Ingenuidade jurídica

AutorVivola Risden Mariot
CargoAdvogada
Páginas259-259

Page 259

No início de minha carreira, trabalhei por alguns anos como defensora pública no interior de São Paulo. Em algumas das modestas comarcas pelas quais passei, pude testemunhar casos que podiam ser vistos como dramáticos ou cômicos, dependendo da situação concreta, das pessoas e dos fatos envolvidos, mas sempre com uma certa aura de inocência, simplicidade e um tom pitoresco que costuma dar o ar típico às pequenas comunidades, com seus hábitos e modismos tão diferentes do que estamos acostumados a ver e trabalhar nas grandes cidades.

Foi em uma dessas cidades, Caçapava, que de tão pacata quase era sonolenta, como no poema de Drummond, que se deu o “causo” que passo a narrar.

Era um caso de porte ilegal de arma. O cidadão era acusado de ter sacado seu revólver, na frente de sua casa, para ameaçar e “pôr pra correr” um seu desafeto, que noticiou a autoridade local e esta, cumprindo passo a passo as fases do processo, acabou por levá-lo a julgamento.

A princípio um caso corriqueiro, quase banal para nossas (tristemente) violentas ocorrências policiais de cidade grande, mas que tomou proporções épicas, com expectativas para a audiência de instrução que foi designada pelo juiz da comarca, que costumava dirigir os autos com toda a propriedade.

Incumbida da defesa do réu, como defensora dativa, iniciei os trabalhos ouvindo a parte e para ele perguntando quem poderia servir-lhe de testemunha, senão do fato, que se dera sem ninguém por perto, então de sua idoneidade, ao que ele afirmou com toda naturalidade que, mesmo ele não possuindo arma de fogo, usar uma era muito comum naquela região e que a reação dele naquele fatídico dia era igualmente normal, porque todos “já cresciam acostumados” com tais rompantes e com armas sacadas sem pudor, sobretudo na simples área rural onde morava.

Chegado o dia da audiência, cumpridas as formalidades e apregoadas as partes em alto e bom som pelo escrivão, no átrio do pequeno fórum local, com toda a pompa de quem se vê diante da incomum oportunidade de poder externar a formalidade comovente de um julgamento que...

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