O Arquivo Inimigo Rumor, Escolhas e Afinidades

AutorElisa Helena Tonon
CargoMestranda do curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas137-145
O ARQUIVO INIMIGO RUMOR, ESCOLHAS E AFINIDADES
Elisa Helena Tonon1
Ler, escrever, não duvidamos que tais palavras sejam solicitadas a ter, em nosso
espírito, um papel muito diferente daquele que ainda tinham no começo do século
XX: isso é evidente, qualquer rádio, qualquer tela, nos advertem disso e, mais
ainda esse rumor em volta de nós, esse zumbido anônimo e contínuo em nós, essa
maravilhosa fala inesperada, ágil, incansável, que nos dota a cada momento de um
saber instantâneo, universal, e faz de nós a mera passagem de um movimento em
que cada um é sempre, de antemão, trocado por todos.
Blanchot, O livro por vir
Revista: coleção, reunião, arquivo
No verbete “O colecionador” de suas Passagens, Walter Benjamin nos diz
que “talvez o motivo mais recôndito do colecionador possa ser circunscrito da
seguinte forma: ele empreende a luta contra a dispersão. O grande colecionador é
tocado bem na origem pela confusão, pela dispersão em que se encontram as
coisas no mundo”2.
Podemos pensar que, entre outras coisas, é este desejo de evitar a
dispersão que motiva diversos poetas brasileiros, a partir da década de 90, a
iniciar a publicação de revistas de literatura e poesia3. O esforço depreendido
1 Mestranda do curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina,
desenvolve pesquisas principalmente nos seguintes temas: poesia, literatura, periodismo cultural e
América Latina. O presente trabalho contou com o apoio do CNPq.
2 BENJAMIN, Walter. Passagens. (Org.: Wille Bolle) São Paulo: IMESP, 2006. p.245.
3 Sérgio Cohn com Azougue, em 1996; Carlito Azevedo com Inimigo rumor em 1997; Ricardo
Corona, Rodrigo Garcia Lopes, Ademir Assunção e Eliana Borges, em 1998 com Medusa; ainda
em 1998, Tarso M. de Melo com Monturo; Ademir Demarchi com Babel em 2000; Régis Bonvicino
em 2001 com Sibila; Rodrigo Garcia Lopes, Ademir Assunção e Marcos Losnak com Coyote em
2002; Eduardo Sterzi e Tarso de Melo, com Cacto, também em 2002; Chico Mattoso e Paulo
Werneck com Ácaro em 2002; Ricardo Corona e Eliana Borges, em 2004 com Oroboro e por
Boletim de Pesquisa – NELIC V. 8, Nº 12 / 13 (2008)
nesta realização, além de combater o risco da dispersão, parece motivado pelo
desejo de demonstrar quão equivocado é o “discurso do fim” que ainda atinge a
poesia4, as revistas assim seriam mais um atestado para a vitalidade e
diversidade da poesia brasileira.
Pretendo pensar estas revistas aqui, como procedimento, operações de
leitura que possuem um estreito (estranho) vínculo com a memória. Elas
funcionam como um (no) arquivo, que, como tão bem nos ensina Derrida, é o
dispositivo que simultaneamente reúne e interpreta, institui e conserva. O arquivo
tem sua existência garantida pelo risco, pela ameaça de finitude, de apagamento,
de destruição, que coexiste com o impulso de guardar, economizar, acumular, pôr
em reserva.
Delegado aos cuidados do arconte - que o reúne, conserva e interpreta -, o
arquivo é não só o local, o exterior, a morada de um “conteúdo arquivável
passado5, mas também o que determina “a estrutura do conteúdo arquivável em
seu próprio surgimento e em sua relação com o futuro. O arquivamento tanto
produz quanto registra o evento. É também nossa experiência política dos meios
chamados de informação”6.
Festa ou velório?
O primeiro número da revista de poesia Inimigo rumor sai em 1997 e não
explicita projeto algum, porém publica a ‘antológica’ carta de João Cabral de Melo
Neto a Clarice Lispector, em que se discute a elaboração de uma revista que
último; Angélica Freitas, Fabiano Calixto, Marília Garcia e Ricardo Domeneck, com Modo de Usar
& Co., em 2007. Ou seja, entre outras diversas publicações destinadas à literatura circulando no
mesmo período, é possível destacar mais de uma dezena delas que são (foram) elaboradas
principalmente por poetas e destinadas principalmente à poesia.
4 Como o desejo que impulsiona Heloísa Buarque de Hollanda a se re-lançar na tarefa de montar
uma antologia, com “Esse poetas – Uma antologia dos anos 90”: “Essa não é a primeira vez. O fato
é que, diante de qualquer formação de consenso a respeito de quedas de vitalidade na produção
cultural, sinto-me impelida a organizar uma antologia de novos poetas”. Hollanda. Heloísa Buarque
de. Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2001. p.9.
5 DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Trad.: Claudia de Moraes Rego.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p.28.
6 Idem, p.29.
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