Iniciativa popular no brasil: entre o populismo conservador e o bloqueio democrático

AutorAlessandro Soares
CargoFaculdade Escola Paulista de Direito, São Paulo - SP, Brasil
Páginas12-41
Direito, Estado e Sociedade n.55 p. 12 a 41 jul/dez 2019
Iniciativa popular no Brasil: tendências
punitivistas e diculdades democráticas
Popular initiative in Brazil: punitive tendencies and
democratic diculties
Alessandro Soares*
Faculdade Escola Paulista de Direito, São Paulo – SP, Brasil
1. Introdução
A Constituição brasileira de 1988 é o resultado jurídico de uma longa tran-
sição à democracia. A ditadura se instalou no país em 1964 após um golpe
civil-militar desferido contra o então presidente eleito João Goulart. Em
1974, diante de uma conjuntura política e econômica difícil, os militares
arquitetavam e empreendiam o início de um processo de transição que
perduraria ao menos até o f‌inal da década de 1980.1 Se, por um lado,
ao controlar o ritmo da abertura, os militares demonstravam que estavam
em uma correlação de forças favorável frente a seus opositores, por outro,
mantinham sob contenção uma sociedade civil cada vez menos crente na
legitimidade do regime. Nessa medida, parece-nos que as mobilizações
* Doutor no programa de Administração, Fazenda e Justiça no Estado Social pela Faculdade de Direito da
Universidade de Salamanca - USAL. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo - USP. Graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM
São Paulo. Professor na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM. Professor e
Diretor Acadêmico na Faculdade Escola Paulista de Direito - EPD. Professor e coordenador dos cursos de
MBA em Gestão Pública e Pós-Graduação em Direito Municipal da Faculdade Escola Paulista de Direito
- EPD. Professor e coordenador do curso de Pós-Graduação em Direito Público da Faculdade Damásio.
Ocupou o cargo de Chefe de Gabinete do Ministro de Estado da Justiça (2012-2014). E-mail: alesong@
ig.com.br
1 Consoante Linz e Stepan, essa longa transição controlada se deve ao fato de que “o regime autoritário,
que embora jamais tenha sido plenamente institucionalizado, era hierarquicamente controlado por uma
organização militar que detinha poder suf‌iciente para controlar o ritmo da transição e para extrair um alto
preço por se retirar do poder”. (LINZ; STEPAN, 1999, p. 205.)
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políticas de massa ocorridas por todo o país entre novembro de 1983 e
abril de 1984, demandando o direito de a cidadania eleger diretamente o
Presidente da República (movimento das Diretas Já),2 corresponde a um
sintoma inequívoco dessa situação, uma espécie de termômetro indicando
que a “panela de pressão” estava no limite.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-19883 esteve, então, so-
bredeterminada por este cenário: mobilização e efervescência política por
parte da sociedade civil – que requeria direitos de participação política,
proteção aos direitos humanos e garantias de liberdade − e a tentativa de
controle de todo o processo pelas forças conservadoras atreladas ao “antigo
regime”, de modo a manter intacta a dominação política. Por óbvio, há
aqui uma simplif‌icação. Seja como for, essa perspectiva explica em larga
medida aspectos contraditórios do Texto Constitucional de 1988. Pode-se
af‌irmar que tais contradições ref‌letem os fatores reais de poder4 presentes
no âmbito do debate constituinte. Quanto a esse ponto, impende notar que
as instituições que demarcam o campo normativo do Estado são objetiva-
ções que conferem materialidade a uma correlação de forças cujo intuito
é o de reger de maneira duradoura a vida política.5 Uma Constituição não
foge a essa regra.
Com efeito, os traços contraditórios da Constituição de 1988 podem
dar ensejo a avaliações aparentemente opostas. Nesse sentido, Linz e Ste-
pan destacam que teria sido “uma Constituição criada em circunstâncias
altamente restritivas, ref‌letindo o poder de facto das instituições e forças
não democráticas”.6 Adotando perspectiva distinta, Silva ressalta que “fe-
z-se uma Constituição que rompeu com o passado, por isso é combatida
pelas elites conservadoras”.7 De fato, o que se constata é o fato de que,
2 Sobre o assunto, ver REIS, 2014, p. 106; SCHWARCZ, 2015, p. 482-484.
3 As eleições para a Assembleia Nacional Constituinte foram celebradas em 15 de novembro de 1986,
elegendo 487 deputados e 72 senadores. A Constituinte é instalada em 1o de fevereiro de 1987 e termina
seus trabalhos com a promulgação do Texto Constitucional em 5 de outubro de 1988.
4 Referência à clássica resposta de Lassalle, a qual aborda o que seria a essência da Constituição de um país:
“... la suma de los factores reales de poder que rigen en ese país”. (LASSALLE, 2012, p. 78.)
5 LINERA, 2010, p. 281.
6 LINZ; STEPAN, 1999, p. 206.
7 SILVA, 2008, p. 110. Tal perspectiva aparece presente na atualidade: o jornal o Estado de S. Paulo, um
dos mais tradicionais e importantes do País, em editorial duro, ataca exatamente os direitos instituídos pela
Constituição, propondo uma revisão destes por uma nova Assembleia Nacional Constituinte. (O ESTADO
DE S. PAULO, 2015.)
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e diculdades democráticas

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