A infra-estrutura em informação científica e em Ciência da Informação na antiga União Soviética (1917-1991)

AutorRoberto Lopes dos Santos Júnior, Lena Vânia Ribeiro Pinheiro
CargoArquivista. Mestre em Ciência da Informação pelo convênio PPGCI/ IBICT/ UFF - Doutora em Comunicação e Cultura, convênio IBICT / UFRJ ?ECO
Páginas24-51

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Roberto Lopes dos Santos Junior

Arquivista. Mestre em Ciência da Informação pelo convênio PPGCI/ IBICT/ UFF bobblopes@hotmail.com

Lena Vania Ribeiro Pinheiro

Doutora em Comunicação e Cultura, convênio IBICT / UFRJ –ECO enavania@ibict.br

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1 Introdução

O campo de estudo relacionado à informação científica e, posteriormente, à Ciência da Informação na antiga União Soviética, apresentada nesse país pela nomenclatura Informatika, possuiu três fases distintas de evolução e desenvolvimento. A primeira, com as medidas tomadas pelo líder bolchevique Vladimir Lênin na construção de um sistema de informação no país, entre 1918 a 1922, passando por sua consolidação nas décadas de 1960 e 1970 e por um período de reestruturação e reorganização no final dos anos 1980. Essa iniciativa pode ser considerada como uma das mais importantes em termos de estudo da informação em âmbito internacional. Especificamente no Brasil, tanto os conceitos e pensamentos de alguns teóricos soviéticos quanto o desenvolvimento de órgãos como o Instituto Estatal de Informação Científica e Técnica, ou VINITI (Vserossiisky Institut Nauchnoi i Tekhnicheskoi Informatsii), influenciou diferentes autores da área no país e na realização de congressos, organizados no final dos anos 1960 e inicio da década de 1970, por instituições como, por exemplo, o antigo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), hoje IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.

Mas apesar de todos esses aspectos relacionados à importância e influência desse campo de estudo, foi constatado, também, carência de bibliografias que discutem ou mostram como o campo da Ciência da Informação na URSS se desenvolveu. Exceções são feitas aos bibliotecários norteamericanos Pamela Spence Richards (1941-1999) e John V. Richardson Jr., que produziram relevantes artigos sobre o desenvolvimento da Biblioteconomia e da Ciência da Informação na antiga União Soviética e na Rússia. Citamse, também, trabalhos isolados de teóricos russos como Arkadii Chernyi e Rudhzero Gilyarevskyi, que analisaram o desenvolvimento da Informatika /Ciência da Informação russa e o funcionamento de Institutos como o VINITI. A tentativa de suprir, mesmo que parcialmente, essa “lacuna”, serviu de inspiração para o desenvolvimento desse trabalho.

O presente artigo pretende apresentar e analisar informações sobre a história e o desenvolvimento da infraestrutura de pesquisa em informação na então URSS e, paralelamente, a de alguns países de sua esfera de influência. Essa análise inclui a descrição de como funcionavam os principais

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órgãos e institutos de pesquisa no país como, por exemplo, o VINITI, os serviços de informação realizados na URSS, os periódicos secundários, a formação profissional na área e, por último, os eventos técnicocientíficos em Informatika/ Ciência da Informação ocorridos na antiga União Soviética.

2 Breve histórico da infraestrutura de informação científica na antiga URSS

A origem da Ciência da Informação na URSS pode ser datada pela ascensão do partido bolchevique ao poder, em novembro de 1917. O premier russo, Vladimir Lênin, acreditando que o desenvolvimento da ciência de seu país também dependia do acesso dos conhecimentos produzidos nos países capitalistas, e temendo que se repetissem os erros da revolução francesa, que destruiu importantes centros de pesquisa por serem do “antigo regime”, apoiou medidas que preservassem os institutos científicos da Rússia (RICHARDS, 1996, p.77). Uma das primeiras medidas tomadas por Lênin foi a de manter a autonomia e uma relativa independência no principal centro de pesquisa do país, a Academia de Ciências Russa, fundada em 1725, e uma das mais respeitadas da Europa, mesmo com a fria recepção com que o instituto recebeu a revolução e os bolcheviques (PIPES, 1995, p. 322).

Entre 1918 e 1922 surgiram as bases para o desenvolvimento de um sistema de informação científica no país. As bibliotecas privadas e institucionais foram nacionalizadas em novembro de 1918 (RICHARDS, 1996, p.78) e foram criadas duas agências que traduziam e publicavam a literatura científica e alguns periódicos ocidentais para a Rússia: o Bureau de Ciência e Tecnologia Estrangeira, ou BINT, em atividade em Berlim, entre 1920 e 1928, e o Kominolit, que funcionou na URSS e foi estabelecido por Lênin, em decreto de junho de 1921, ficando em funcionamento até o final do referido ano (MIKHAILOV, CHERNYI, GILYAREVISKYI, [1968] 1973, p. 643; BROOKES, 1984, p.222; RICHARDS, 1992, p. 271-272). Em 1926, foi promulgado o decreto “análise sobre o estado da informação no partido comunista e medidas para

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sua melhoria”, que buscou tornar mais eficiente o fluxo e a troca de informações entre diferentes setores do partido comunista soviético (HOFFMANN, 1973, p.203).

