Injúrias

AutorCesare Beccaria
Páginas137-140

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As injúrias pessoais e contra a honra, isto é, a exata parcela de estima que um cidadão tem o direito de exigir dos outros, devem ser castigadas com a desonra. Existe uma contradição evidente entre as leis civis, guardiãs ciosas, mais do que outra coisa, do corpo e dos bens de cada cidadão, e as leis do que se denomina “honra”, que fazem a opinião anteceder a tudo. Esta palavra ”honra” é uma das que serviram de base para grandes e brilhantes raciocínios, sem se lhe acrescentar qualquer ideia fixa e estável. Mísera condição a das mentes humanas, que as afastadíssimas e menos importantes das revoluções dos corpos celestes sejam conhecidas, com maior clare-za que as próximas e importantíssimas noções morais, sempre vacilantes e confusas, conforme as impelem os ventos das paixões e as receba e transmita a ignorância orientada! Desaparecerá, entretanto, o aparente paradoxo se se considerar que assim como se confundem os objetos situados muito próximos

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dos olhos, também a excessiva proximidade das ideias morais fazem que se misturem facilmente as inúmeras e singelas ideias que as compõem, e que se confundam as linhas de separação necessárias ao espírito geométrico que quer medir os fenômenos da sensibilidade humana. E desaparecerá de todo a surpresa do indiferente investigador das coisas humanas, que suspeitará não ser por ventura necessária tanta ostentação de moral, nem tantos vínculos, para fazer os homens felizes e confiantes.

Esta “honra” é, pois, uma daquelas ideias complexas, que são um acessório igualmente de ideias simples e de outras complicadas, as quais, em sua diversa apresentação à mente, admitem, algumas vezes, e excluem outras, alguns dos diversos elementos que as compõem; e retêm mais do que algumas ideias comuns, do mesmo modo que várias quantidades algébricas admitem um divisor comum. Para se encontrar esse divisor comum nas diversas ideias que os homens formam da “honra”, é preciso lançar um rápido olhar sobre a formação das sociedades. As primeiras leis e os primeiros magistrados nasceram da necessidade de consertar as desordens do despotismo físico de cada homem: foi este o fim para o qual se instituiu a sociedade, e este fim primário se manteve sempre, na realidade, ou em aparência, à frente de todos os códigos, mesmo destruidores; po-

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rém, a aproximação entre os homens e o progresso de seus conhecimentos deram origem a uma infinita série de ações e de necessidades mútuas sempre superiores à...

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