Influência das normas internacionais na produção leiteira brasileira: um olhar crítico sobre as boas práticas de produção para a agricultura familiar na Amazônia

AutorCristiane Fonseca Costa Corrêa - Lívia de Freitas Navegantes Alves
CargoMestranda em Agriculturas Amazônicas e Desenvolvimento Sustentável na Universidade Federal do Pará - Doutora em Systèmes Intégrés en Biologie, Agronomie et Environnement pelo Centre International d'Etudes Supérieurs en Sciences Agronomiques, Montpellier, França
Páginas52-74
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2016v13n1p52
INFLUÊNCIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS NA PRODUÇÃO LEITEIRA
BRASILEIRA: UM OLHAR CRÍTICO SOBRE AS BOAS PRÁTICAS DE
PRODUÇÃO PARA A AGRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIA
Cristiane Fonseca Costa Corrêa
1
Lívia de Freitas Navegantes Alves
2
Resumo
As mudanças estruturais impostas à pecuária leiteira brasileira são influenciadas
pelo mercado internacional que pressiona as indústrias e, em decorrência, os
produtores. Uma das principais dificuldades do setor lácteo é a padronização do leite
com base nos níveis internacionais de qualidade. Para atender a essas exigências,
são estabelecidos padrões operacionais de procedimento para toda a cadeia
produtiva, chamados de Boas práticas de produção leiteira. O presente ensaio
aborda de forma sistêmica as influências dessas normas para a produção leiteira
brasileira, e as dificuldades de adoção dos padrões de procedimento pela agricultura
familiar, especialmente na Amazônia. O agricultor familiar amazônico é
caracterizado por uma diversidade peculiar, relativa aos modos de produzir e viver
em sociedade. Além disso, existe, ao mesmo tempo, uma diferenciação de
contextos locais, muito marcantes na Amazônia, que envolvem e influenciam as
práticas desses agricultores, dificultando a adesão ao princípio homogeneizante das
boas práticas. A crítica deste ensaio não se reporta a necessidade de melhorias
sanitárias nas práticas de produção leiteira, mas tem como linha mestra demonstrar
que é necessário compreender o contexto local e a lógica dos produtores, a fim de
que sejam elaboradas ações que valorizem suas práticas e que as tenham como
ponto de partida. Mostra-se nesse estudo que o resultado das imposições de
procedimentos para os agricultores familiares é a diferenciação e o reagrupamento
social entre eles, onde uns se consolidam na produção leiteira e outros são
excluídos.
Palavras-chave: Industrialização. Leite. Unidade familiar. Normativo. Diversidade.
1 INTRODUÇÃO
As mudanças estruturais da pecuária leiteira brasileira sofrem grande
influência do mercado internacional, ocorridas a partir da abertura do mercado
brasileiro para o comércio internacional diante, principalmente, das perspectivas de
1
Mestranda em Agriculturas Amazônicas e Desenvolvimento Sustentável na Universidade Federal do
Pará. Atua na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará - EMATER/PA
em Marituba, PA E-mail: cris_3030@hotmail.com
2
Doutora em Systèmes Intégrés en Biologie, Agronomie et Environnement pelo Centre International
d'Etudes Supérieurs en Sciences Agronomiques, Montpellier, França. Pesquisadora Associada da
rede Strategic Monitoring of South-American Regional Transformation. Professora da Universidade
Federal do Pará no Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural e Mestrado em Agricultura
Familiar e Desenvolvimento Sustentável em Marabá, PA. E-mail: lnavegantes@ufpa.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.13, n.1, p. 52-74 Jan-Abr. 2016
exportação. Em âmbito mundial a produção de leite têm sido crescente e no que
tange a participação do Brasil, vem acompanhando essa dinâmica produtiva e
comercial, ampliando sua participação no comércio mundial de leite desde 2004,
quando as exportações tornaram-se crescentes (SANTINI, PEDRA & PIGATTO,
2009).
Em 2014, a partir de dados da USDA (United States Departament of
Agriculture), a produção brasileira de leite foi de 35,2 bilhões de litros, um aumento
de 2,7% sobre o ano anterior. Assim, o Brasil ocupou a quinta posição no ranking
mundial de produção de leite, atrás de União Europeia, Índia, Estados Unidos e
China (IBGE, 2014). Porém, há incertezas quanto às exportações dos produtos
lácteos devido aos altos custos da produção que tornam o produto menos
competitivo no mercado mundial. Entretanto, o consumo interno que chega a cerca
de 177 lts per capita/ano, tem mantido o aumento da produção com preços mais
rentáveis (IBGE, 2014).
Atualmente, uma das principais dificuldades do setor leiteiro brasileiro é a
padronização do leite com base nos níveis internacionais de qualidade relativas às
barreiras sanitárias exigidas por países importadores. Exigências que vão desde o
controle do ambiente, a sanidade do rebanho,assim como cuidados específicos na
ordenha, armazenamento, estocagem, transporte e manuseio do leite, além da
qualidade (MILINSKI, GUEDINE & VENTURA, 2008).
A produtividade e qualidade são imperativas no setor agrícola brasileiro e
possuem forte relação com as políticas normativas e de financiamento (GEHLEN,
2001). Porém, a produção leiteira da qual tratamos neste estudo é baseada em uma
categoria social que geralmente não se encaixa nessa lógica produtiva a
agricultura familiar. Para o qual, atender as necessidades da família, que é ao
mesmo tempo unidade de produção e consumo, é um aspecto preponderante
(CHAYANOV, 1987). Contudo, esse tipo de agricultor representa uma
importante diversidade (Wanderley, 2003), de produção, o que dificulta sua adesão
a um princípio homogeneizante. Outra incongruência da imposição da produtividade
na agricultura, é que ela gera um censo de competitividade que não é natural dos
agricultores familiares, menos familiarizados com as relações de mercado e mais
adeptos da ajuda mútua, tendo como base fortes relações de parentesco e
vizinhança.

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