A partir de 1927, foram implementadas políticas de treinamento de profissionais que pudessem trabalhar de forma mais eficaz com a literatura científica recebida e produzida no país. Essas políticas foram consolidadas na primeira metade da década de 1930, com a criação de cursos para a formação de profissionais que traduziam e disseminavam as informações de pesquisas produzidas no exterior e nas Repúblicas Soviéticas (RICHARDS, 1992, p.271).

Parte dessa autonomia e independência foi perdida à medida que a repressão política promovida pelo sucessor de Lênin, Joseph Stalin, aumentou de forma vertiginosa após 1937. Muitos dos serviços e práticas de organização e produção da informação ficaram prejudicados e alguns desses serviços seriam realizados também em órgãos de segurança e de espionagem, como o NKVD ou MVD1 (ANDREW, GORDIEVSKIJ, 1991).

Entre 1941 e 1945, período em que a URSS se envolveu com a Segunda Guerra Mundial, muitos desses serviços foram interrompidos ou transferidos para locais mais afastados, assim como centros de pesquisa e bibliotecas, que foram destruídos com a ocupação do país por tropas alemãs durante o conflito (RICHARDS, 1996, p. 78). Com o término da guerra, projetos de “reparações” foram estabelecidos pelo governo soviético e muito da reconstrução dessas bibliotecas foi feita com livros e coleções alemãs confiscados pelos russos (RICHARDS, 1996, p.78-79).

Os anos do pósguerra, aproximadamente entre 1946 e 1953, viram um recrudescimento de posturas xenófobas na ciência soviética, onde existiram tentativas, tanto do partido quanto de alguns cientistas, de extirpar o “cosmopolitismo”, ou seja, a troca de informações e material entre cientistas russos e ocidentais, em diversos campos científicos (HOLLOWAY, 1997, p. 263-5). Os primeiros anos da Guerra Fria fez da ciência russa uma de suas primeiras vítimas2.

Apesar de a Academia de Ciências Soviética ainda ter mantido certa independência nesse período e de ser a única instituição a receber publicações científicas estrangeiras, mesmo assim, sofria um

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forte controle vindo do partido comunista e dos órgãos de informação como o MVD. Embora ainda permitindo que uma certa elite científica pudesse desfrutar de algum acesso à informação ocidental, parte considerável da ciência russa não teve o mesmo privilégio, a despeito dos esforços (bem sucedidos) da Academia de Ciências e de alguns pesquisadores e bibliotecários, em tentar pelo menos atenuar essa situação (RICHARDS, 1996, p.85-86).

Entretanto, se os últimos anos do governo de Stalin foram marcados por um fechamento político, cultural e científico, esse período também viu surgir os primeiros indícios de um novo sistema de informação no país. Isso pode ser percebido com a implantação de um Comitê estatal para a Ciência e Tecnologia, entre 1949 e 1953, chamado de Gostekhinka e, até 1991, denominado GKTN; o surgimento de periódicos como o Referativnyi Zhurnal, publicado em 1952, e até hoje em atividade, e a implantação de institutos dedicados à produção e ao controle da informação recebida e gerada no país, como o VINITI, mencionado na introdução desta pesquisa. Entretanto, medidas realmente concretas que confirmariam essa mudança só seriam vistas após a morte do líder soviético, em março de 1953 3.

As décadas de 1950 e 1960 viram o desenvolvimento e a consolidação do que viria a ser denominado de “sistema de informação científica”, que se manteve até o final da URSS. Entre 1951 a 1960, foram criadas aproximadamente 1861 unidades de informação, que visavam suprir organizações e indústrias com material científico (CHERNYI, GILYAREVISKYI, KOROTKEVICH, 1993, p.13) e, a partir de 1954, foram implantados também institutos e comitês de informação cientifica e técnica nas Repúblicas Soviéticas, com o objetivo de apoiar seus governos com informações que dessem suporte às suas decisões econômicas e administrativas (GILYAREVISKYI, 1999, p.202).

Nesse período entraram em atividade outros institutos de pesquisa da informação, alguns não necessariamente vinculados à Academia de Ciências. Além do VINITI, os outros órgãos que podem ser citados são o Centro Estatal de Informação Científica e Técnica (VNTITS), o Instituto Central de Investigação Científica sobre Informação de Patentes e Investigações Técnicas e

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Econômicas (TSNIIPI), o Instituto Estatal de Investigação Científica de Informação Científica e Técnica, Classificação e Codificação (VNIIKI) e o Instituto de Pesquisa de Informação Interdisciplinar (VIMI), entre outros (MIKHAILOV, CHERNYI, GILYAREVISKYI, [1968] 1973).

Esses órgãos tinham como objetivo principal não somente centralizar as atividades de produção e...

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