração
do Marco Civil da Internet em suas diferentes fases e reelaborações. Nesta
pesquisa, avalia-se a primeira fase da consulta pública e pretende-se, em es-
pecial, compreender: 1) como se deram as discussões entre os participantes,
isto é, quais foram os atores, argumentos e posicionamentos proeminentes e,
2) analisar os impactos das contribuições realizadas nessa fase no documento
resultante dela, assim como reetir sobre os desdobramentos do processo do
Marco Civil em termos gerais.
Como perspectiva teórica, parte-se da discussão acerca da democracia
digital a m de entender as condições necessárias para que a utilização de
4 Conforme a última pesquisa TIC Domicílios e Empresas 2013, conduzida pelo Comitê Gestor da Internet
(CGI), 58% dos brasileiros afirmaram já ter acessado a internet ao menos uma vez na vida; porém, apenas
43% dos brasileiros têm acesso em casa. Fonte: otal-brasil/>.
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